Opinião | Os herdeiros de Martin Bugreiro

Foto: Josué de Souza


Em uma das paredes de sustentação da ponte Gov. Wilson Pedro Kleinübing, conhecida na cidade como Ponte do Tamarindo, tem uma pintura de de uma pessoa vestida de traje típico alemão abraçada com um negro, um pouco ao lado, compõem a mesma imagem uma flecha e uma pena, imagino que represente a cultura indígena. Claro que também acompanhado de figuras de notas musicais, bandeirinhas de festas e copos de chope.  O lugar fica a alguns metros do terminal rodoviário e é um dos acessos à cidade para quem vem pelo norte.

Não é preciso muito esforço intelectual para concluir que a obra expressa o mito de democracia racial que é a Alemanha sem passaporte. Ao entrar na cidade, seja de carro ou de ônibus, o visitante fica com a impressão de que por aqui todos são bem vindos. Ao som de uma música alemã e regados com a alegria de uma gelada nos confraternizamos e construímos a terra sem males.

Desde o dia 27 de abril, à paisagem foram adicionadas pedras, que milagrosamente brotaram por ali. Na ação foram utilizados tratores e caminhões. As pedras foram colocadas no lugar onde havia um acampamento indígena por mais de 20 anos. Residia no local, um casal de idosos, indígenas da etnia Kaingang. No momento da ação dos tratores eles estavam no Rio Grande do Sul buscando matéria prima para compor artesanatos e objetos que vendem na cidade. Além da casa, móveis, roupas, peças de artesanatos e objetos pessoais simplesmente desapareceram.

Não é a primeira vez que o endereço é alvo de uma ação deste tipo. Em 2020, a Prefeitura Municipal de Blumenau tentou retirar os indígenas do local. Na época, talvez os mesmos tratores da prefeitura tentaram destruir o acampamento. A ação foi impedida graças a mobilização e a resistência dos próprios indígenas, e da intervenção do Ministério Público Federal. Agora, na surdina, sem nenhuma determinação judicial, a residência foi dada a cabo. Simbolicamente enterrada pelas pedras que, agora, artificialmente compõem a paisagem.

Nada mais simbólico. A ação aconteceu nos últimos dias do mês de abril. Pouco mais de uma semana depois do dia do índio. Aquele no qual nos fantasiamos na escola. Da mesma forma, a pintura representada no local não retrata o índio, apenas alguns elementos estereotipados de sua cultura. Nesta terra, nem todas as culturas são glorificadas. Nem todos são bem vindos.

Na cidade do Dr. Blumenau, se não é a cultura do homem branco e europeu, matamos, deixamos à própria sorte, enterramos e cobrimos de pedra. Quem quer que fez a ação, deixaria Martin Bugreiro orgulhoso. São seus herdeiros. Só lhes falta o colar de orelhas.

1 Comentário

  1. Caro Cientista social ,
    A residência estava em terreno dos índios ?
    A residência estava em local seguro ?
    Em Blumenau respeitamos as pessoas sim , mas não podemos conviver com as coisas erradas , tipo as pessoas que defendem a democracia e defendem Lula .

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