Opinião | É simbólico olhar para o alto esperando um sinal

Foto: A fé do povo brasileiro – Rusha/ Divulgação

Tudo que você mais deve ter lido, ouvido e assistido nos últimos dias é sobre a escolha do novo Papa. Adianto que não pretendo dissertar sobre religião – até porque eu mesmo não tenho uma –, fé ou mesmo sobre os meandros da escolha de Leão XIV. O que me intriga, como observador das sutilezas humanas, é algo mais fundamental: nossa tendência de buscar respostas fora quando talvez o mais valioso esteja verdadeiramente dentro de nós mesmos. Eu sei, parece clichê – e é mesmo –, que ganha ares de coisa fácil – e definitivamente não é! – o exercício de encarar os próprios defeitos, fitar profundamente o ego, espancar os medos e tudo aquilo que guardamos no coração. Estes desafios revelam-se como a maior prova de crença que o autoconhecimento é a resposta para tudo na vida.

“O carro sempre vai para onde vão seus olhos”, escreveu Garth Stein. Uma verdade simples e profunda, não parece? Nosso olhar determina nossa direção, dizem por aí. Mas para onde temos direcionado nossa atenção? Basta firmar a certeza naquilo que, distante, brota como miragem depois de uma curva e, magicamente, a coisa acontece? Confesso minha descrença. Posso ver claramente o que está a um palmo do meu nariz e, ainda assim, tropeçar feito uma toupeira míope em meus próprios pés.

Esta reflexão sobre o destino do nosso olhar – ou pensamentos – chegou frente ao paradoxo que se manifesta na escolha papal. É simbólico esse gesto: multidões se reúnem na Praça São Pedro – milhares em todo o mundo –, olhos fixos na pequena chaminé da Capela Sistina, aguardando um sinal rudimentar de fumaça – e sofisticado em esperança… Branca ou preta? Um código ancestral que anuncia se bilhões de fiéis ao redor do mundo têm ou não um novo guia espiritual. Mais que isso, não é apenas o nome de um novo Papa que se aguarda — é uma resposta. Uma luz. Algo que venha de cima, como se o céu, num ato de compaixão, sussurrasse consolo para as angústias destes que caminham na terra.

Mas o nome de nenhum Papa, nem de nossos problemas, vem das nuvens. São homens, mortais, limitados, contraditórios que nomeiam e constroem sumo pontífices e obstáculos para os dias. Ainda assim, os líderes da Igreja Católica carregam sobre os ombros o peso simbólico do sagrado. Cabe também a cada um de nós, os humanos que fitamos o azul do céu ou o brilho das estrelas, as soluções para as dificuldades. Quando o anúncio é feito, morre um cardeal e nasce um Papa. Renasce, junto com ele, a promessa de novos rumos, de uma nova face para a Igreja — que não é apenas fé, mas também escola, hospital, abrigo, pão. Metaforicamente é, também, o que ocorre após nossas próprias descobertas: morte e renascimento.

Quantas vezes, diante das incertezas cotidianas, não erguemos os olhos para algum céu esperando que de fora venha a solução para os nossos dilemas internos? Santo Agostinho, inspiração do recém-eleito Papa Leão XIV, nos oferece um contraponto valioso: “não saias de ti, volta-te para ti mesmo, a verdade habita no homem interior”. Paradoxalmente, enquanto milhares contemplam as alturas em busca de sinais, a resposta talvez esteja muito mais próxima do que imaginamos.

Permaneço com Santo Agostinho nesta minha filosofia de domingo: “a medida do amor é amar sem medida”. É como quem diz que a sua capacidade de amar e servir – inclusive a si mesmo – precisa transcender todos limites. Porque o amor verdadeiro não fere, não exclui, não se fecha. E talvez, por isso, tanta gente busque no alto um reflexo do divino, quando a centelha mais acessível — e mais desafiadora — está ao lado, no outro, no irmão que precisa de um gesto, de uma escuta, de um pedaço de pão.

Talvez você, assim como eu, também ache intrigante como é possível que as mesmas pessoas que olham para o céu em busca de respostas frequentemente esqueçam de olhar para o lado. Encaram um irmão em situação de rua que necessita de compaixão, de caridade e torcem o rosto como se, segundos antes, não estivessem cruzando o olhar com alguém em imagem e semelhança respirando existência. Tantos que dobram os joelhos encarando o chão, beijando a terra ou contemplando estrelas distantes, mas são incapazes de colocar um espelho no coração para refletir o que carregam dentro de si – ou colocam e escancaram inconscientemente a podridão que carregam. Isso me incomoda… quando, na ânsia de enxergar um milagre, se esquece de ver o óbvio: a dor do vizinho, o vazio no banco da praça, o frio nos olhos de quem mora na rua.

O augustiniano que agora assume o trono de Pedro carrega consigo o legado de um pensador que valorizava tanto a busca interior quanto o serviço ao próximo. Me parece que, se pudermos enxergar distante, alcançando a contemplação desta nossa sociedade daqui a algum tempo, o convite é claro: é hora de um olhar compassivo ao redor e por um mergulho honesto em nossas próprias profundezas. Pois a verdadeira transformação começa quando aprendemos a ser, nós mesmos, manifestações vivas daquilo que buscamos lá fora. Porque, afinal, o carro realmente vai para onde nossos olhos apontam. Resta-nos, portanto, a pergunta essencial que carregaremos pelas ruas de nossa cidade: para onde temos dirigido nosso olhar? Para o alto, aguardando sinais distantes, ou para dentro e ao redor, onde a verdadeira jornada humana acontece a cada instante?

Tarciso Souza, jornalista e empresário

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