Opinião: o olhar da coluna O Brasil Como Nos Parece sobre 2021

O ano de 2021 foi marcado por fatos que revelam o Brasil como nos parece e de fato é: patrimonialista. É claro que me refiro à classe política, com felizes exceções e muitas decepções. O que posso dizer do ano político de 2021 é que ele reforçou minhas impressões sobre esse aspecto, cujo conceito original é do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), meticulosamente adaptado pelo jurista brasileiro Raymundo Faoro (1925-2003) para a melhor análise sociopolítica sobre o patrimonialismo no Brasil. Aliado ao que aprendi desses pensadores, 2021 me fez ver que só a Educação de longo prazo mudará isso.

Comecemos pela CPI da covid. Não se negue que tinha gente séria ali e que suas informações sejam irrelevantes. Alguns senadores se destacaram pela competência e honestidade, a exemplo de Simone Tebet (MDB-MS) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Que inspirem nossos jovens. E importantes informações deixaram clara a incompetência e o desdém do governo na condução da pandemia que matou muitos brasileiros. Muitos mentirosos foram corretamente desmascarados, é verdade e esse é o ponto positivo.

Mas o interesse eleitoreiro e a falta de compostura republicana de certos senadores desqualificou o parlamento, desrespeitou pessoas e sobrepujou o interesse público. Pra usar um termo da Ciência Política: a “escolha racional” de convocar o “velho da Havan” revela o padrão patrimonialista: bater numa figura detestada por um nicho de eleitores, sem preparar a qualidade dos argumentos.

Por acaso não sabiam que o desafiado estava preparado? Não importa: a gente leva uma surra, mas dá uns tapas e ganha votos. Aí o cara deitou, rolou e pisou, com direito à propaganda gratuita, em rede nacional, com o dinheiro do contribuinte! Isso é uma maneira sutil de usar o patrimônio público em benefício privado.

Por sua vez, “guardião da Constituição”, o STF jogou no lixo duas pérolas do combate ao patrimonialismo. Ao anular as condenações ao ex-presidente Lula, enterrou a Lava-Jato e, ao negar provas contra o senador Flávio Bolsonaro, “legalizou” a rachadinha no Brasil. Apoiado em filigranas jurídicas de múltipla interpretação, inocenta bandidos e cala vozes em nome da democracia. Por detalhes normativos, instituídos no dia a dia jurídico, os políticos comem nas mãos dos bem escolhidos ministros do Supremo, revelando a verdadeira classe dominante no País.

Não é que o STF só tome más decisões, ao contrário, toma decisões importantes. Pôs uma pedra na Proposta de Emenda Constitucional – PEC do voto impresso. Não entro no mérito da discussão, embora pareça um ato reacionário contra a tecnologia da informação de um mecanismo, por sinal, gerado em Santa Catarina e testado pela primeira vez em Brusque. Nunca se reclamou até que alguém reclamou e, sorrateiramente, o factoide político foi gerado, espalhando antídotos do desenvolvimento: desconfiança e conflagração.

O que me chama à atenção é o fato de que nem defensores, nem críticos, dentro e fora dos três poderes, se preocupou com os gastos adicionais de mais de R$ 2 bilhões ao contribuinte. É a cultura patrimonialista e nossa inaptidão nacional em matemática que fazem essa gente achar isso tão desimportante quanto o pacote de reajustes e gratificações que a Assembleia Legislativa de Santa Catarina aprovou nesta semana natalina, bancando o papai Noel às nossas custas, como sempre.

O resultado é mais R$ 1,3 bilhão por ano que sairá do cofre da “viúva”, distanciando os mais ricos dos mais pobres, ironicamente, em nome da justiça. Os primeiros: sindicalizados, poder de lobby, garantindo suas prebendas, aposentadoria integral e coisa e tal, são tão corporativistas e patrimonialistas quanto os que buscam isenções e perdões, isto é, os empresários patrimonialistas em quem gostam de meter o pau. Os segundos: assalariados, informalizados, desempregados, falidos e mau-pagos, entre os quais aqueles que morrem antes de se aposentar. Farinha pouca, meu pirão primeiro.

O curioso é que tudo começa com os “donos do poder”. Não é que sejam os únicos, mas os principais, isto é, a classe dominante, coisa que não aprendemos nos livros de Sociologia no Brasil, porque ninguém lê Raymundo Faoro, preferindo meter o pau no capitalismo. Afinal, pra que procurar a chave no escuro, se o poste tem luz?

Então: tudo começa, como sempre, com o reajuste salarial dos ministros do STF. Empoderados de filigranas jurídicas, têm os políticos nas mãos e obtém deles a aprovação do aumento. E não importa se o País está em crise, se o reajuste é maior que do salário mínimo, se tem gente catando osso pra sopa.

Os patrimonialistas são, mentalmente, a nobreza em plena democracia. Curioso é que, na história do Ocidente, o grande trunfo da democracia foi inverter a lógica monárquica que o patrimonialista guarda mentalmente a sete chaves:  a de que a Sociedade trabalha para sustentar o Estado. Bom: depois do aumento vem o afamado efeito em cascata. As categorias abaixo também querem e a festa anuncia novo interstício e mais um ciclo de desigualdades recomeça.

Por essas e outras, vivemos o 7 de Setembro mais tenso dos últimos tempos no Brasil. Também não entro no mérito dos protestos, já tendo me pronunciado nesta Coluna. No fundo, nem mesmo os protestos tinham a ver com os privilégios dos “donos do poder”. Os desmandos e a judicialização da política são apenas a epiderme do problema. Ali, o descontentamento com o STF teve a ver com decisões que contrariaram a vontade do presidente da República, pronto.

Brasileiros não temos educação política, nem fiscal, pra gerar protestos contra o absurdo dos recursos que, com a conivência e benefício dos outros dois, o terceiro poder extrai da Sociedade produtiva. Tais recursos geram uma verdadeira “economia do judiciário”, sem precedentes no Mundo.

Essa amarra é antiga, foi descrita no clássico “Os donos do poder”, pelo jurista Raymundo Faoro (1925-2003) – gaúcho que viveu a infância em Caçador e foi presidente da OAB, entre 1977 e 1979. A leitura deste livro permite compreender a formação do patrimonialismo e o poder do judiciário e da grande classe burocrática no Brasil.

O que corrobora com isso é o fato de que essa gente toma quase 2% do PIB do País, segundo estudo do cientista político Luciano Da Ros, da UFRGS. Na França é 0,2%, na Alemanha é 0,4% e na Argentina é 0,13%. Agora, pensa num PIB anual de R$ 8 trilhões, 2% são 160 bilhões para manter uma economia a parte, a do judiciário que retém 3% do orçamento nacional (R$ 4,8 tri) e emprega mais ou menos 500 mil pessoas.  Isso é igual a 4,5 vezes o orçamento do estado mais promissor do Brasil (R$ 35 bi), para 7 milhões de catarinenses. Deu pra entender?

Pois bem, aí pra não ficar por baixo, os que comem na mão do judiciário vão cedendo às pressões dos lobbies corporativos. Daí, recebem o apoio velado das categorias reajustadas pelo orçamento do ano eleitoral, onde cabe, sorrateiramente, um fundo de arredondados R$ 5 bilhões. Se em 2018 foram R$ 1,7 bilhão, o aumento chega perto de 200% em quatro anos, “pertinho” dos 27% que concederam ao salário mínimo durante o mesmo período. Coisa linda, né?! Em torno de 7 a cada deputado ou senador votaram a favor, pra turbinar uma campanha eleitoral em que a mentira, a conflagração e o atraso podem ser o começo, o meio e o fim desse processo.

Absolutamente tudo está ligado por um fio, uma linha, um sistema, como se queira, que mantém relativamente intactos os interesses dos que fazem do patrimônio público uma extensão do seu patrimônio. É a instituição do patrimonialismo, nos costumes e na lei. Está nos superfaturamentos, nos desvios de finalidade, no emprego de assessores inúteis que devolvem parte dos salários a parlamentares; está no auxílio toga, moradia, alimentação, motorista, passagens aéreas, diárias, caviar e no vinho francês – se ao menos brasileiro fosse.

Mas os exemplos vão muitíssimo além, se dissipam, alcançando todas as corporações, públicas e privadas. Afinal, se o Estado é o todo poderoso, comandado por essa gente que manda com o dinheiro de todos, então o negócio é se pendurar ali também. O economista Marcos Mendes mostra muito bem essa teia patrimonialista em seu livro “Porque o Brasil cresce pouco”.

Por exemplo: o empresário é o “porco capitalista”, explorador e sonegador. Tá, tudo bem, mas paga, na média, o custo de contratação mais alto do Mundo por trabalhador contratado e qualquer contador sabe disso. É evidente que isso afeta o valor do salário do empregado. Mas essa tributação sem igual no Mundo ajuda a manter o judiciário mais caro do Mundo, em que um Superior Tribunal de Justiça de um só dos 27 estados brasileiros pode ser mais dispendioso que a Suprema Corte dos Estados Unidos.

Como afirmei no meu artigo anterior, “Ficando para trás”, isso não tem solução de curto prazo, porque está na cabeça do brasileiro e nas entranhas das leis. Só muda com Educação, no longo prazo, isso se a elite educacional do País achar que é relevante inserir a discussão nos livros didáticos e antes, nos programas de graduação e pós-graduação. Daí, é pôr os alunos a estudar isso a fundo.

Foi o que de mais relevante, sinceramente, aprendi no ano de 2021. Entra e sai governo e isso não muda, porque a Sociedade não compreende, porque a escola não compreende, porque a universidade não ensina. É mais fácil meter o pau no capitalismo, a narrativa já está dada é só ler, entender e reproduzir.

Não há eleição que resolva isso, esquece! Disse um filósofo alemão, que um povo só se desenvolve quando vai às próprias vísceras. Pra isso, é preciso coragem psicológica, pra não falar de caráter, um bem precioso que precisaremos ensinar aos nossos estudantes.

O fato é: só resolveremos nossos problemas no longo prazo, quando estudarmos os problemas a fundo, pararmos de culpar os outros pelas nossas fraquezas e tivermos a coragem de mudar. Pra isso, precisamos nos distanciar de todo corporativismo, sair das bolhas identitárias que nos fornecem segurança discursiva.

Não ignoro que habilidosas reformas institucionais melhoram a vida da Sociedade em importantes aspectos. Todavia, mesmo boas instituições são difíceis de instituir sem a compreensão da Sociedade, facilmente manipulada por palavras chave como fascista ou comunista, por anacrônicas que sejam, é incrível!

Então, isso releva a importância dos educadores. Ou esperamos pelo próximo salvador da pátria, ou um conjunto astral de fatores, mas o cavalo não passa encilhado duas vezes. Ou então, admitimos que é pela Educação, no longo prazo e com muita honestidade e coragem, que estudaremos nossos problemas indo às causas reais. Alguém pode dizer que, então, não aprendi nada, mas foi isso que, subjetivamente, aprendi com 2021.

Que venha 2022 e seja bom aos brasileiros!

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