Opinião: Mamãe Falei: e agora, quem poderá me defender?

A palavra tribuna faz referência a um local feito para discursar. Toda Câmara de Vereadores, por exemplo, tem a sua tribuna. Isso vem desde a Grécia Antiga, berço da democracia. Quem se destaca pela habilidade no debate é o que o jornalista Augusto Nunes, da Jovem Pan, chama de “tribunos”: aqueles que falam o que o povo sente e não consegue expressar. Não por acaso, o jornalista Carlos Lacerda, um dos melhores oradores da política brasileira, se tornou conhecido com a coluna intitulada “Da Tribuna da Imprensa”, que mais tarde daria nome a seu próprio jornal, “Tribuna da Imprensa”.

Conhecido como “demolidor de presidentes”, usou a fama para se eleger vereador, deputado e, finalmente, governador do Estado da Guanabara, que hoje é a cidade do Rio de Janeiro. Aliando política e jornalismo, criou a situação que levaria Getúlio Vargas à renúncia, caso não tivesse se suicidado.

Eleito novo presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek também se tornou alvo de Lacerda. Precavido, JK emitiu decreto proibindo “ofensa às autoridades públicas” em rádio, TV e jornal. Multimídia muito antes do termo ser criado, Lacerda então montou o Caminhão do Povo, de onde discursava em locais de grande movimento. Em outras situações, o caminhão circulava tocando nos alto-falantes seus discursos, os mesmos que também eram vendidos em disco de vinil e livros. Tudo registrado por foto e texto em seu próprio jornal, que vendia como água. Não é de hoje que se usa tecnologia para transformar polêmica em voto.

Redes antissociais?

Na internet, principalmente nos comentários de postagens, é tiro, porrada e bomba! Como quem quer crescer no ambiente virtual fica de olho nas tendências, se está dando certo, passa-se a usar como modelo. Daí nasceu a lacração, que é a defesa de um tema polêmico, buscando desmoralizar quem pensa diferente. Quem surge assim, atrai um público parecido, e por isso segue nessa linha, inclusive se acaba entrando na política. Por este motivo, por exemplo, o deputado estadual Arthur do Val (União Brasil) usa até hoje o apelido dos tempos de influenciador: Mamãe Falei.

Enquanto na internet se caminha o tempo todo no limite, políticos evitam desgastes. É só pensar, se a postura do confronto deu errado para a cantora Karol Conká, no Big Brother Brasil, será que realmente dá certo na política? E se o parlamentar deixa o estado em que foi eleito para ir até um país em guerra e acaba falando coisas como, “as ucranianas são fáceis porque são pobres”?

Pego com as calças nas mãos

O primeiro político brasileiro cassado por falta de decoro parlamentar foi Barreto Pinto, um dos fundadores do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O processo começou em 1946, após a revista “O Cruzeiro” publicar fotos do deputado federal elegantemente de camisa, paletó e… cueca. Ele se disse enganado pelo repórter, que teria prometido fotografá-lo apenas da cintura para cima. Verdade ou não, perdeu o cargo.

Até alguns anos, era comum ouvir que “brasileiro tem memória curta”. Esse foi o tempo de Barreto Pinto, que ainda seria eleito, em 1950, mas que passou com a chegada da internet. Hoje, o comentário infeliz de uma figura pública sempre ressurge para assombrar seu autor.

Neste contexto, em dezembro de 2020, o deputado estadual paulista Fernando Cury (União Brasil) foi filmado tentando apalpar os seios da deputada Isa Penna (PSOL) em plena sessão do legislativo. Expulso do Podemos e suspenso por 180 dias, o processo corre agora no Tribunal de Justiça de seu estado por importunação sexual. Provavelmente não vai se reeleger, mas deve terminar seu mandato antes de ser cassado. Enquanto isso, por que o processo de Arthur do Val, iniciado em 3 de março deste ano, caminha tão rápido?

Um político sem apoio político

No dia 12 de abril, o Conselho de Ética da ALESP (Assembleia Legislativa de São Paulo) aprovou o pedido de cassação do citado político. Ficou faltando pouco para a votação dos demais deputados e a decisão final. Embora ainda não haja data prevista para esta votação, presume-se que ocorra antes das eleições, evidenciando seu isolamento. Mamãe Falei esqueceu que curtidas e compartilhamentos são importantes nas redes sociais, e o elegeram, mas política exige diálogo.

Na prática, a situação se complicou a ponto de, no dia 20 de abril, o parlamentar renunciar. Embora o processo continue, a repercussão tende a diminuir, alimentando sua esperança de não se tornar inelegível. Em 1992, o presidente Fernando Collor tomou a mesma decisão, sem sucesso. Como o processo também já tinha sido iniciado, mesmo deixando o mandato, acabou condenado, amargando longos 8 anos sem poder disputar eleições. No caso de Mamãe Falei, o roteiro segue pelo mesmo caminho: dia 3 de maio, a Comissão de Justiça da ALESP também aprovou o pedido de cassação. Resta agora apenas a votação final, no plenário. É esperar para ver o que acontece.

Quando o parlamentar perde apoio popular e se isola dos demais políticos, passa a ser mais difícil se defender. Independentemente se estiver certo ou errado. Há quem diga que, por isso a presidente Dilma caiu, enquanto o poder de articulação do vice, Michel Temer, o fez chegar até o fim do mandato, mesmo atacado sem trégua. Fica a lição: seja quem for, um político sem apoio político logo acaba deixando a política.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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