Opinião | O Vale é indígena, negro, mestiço, de nordestinos e sudestinos: o Vale é dos brasileiros

Foto: Eraldo Schnaider

O sobrenome, recheado de consoantes, não altera a nacionalidade do cidadão. Quem nasceu por aqui, em meio a estes morros, próximo de tantos rios e ribeirões, no Brasil, é brasileiro e ponto. A evidente constatação – diria a simples e estúpida aplicação da lógica -, precisa ser dita assim, como quem espancam a realidade do outro, espanta o viralatismo daqueles sujeitos que desmerecem a terra que um dia, com os seus corpos, irão adubar.

O resgate e manutenção de uma cultura, as lembranças, os motivos que trouxeram cidadãos de outros países para explorar e desenvolver a região não bastam. Valorizar a memória é diferente de emular arquiteturas, imaginar semelhanças de paisagens, fazer cosplay de camponeses do século XVIII ou, ainda, querer apropriar-se do nome do lugar. De norte a sul, de leste a oeste, para qualquer canto que você tente olhar, com qualquer perspectiva histórica que suponha entender, em todos os lugares encontrará referências aos donos da terra: os povos indígenas do Brasil.

Pode parecer divertido acrescentar fantasia ao imaginário popular, ou até combinar com a prevalência estética dos habitantes brancos. Porém, a grande verdade – e isso nunca irá mudar – é que o apagamento histórico dos povos indígenas, a verdadeira raiz do Vale, segue ainda nos tempos atuais. O desejo de alterar, por lei, o nome do Vale, oferecendo um título de velho continente, nada mais acrescenta que um pensamento enferrujado e incapaz de aprender com o que os anos deixaram para nós feito lições.

Se, por exemplo, os povos originários não tomavam as margens do grande rio, próximo do marco da frustrada tentativa do explorador europeu de avançar navegando o Rio Itajaí acima, era, em partes, a sabedoria milenar indígena que conhecia que, nestas áreas, o risco de alagamentos e enchentes eram frequentes. Permanecer nesta missão de apagamento da memória, é como praticar um negacionismo suicida que também não contribui para soluções para muitos dos problemas que enfrentamos, nos dias de hoje, de ocupação do território.

Respeitar o passado é fundamental e, principalmente, como verdadeiros patriotas, não idiotizar o que é a verdadeira raiz do Vale do Itajaí. Quem sabe assim, um olhar atento para o passado, não contribua para fazer do Vale uma região mais rica, próspera, ambientalmente correta, socialmente responsável e politicamente menos hipócrita.
A cor de pele, branca, não acrescenta legitimidade ao desejo de um novo batismo. No Vale do Itajaí, os alemães, italianos, poloneses, e tantos outros europeus trouxeram suas culturas, sim. Mas a terra é dos brasileiros. Os indígenas, primeiros habitantes e muitos destes mortos e escravizados, os negros, trazidos à força, e os mestiços, que carregam a mistura de tantas histórias, também são donos dessa terra. Os nordestinos que vieram tentar a sorte e os sudestinos que buscaram novas oportunidades igualmente contribuíram para fazer do Vale o que ele é hoje.

Trocar o nome da região para Vale Europeu é apagar uma história rica e complexa, que não se limita a uma única influência. O nome, o verdadeiro nome, deve refletir a diversidade, a luta e a resistência de todos os povos que formaram e ainda formam essa região. O Vale é de todos os brasileiros, e isso é algo que um nome, carregado de consoantes ou não, nunca vai mudar.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

4 Comentário

  1. Concordo, isto é coisa de deputado que não tem projetos, mediocridade pura.

  2. olha só..novamente este elemento comentando…que lástima…sem consistência, vazio.e doente

  3. Ainda bem que temos um jornal crítico em nossa região, trazendo como exemplo este artigo, de uma sensatez exemplar (algo raro nos tempos atuais). Parabéns!

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