Opinião | Economia de papel

Imagem: reprodução

Na cidade que cresci, Otacílio Costa, no Planalto Serrano catarinense, tudo que é vida ganha desenvolvimento no entorno de uma empresa de papel e celulose. Não existe outra opção: em lugar pequeno, de poucas oportunidades, ou você agarra o que surge, alinhando seus propósitos, construindo expectativas dentro do que existe, ou estará fora das páginas da comunidade. Até um ponto, a realidade se parece bastante com a maior parte dos cantos do Brasil.

Sai de lá bastante jovem, antes de completar 13 anos de idade, após meu pai ter seu planejamento de vida rasgado pelo empregador. Uma alteração trabalhista, proposta no governo Fernando Henrique Cardoso, permitiu que a nova controladora da papeleira demitisse quase a metade dos funcionários, muitos com mais de 20 anos de dedicação ao trabalho. Era o início da terceirização da mão de obra no país. Logo, todos entenderam que contavam com duas alternativas: buscar um outro caminho, ou aceitar salários e benefícios menores para executar as mesmas funções, na mesma empresa.

Não desejo generalizar, porém, no Brasil, boa parte dos grandes negócios possuem histórias obscuras em algum momento da existência. Esta nuvem cria certos mistérios e induzem o trabalhador no pensar sobre a geração de riqueza.

A mega indústria de papel de Otacílio Costa também possui suas lendas, especialmente uma controversa envolvendo a fundação da Companhia de Papel Itajaí, o primeiro nome.

Os registros não são precisos, porém, em algum momento, a empresa fundada por Gottlieb Reif e famílias conhecidas em Blumenau (Hering e Deeke), passou para o controle da União que, por decreto de Juscelino Kubitschek, concedeu o patrimônio para Olinkraft S.A., que por sua vez vendeu para Manville, que virou Igaras e hoje é Klabin.

Um roteiro antigo da velha, corrente e sempre influente política. Nosso país é assim, repetindo, misturando ocasiões, negócios e Estado. Em um momento é estratégico para o progresso da nação. Logo à frente, todo esforço do erário representa um investimento que será melhor gerido se doar, leiloar, entregar para estrangeiros ou amigos… O capital privado sobrepõe sempre o interesse coletivo.

Aquelas mudanças, lá no início dos anos 2000, trouxeram um novo capítulo para a minha família. Carrego, ainda vividas na memória, as lições de tudo que passamos em função daquilo. Aprendi, logo cedo, que o trabalhador é a ponta fraca da corda, que a tensa relação entre os lados poderia ser diferente e não imaginava que após 2014 as leis prejudicariam ainda mais o mercado de trabalho.

Hoje, quase metade dos brasileiros economicamente ativos estão desocupados. Os motivos passam por desilusão, desemprego, doença ou necessidade de auxilio governamental. Entre os que preenchem a fila dos empregados, uma parte significativa é de trabalhadores nas modalidades intermitentes, terceirizados e temporários. Outros tantos estão ocupados sobrevivendo como Empreendedor Individual, os Mei’s. Da totalidade a maioria recebe menos que gostaria e que seria necessário para uma padrão de vida digno, que existia antes da reforma trabalhista de 2017.

Atravessamos décadas paralisados, sem evoluir o básico, criando um ambiente mais saudável para empregados e patrões. E, em cada alteração, retrocedemos na relação do brasileiro com o lavouro. Eu compreendo o quando é difícil para todas as famílias afetadas pela sombra do desemprego ou subemprego.

E nesta semana que passou, véspera de dia das mães, ouvi de um senhor que busca no papelão, no lixo, uma forma de sustento, as lamúrias pela falta de material para catar e vender. Com os comércios repondo menos mercadorias a vida sofrida dele e de todos que são invisíveis e sobrevivem da rua, das caixas e reciclados, fica ainda pior.

Para mais dignidade não basta bondade. Nossa economia súplica um novo marco, entregando mais e melhores oportunidades e renda ao cidadão, assistindo com benefícios aqueles que mais precisam.

Se o queremos navegar distante, nosso barquinho, a economia, não pode ser construída em um frágil papel.

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