Opinião | Algumas considerações sobre o conflito no Oriente Médio

Foto: Reuters/Reproduçãovua BBC Brasil

Os ataques realizados no mês passado pelo grupo radical Hamas contra Israel, foi apenas mais um fato dentro de uma engrenagem geopolítica internacional que pode reconfigurar as estruturas regionais no Oriente Médio, modificando as relações políticas, sociais e culturais da região, especialmente em relação à política externa e a entrada de novos atores na região. A tensão entre palestinos e israelenses não é nova, porém, inegavelmente, desta vez, pegou governos, a mídia e analistas do mundo inteiro desprevenidos. O apoio quase irrestrito da mídia ocidental a Israel está acontecendo, mas a timidez dos governos ocidentais chama atenção e isso precisa ser refletido..

A invasão dos militantes do Hamas ao território de Israel por si só, já escancaram um feito histórico dentro das décadas de hostilidade e guerras na região, com a invasão sendo classificada como a maior ao território israelense. Mas o que realmente impressionou o mundo, segundo a mídia ocidental, foi o planejamento e execução da invasão do Hamas, com um ataque coordenado em larga escala com mísseis, pelo mar, pelo ar e por terra. Segundo a própria mídia ocidental, as agências de inteligência que monitoram o Hamas, como o Mossad, a CIA e o MI6, não conseguiram prever o ataque, tampouco foram alertados de uma possível operação sendo articulada na Faixa de Gaza.

Dois pontos precisam ser analisados sobre essa questão, o primeiro diz respeito ao grupo Hamas, que nunca realizou grandes operações fora da Faixa de Gaza e que nos últimos anos vinha diminuindo suas hostilidades com Israel, uma vez que aparentemente havia a possibilidade real da criação do estado da Palestina. Outro ponto importante eram os claros sinais de que o Hamas se preparava para um grande ataque contra Israel, desde o momento que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu retomou o cargo e o exército de Israel lançou ofensivas sobre a faixa de gaza. Essa evidente tensão, aparentemente levou o Hamas a rever sua postura.

Nesse ponto, a entrada de antigos e novos atores no conflito se torna fundamental para a execução e coordenação de um plano de invasão, para um grupo que vinha se desarticulando militarmente nos últimos anos. Países como Irã, Arabia Saudita, Qatar e Emirados Àrabes Unidos, ajudaram e financiaram o treinamento e armamento do Hamas, mas com objetivos distintos. Enquanto o Irã financia o Hamas e o Hezbollah com o objetivo de fomentar sua Jihad Islâmica contra Israel, os objetivos da liga Árabe são completamente distintos e desconexos entre si, e distantes da ideia de manutenção do conflito a longo prazo, diferentemente dos planos do Irã.

Dito isso, é salutar refletir que tanto o Mossad como as outras agências de inteligência que atuam na região, sabiam que o Hamas estava em pleno planejamento para uma resposta à ofensiva israelense, assim como vinha sendo financiado e municiado por vários países do Oriente Médio. Analisando o histórico de ação do Mossad, não seria a primeira vez que o grupo de inteligência agiria com interesses difusos ao do próprio estado de Israel. No passado, o Mossad impediu a concretização de um acordo de paz e resolução do conflito articulado pelo ex-primeiro-ministro Yitzhak Rabin e o então líder da autoridade palestina, Yasser Arafat.

Ao mesmo tempo em que o Mossad afirma não ter tido conhecimento dos planos de ação do Hamas, o alerta de um ataque coordenado do sul pelo Hamas, tal qual um ataque vindo do norte pelo Hezbollah, foi emitido no mesmo dia pelas agências de inteligência e amplamente divulgado. De fato, a incursão pródiga de Israel nos últimos meses, ocupando cada vez mais territórios na Faixa de Gaza, evidencia os reais interesses de Israel na guerra que se trava no momento. Não é devaneio questionar se estamos vivenciando uma invasão meticulosamente planejada, que aguardou o ataque do Hamas para em seguida ser colocada em prática.

Observando o cenário interno em relação as relações diplomáticas de Israel, temos um recorte diferente daquele que Israel encontrou no passado mais recente. Seus aliados da OTAN estão travando uma guerra cara e dispendiosa contra a Rússia através da Ucrânia, enquanto que os EUA, seu principal aliado, vem mantendo um pé atrás com o governo chefiado por Benjamin Netanyahu (que sempre foi um entusiasta e aliado de primeira hora do ex-presidente Donald Trump), desde que este implementou medidas de caráter autoritário, suprimindo os direitos civis, reduzindo os poderes da suprema corte e do judiciário Israelense.

Por sinal, essa guerra veio em boa hora para o governo Netanyahu, que sofria grande oposição interna e estava a passos de perder a legitimidade na ampla maioria do parlamento Israelense. Por outro lado, o Hamas pode ter visto a instabilidade política de Israel como uma janela de oportunidade para um ataque decisivo e massivo, com uma coordenação sem precedentes pelo norte e pelo sul. O fato é que Israel passava por um isolamento silencioso por parte de seus aliados ocidentais, que possuíam todos os seus olhos voltados para o leste europeu, enquanto as relações entre os governos se deterioravam.

Do outro lado do Oriente Médio, a Liga Árabe desempenha seus próprios objetivos em relação ao conflito e executa uma nova abordagem em relação a região, sobretudo do ponto de vista econômico e de integração regional. Apesar de alguns países sendo conhecidos financiadores do Hamas e de outros grupos extremistas da região, o objetivo da liga não é ter uma guerra permanente no Oriente Médio. Mesmo com esses países sendo beneficiados com a alta no preço do barril de petróleo, a longo prazo percebem que instabilidade na região prejudica os planos da Liga Árabe de prosseguir com o crescimento econômico seguro.

No passado, esses países foram conhecidos financiadores de grupos terroristas como Al Qaeda, ISIS, Hamas e o próprio Hezbollah, mas nunca foram hostilizados, já que são  colaboradores e aliados dos EUA na região, fornecendo petróleo para as empresas americanas, e executando a cartilha do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Nos últimos anos essa realidade se modificou drasticamente, com a Liga Árabe se aproximando do BRICs e fazendo parcerias econômicas em grande escala com China e Rússia, além de promover uma integração regional com o Irã, tirando o mesmo do isolamento comercial e bloqueio impostos pelos EUA.

Atualmente, plano da Liga Árabe, defendido conjuntamente em comunicado com a Rússia, seria o antigo plano de paz idealizado por Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, a criação do Estado da Palestina com uma parte do território da Cisjordânia, o reconhecimento dos palestinos da existência do estado de Israel, o fim da Jihad Islâmica e um tratado de paz duradouro entre Palestinos e Israelenses. Esse plano sempre foi defendido por ampla maioria da comunidade internacional e seria o melhor caminho para uma paz duradoura e permanente na região.

Por fim, o conflito em Israel é mais complexo do que a nossa percepção ocidental pode assimilar, envolve um novo conflito em que o Ocidente não quer estar inserido e a Liga Árabe não quer que aconteça. Em um momento em que o Oriente Médio não era o barril de pólvora observado pelo mundo, mas sim uma região que aparentava certa estabilidade vigilante, a hipótese de uma guerra era remota. Paralelamente, o Ocidente está encalacrado demais em problemas criados por ele mesmo, o impossibilitando de articular de modo profícuo ações reais de pacificação para esse conflito que dá mostras diárias de que não irá arrefecer sem medidas fortes nessa direção.

Rafael Garcia dos Santos, sociólogo

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