Opinião: um caso de antropologia jurídica

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A soltura de um traficante condenado, o dinheiro no rabo de um político e o plágio de um juiz do STF tem muito em comum, fatos unidos por um fio antropológico que explica porque não damos certo. Nos falta a frugalidade, o senso de igualdade republicana e moderação conservadora que devia estar no espírito das leis. Isso pra não falar de uma leitura adequada da Bíblia e uma rigorosa ética do trabalho, o que nos faria ter vergonha na cara e punir toda essa patifaria. Quem disse que este País não é sério sempre teve razão.

A decisão de um juiz do Superior Tribunal Federal – STF de soltar um traficante bilionário, acreditando na promessa de que aguardaria em casa a decisão definitiva, tem respaldo na letra da lei e, como disse o juiz: “cumprir a lei não gera arrependimento”. E os outros dez do STF que suspenderam sua decisão, agiram ilegalmente? Então tá, né?! A deputada Janaína Paschoal (PSL-SP) acha que a decisão deve ser investigada e me faz lembrar o famoso livro de Truman Capote, “A sangue frio”, em que o autor se apaixona pelo criminoso. Só pode ser isso.

O senador Chico Rodrigues (DEM – RR) é flagrado com dinheiro na cueca, numa operação da Polícia Federal. Dá uma explicação comovente, pede licença de 121 dias para a assunção do suplente, ninguém menos que seu próprio filho. Será julgado por seus pares, senadores, que o farão com o mesmo interesse público com que sabatinaram o próximo juiz da suprema corte. Ou seja: acabar com os excessos persecutórios  do “lavajatismo” que causaram tanta “injustiça” e constrangimento. E com o apoio presidencial, Dr. Moro! Coisa linda! 

Quanto à acusação de plágio do indicado ao STF, tem até uma boa história pra justificar a cola, inclusive a conivência do plagiado,  coisa de amigos. O fato? 17 páginas de “control C, control V”, sem aspas, nem menção ao verdadeiro autor (segundo a Revista Crusoé, confirmado pelo sistema Plagium do Estadão). É plágio e corrosão de caráter. De um criminoso? Não, de um funcionário da Justiça que, como outros mencionados, se vale da farsa em nome da fama e da fortuna e revela a utilidade das cadeiras de Sociologia e Antropologia Jurídicas. 

Em “Do espírito das leis”, o filósofo político francês Charles de Montesquieu (1659-1755) dizia que a saúde da República dependia de uma boa dose de igualdade e frugalidade. Em “Democracia na América”, seu conterrâneo e igualmente filósofo político Alexis de Tocqueville (1805-1859) constatou essas qualidades naquela que viria a ser, segundo seu próprio prognóstico, a mais potente república do século XX, os EUA. Igualdade e frugalidade são pais da moderação, principal recomendação do filósofo irlandês Edmund Burke (1729-1797). 

Lendo a Bíblia, colonos americanos e catarinenses, entre outros, aprenderam tais qualidades, somadas a ética do trabalho. Sem isso, resta o apreço piegas, antiliberal e patrimonialista pela desigualdade e pelo ganho fácil. Me refiro à anti-moderna e extrema desigualdade entre governantes e governados que tece o fio das nações atrasadas. Constitui-se de privilégios, pompa, falsas honrarias e títulos comprados, além do roubo ao patrimônio público, que honram os frívolos tanto quanto enojam ao homem discreto que se faz pelo trabalho honesto.  

É esse fio antropológico que une os três atos: 1) a pavonice enerve de um juiz ressentido e alheio ao enorme dano moral e financeiro causado por sua excentricidade à 2) busca de fortuna ilícita de um político miserável que envergonha o País, e 3) a condescendência geral com o roubo de ideias em busca de fama, algo ilegal, por um representante da lei, como fosse isso um mal menor.  Pelo amor de Deus! Antes que desistamos de tudo, lembremo-nos de estudar o “espírito  das leis”, cuja parte boa nos lembra: fiscaliza teu senador.

Resguardadas as exceções, nossa elite é pouco ilustrada, nada burra, mas lhe falta a grandeza da ambição de ser respeitada. Com todas as variações, é a ambição de ser respeitado, o ensinamento das grandes nações. E, por paradoxal que pareça, essa ambição está na cultura da igualdade e da frugalidade, isto é, da vida sem excessos, da parcimônia e da labuta do homem burguês. É isso, e mais algumas coisas não dissonantes disso, que explica a vergonha na cara e o desejo de ser reconhecido por feitos e exemplos, não pela fortuna às custas do roubo ou do privilégio. 

A frase, segundo a qual, “o Brasil não é um País sério”, foi inadvertidamente atribuída ao então primeiro ministro francês Charles de Gaule, em 1962, num episódio tão hilário quanto verdadeiro: o conflito diplomático intitulado “Batalha das lagostas”. É só procurar na internet. A solução apontada pelo Brasil foi risível, pra dizer o menos e mereceu o comentário acima, mas não de De Gaule. Foi do próprio embaixador brasileiro, Alves de Souza, consternado com a inapetência do Brasil a assumir a condição de uma nação respeitável. 

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