Opinião | As bases necessárias para uma educação fundamentada na vida

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É preciso ecologizar a educação, diz Moacir Gadotti, pedagogo e filósofo, quando nos fala sobre ecopedagogia em suas obras, como em “Pedagogia da Terra – ideias centrais para um debate”. Isso significa levar aos currículos escolares e universitários a temática ambiental para além de uma perspectiva de sustentabilidade, para muito além da economia e da política. O físico austríaco Fritjof Capra aborda visão semelhante em sua obra “Alfabetização Ecológica”. A ideia imanente em ambos é que a condução a um futuro sustentável, do ponto de vista socioambiental, se dará pela cultura que as sociedades irão adquirir, por meio de todas as formas de educação, principalmente. Neste sentido, é preciso vencer a visão utilitarista humana sobre a natureza e reconhecer o valor intrínseco da vida, das diferentes formas de vida. Pensar em um futuro sustentável do ponto de vista social e ambiental é dedicar um olhar para frente, sem dúvida (técnicas e tecnologias menos impactantes), mas principalmente um olhar para o passado, resgatando uma forma de relação com a natureza (e conosco mesmos) que muitas gerações tiveram e que se perdeu na ânsia capitalista. Devemos resgatar conceitos mais humanistas, como o de Physis, dos antigos gregos, em que tudo na natureza tinha igual valor, ser vivo ou não, humano ou não. Também precisamos pensar fortemente na mudança pessoal, como acrescenta Leon Tolstoi, escritor russo, quando diz que “Todos querem mudar o mundo, mas ninguém quer mudar a si mesmo”. Enfim, assumir que perceber e agir são as palavras chaves para o necessário equilíbrio socioambiental planetário.

Voltando para os gregos, para eles Physis designava tudo, absolutamente tudo e não estabelecia uma hierarquia entre as coisas. Tudo tinha o mesmo grau de importância, o que incluía os próprios humanos, embora eles fossem os gestores das coisas. Este conceito infelizmente se perdeu ao longo do tempo, mas  modernamente muitos autores têm retomado essa perspectiva em suas obras. Uma visão centrada na vida e no afeto entre as pessoas é apresentada por Rolando Del Toro, antropólogo e psicólogo chileno, em sua Educação Biocêntrica, concebida a partir da década de 1960. Del Toro nos diz que “Uma sociedade educada sob o ponto de vista do amor a si mesmo, ao outro e ao cosmos será, com certeza, uma sociedade saudável e pacífica”. A Educação Biocêntrica incorpora contribuições significativas de dois outros chilenos, Humberto Maturana e Francisco Varella, ambos chilenos também, que desenvolveram a ideia da afetividade como paradigma humano e de sustentabilidade,  além de criarem as teorias da autopoiese, da biologia do conhecer, do pensamento sistêmico e do construtivismo radical. A Educação Biocêntrica prevê uma remodelação da educação em si, no que concorda com a Ecopedagogia de Moacir Gadotti, e pressupõe sociedades mais equilibradas, inspirando-as a alcançarem patamares de desenvolvimento muito mais focados na felicidade e no respeito a todas as formas de vida do que na conquista de bens e tecnologias.

A vida em sociedade, à medida que se torna cada vez mais estruturada, necessita de mecanismos que possibilitem convivermos em sistemas cada vez mais complexos e realizar acordos para um certo equilíbrio social. Ao romper com modelos mais naturais, o ser humano passou a necessitar de normas e de uma convivência democrática para minimizar os conflitos locais. Ainda que essas normas e o contexto social não fossem produzidos de maneira muito democrática, mas sob a hegemonia de grupos ou interesses dominantes, elas determinavam uma certa ordem social. Paralelamente, mas não menos importante, o desenvolvimento da educação permitiu às pessoas, ainda que não todas e nem mesmo a maioria, uma ampliação da sua autonomia e da sua capacidade de intervir nos modelos, tornando-as mais protagonistas nessas sociedades. O pano de fundo dessas alterações foi e é a natureza, sua dilapidação e transformação, mas essa parece ser a parte menos visível da questão, infelizmente, para a imensa maioria.

Muitos outros autores têm desenvolvido conceitos relacionados à formação de pessoas conscientes da sua interação com o meio ambiente e com a natureza, ao longo das últimas décadas. Para não ficarmos apenas na América Latina, poderíamos citar ainda o pedagogo espanhol Francisco Gutierrez e o filósofo e sociólogo francês Edgar Morin, este último com várias obras neste sentido. Mas há um outro conceito, igualmente importante, que abrange de maneira sistêmica a formação de indivíduos sabedores do seu papel no contexto socioambiental, que é a chamada Ecoformação. O termo foi utilizado pelo educador francês Gaston Pineau, e pode ser definido como a formação recebida e construída na origem das relações diretas com o ambiente material (os não humanos, os elementos, as matérias, as coisas, a paisagem etc, que retoma Physis). Daí surge a ideia de Formação Humana Permanente, apresentada por Pineau, que é dialógica com o externo ao humano, pela própria indissociabilidade entre eles. Lembro novamente de Capra, que afirma que “naturalmente, há muita diferença entre ecossistemas e comunidades humanas. Nos ecossistemas não existe autopercepção, nem linguagem, nem consciência, e nem cultura; portanto, neles não há justiça, nem democracia, mas também não há cobiça nem desonestidade. ”Esse contexto e esses conceitos nos levam a uma autoformação, mas também à reconstrução do humano, baseada em uma profunda integração e respeito com o não humano. É também um retorno às características mais originais de todos nós. Será possível imaginar a construção de uma educação, no sentido lato da palavra,  que tenha como base esse tipo de formação? Quantas mudanças precisamos imaginar, começando pela formação de professores, mas também da de quem os forma e por fim da própria sociedade? A tarefa é hercúlea, sem dúvida, mas inadiável para a compreensão do que somos, de onde estamos e do que nos espera.

José Sommer, professor, biólogo e educador ambiental.


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