Opinião: a baixeza humana

Peço licença às leitoras e leitores para substituir a análise sobre aspectos da política, objeto semanal deste espaço, por ligeiras linhas sobre o espírito do nosso tempo. Começo com o alerta de Nietzche no penhasco de Engadine, vale nos Alpes suíços, onde nos idos de 1880 fazia seu retiro:“Vejo subir a preamar do niilismo”. O bigodudo filósofo prenunciava a chegada de tempos medíocres e vulgares.

“A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Ante a moldura desses tempos de baixeza moral em que vivemos, a atestar que o estágio civilizatório de um povo nem sempre segue o fluxo de eventos na direção da grandeza, urge dar novo sentido à famosa frase de Karl Marx. A história se repete uma, duas, cinco ou mais vezes, e portando novas tragédias.

Olhe-se ao redor. Um clima de permanente emboscada segue nossos passos. Agressões de todos os tipos nos acompanham. A insegurança nas ruas, as gangues que proliferam em todas as regiões, uma bala perdida em plagas mais violentas, as querelas formadas por pequenos incidentes – um esbarrão nos ônibus superlotados, um palavrão no trânsito contra um motorista impulsivo, a discordância em mera discussão.  Fosse isso apenas, os dias seriam até suportáveis.

Mas os tempos são bem mais sombrios por abaterem a moral de nossa gente. Oportunistas, carreiristas, perfis lapidados nos laboratórios da ambição desmesurada, constroem cofres nas malhas intestinas da administração pública. Larápios de todos os tamanhos e classes disseminam-se aqui e alhures, corroendo as riquezas da Nação. Locupletam-se em pleno tempo de Lava Jato, capturando modelagens tecnológicas avançadas para sugar os bens do Estado.

A honradez cede lugar às artimanhas para driblar o império da ordem. Profissionais da política trocam a missão de bem servir à sociedade, ideal aristotélico, por uma profissão bem remunerada. Servir-se em lugar de servir à coletividade – eis o novo arranjo. Muitos trocam sua palavra, seu compromisso, sua índole moral por uma prebenda, um cargo, um posto na estrutura dos governos.

Corações e cérebros se entorpecem no exercício de substituir a verdade pela mentira, de arrumar desculpas para explicar a mudança de posição em importantes decisões e abordagens. As circunstâncias determinam o ir e vir das pessoas. A firmeza de propósitos é uma quimera.

A paisagem se cobre de folhas e galhos secos. Grupos e alas se digladiam em redes sociais com xingamentos, usando até palavras de baixo-calão, fazendo acusações recíprocas, multiplicando fake news, puxando um cabo de guerra imaginário. Debatem propostas? Não. Sobre o tabuleiro vê-se um fórum de ideias?  Não. O ódio racha a sociedade. A bílis escorre pelas artérias. Trata-se de um jogo de soma zero.

Frios, apáticos, acomodatícios, cegos, milhões não conseguem enxergar os horizontes do amanhã de prosperidade, caso substituíssem a mentira pela verdade, o deboche pelo respeito ao próximo, o oportunismo pela oportunidade de ajudar os carentes, a indignidade pelo zelo, a torpeza pela civilidade.  O que se vê é o pão ensopado na adulação para engordar impostores e hipócritas.

A injustiça impera, apesar dos aparatos e aparelhos do Judiciário, do Ministério Público e dos sistemas de controle. A linha do espetáculo motiva protagonistas da Operação do Direito, interessados apenas em ascender aos palcos da visibilidade. A hipocrisia dá o tom. A maldade se bifurca na encruzilhada dos malfeitores.  O primeiro germe da perfeição moral se manifesta quando alguém se adianta para praticar o bem, ensinar as coisas certas, admirar as virtudes. Esse germe, convenhamos, tem sido escasso.

Ao contrário, o país se locupleta de pessoas refratárias a gestos dignos. Grupos de interesseiros navegam nas correntes do pântano. Caçadores de fama, como lacaios, aproveitam o niilismo que se espraia de norte a sul para surfar nas ondas do favorecimento. Resta pinçar o timoneiro Simon Bolivar que, há 170 anos, perorava: “Não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações; os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida, um tormento. A única coisa que se pode fazer em nossa América é emigrar”.

1 Comentário

  1. Estou perplexo pelo conjunto de palavras que se adequam aos dias atuais aos seres humanos e confesso que concordo com os adjetivos aqui colocados pelo autor diante de tamanha incoerência do convívio entre as pessoas em uma “Sociedade Organizada”. Para resumir este belo texto cito Sócrates, pensador, “Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância”.

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