Opinião | Locomotiva enferrujada

Foto: reprodução

Olhemos para essa imagem: uma locomotiva puxando uma fileira de carros do trem, cada qual desfraldando uma bandeira, sendo a primeira a que mostra homens e mulheres escolhendo seus representantes nos foros parlamentares e nas cadeiras de comando do poder executivo. Outra imagem: um gráfico com países de elevado produto nacional bruto (soma de todas as suas riquezas), liderando o rol de Nações com melhor índice de desenvolvimento humano e, ao final do desenho, territórios devastados por doenças, fome, violência, mortalidade, barbárie.

Nas duas ilustrações, a mesma leitura: a alavanca que puxa as Nações democráticas e promove o bem-estar das massas é a Educação. Trata-se do escudo que protege os países. A arma usada na tão aclamada revolução das mentes. O exército capaz de transformar territórios assolados por ignorância em prósperas Nações. A força que impulsiona avanços. O motor que faz girar a roda civilizatória. A engrenagem que une os parafusos do progresso. A maquinaria que gera harmonia social. Em suma, o fator responsável pelo Produto Nacional Bruto da Felicidade dos habitantes do planeta.

Contemplemos, agora, nossas plagas tropicais, nessa quadra em que mais de mil pessoas trabalham no chamado “governo de transição”, identificando carências e demandas a serem processadas na administração que terá início em 1º de janeiro de 2023. Diante de números e situações, algumas descritas adiante, a conclusão certamente apontará para esta hipótese: o Brasil carece de uma revolução na área educacional. O presidente eleito Lula da Silva realizará esse empreendimento? Modesto conselho: ensine, presidente, o pescador a pescar. Invista numa nova locomotiva para puxar os trens do desenvolvimento.  Escolha a Educação como prioridade número um de seu governo. Medite sobre o quadro.

Há cerca de 48 milhões de pessoas matriculadas no ensino básico. Dados de 2020. O ensino básico, nesse caso, abrange da creche ao ensino médio, incluindo a educação de jovens e adultos. Milhares de alunos, porém, concluem a quarta série sem saber ler nem escrever, mui­to menos fazer contas. E mais:  35 milhões de brasileiros são até capazes de ler, mas não conseguem entender o significado das palavras. São os analfabetos funcionais.  A continuar nesse passo, o Brasil estará condenado a rastejar na sombra de Países que elegem a educação como base do edifício civilizatório, sendo exemplos Reino Unido, Finlândia, Suécia, Canadá, Japão e Coréia do Sul. Os dados negativos se acumulam. Extratos do PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – dão conta de que, entre 2015 e 2019, o país perdeu 46 milhões de leitores. Um desastre. Apenas 50% dos brasileiros têm o hábito de ler.

A crise da educação básica é um fio esgarçado que prende o País à teia do atraso. Discurso sobre a melhoria da qualidade do ensino é o que não falta na boca de go­vernantes e de educadores. Dinheiro? Acabam limpando os recursos da educação. E enchendo os potes de orçamentos secretos. A lei obriga Estados e Muni­cípios a investirem em educação 25% de seus orçamentos, enquanto à União cabe aplicar, no mínimo, 18%. A lei não é cumprida? Nosso país “faz de conta”. E mais: o Brasil possui uma rede social imensa, a maior de todos os tempos. Urge perguntar: a educação não integra a rede?  Por que a economia tem poucos recursos para investir na enferrujada locomotiva educacional? O que falta para se fazer a “revolução” na sala de aula? É triste constatar que a parede de frente da nossa cultura é de areia sem cimento, uma “cultura de fachada”.

A aula-padrão quadrada, lousa, giz e saliva perdem eficácia diante de cognições mais sensíveis à estética. Somos um País mais ligado à imagem do que à leitura. O fato é que a escola pública, modelo de qualidade em países como a Inglaterra é, entre nós, a cara do obsoletismo: desaparelhada, sujeita à violência, pro­fessores ausentes, parcos salários, gestão improvisada, falta de asses­soramento pedagógico. As autonomias se esfacelam diante dos ataques aos orçamentos educacionais. Nesse fim de ano, universidades federais não têm dinheiro nem para pagar a coleta de lixo. 

O Brasil precisa instalar uma nova es­cola, integrada ao tempo e ao espaço, capaz de construir pontes entre aluno e seu meio. Uma escola de formação para a vida. Como podem os meios de comunicação de massa oferecer sua contribuição? Recheando suas grades com propostas renovadoras na área da cultura e da educação. A TV Cultura de São Paulo é um bom exemplo. Tem arriscado na seara de uma nova linguagem para atrair crianças e adolescentes. Mas dispõe de parcos recursos. E luta com vigor para revigorar sua autonomia. Em suma, a TV aberta pode ajudar com programas voltados para uma escola pública compatível com as demandas da sociedade, proporcionando abordagens que in­corporem as novas fronteiras do conhecimento.

Por último, uma reflexão. Norber­to Bobbio já alertava que “certos governantes preferem cidadãos passivos a ativos.”  Aqueles são depósitos de votos a seu favor. Equivalem a carneiros comendo capim no pasto. Já os cidadãos ativos filtram a água contaminada. O país clama por uma cidadania ativa, participante, inclusiva, seiva produzida por magistrais educadores como Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro.

O Brasil pode esperar por uma educação pública de qualidade? Resposta: muito difícil atingir essa meta no curto prazo.  Falta vontade política.  A educação acaba sendo moeda de troca.

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