Opinião: a opinião pública e a crise na democracia

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A democracia depende da opinião pública para funcionar. É o conjunto dos pensamentos, desejos e anseios dos cidadãos que formam o regime democrático, de maneira que se não fosse pelas reivindicações da população, o governo não seria popular. De acordo com Melo (1998, p. 203 apud CHICO; BLANCO; 2018), a opinião pública é um juízo de valor que os cidadãos tecem a partir de um fato. Sabe-se também que diversos fatores fazem com que opiniões e comportamentos adquiram uma característica uniforme dentro de um grupo. A cultura, o contexto e as experiências de cada população influenciam a maneira como as mais diversas visões são moldadas.

James Bryce (citado por Marques de Melo e posteriormente por Luciano Somenzari) diz que a opinião pública apenas existe quando as pessoas possuem acesso livre e total aos fatos, com a mesma oportunidade de se informar que os demais membros da sociedade, podendo dessa maneira formar sua própria opinião. 

Quanto mais cresce a população mundial, maior é o papel da imprensa no sentido de manter todos informados a respeito de tudo, levando a informação para os lugares mais remotos. As pessoas não mais se contentam em saber o que está acontecendo dentro da sua cidade, mas querem também se manter informadas sobre o desenrolar de fatos em outros países. O fenômeno da globalização não deixa dúvidas de que os acontecimentos do Ocidente afetam o Oriente e vice-versa. O mundo todo está conectado influenciando todos ao mesmo tempo. Frente ao exposto, questiona-se: como a opinião pública se forma? Como as pessoas decidem o que é fundamental para a vida política?

A educação é valiosa e está no âmago da formação de opinião pública — limitando o acesso à educação, têm-se um povo conformado na forma de um rebanho obediente, incapaz de criticar ou filtrar notícias. Oferecendo educação de qualidade, constrói-se o entendimento necessário para interpretar informações e formar opinião independente. A televisão, as redes sociais e outros canais de divulgação da informação possuem um papel inigualável na constituição da opinião pública. Podem agir de maneira benéfica ou não, informando ou manipulando.

Especialmente na atualidade, a manipulação de informações e a disseminação de notícias falsas influenciam a política. A pouca divulgação de algumas notícias e a excessiva cobertura de outras, a maneira como os assuntos são abordados, acontecimentos que são abafados, informações que são veiculadas como meias verdades — a ausência de fatos cruciais para o entendimento —, a velocidade com que as notícias falsas se alastram por entre os meios de comunicação. Está cada vez mais simples e rápido comunicar algo para um grande número de pessoas e as chamadas fake news se afirmam em tal praticidade. É praticamente impossível encontrar a origem da notícia após certo tempo e os fatos se perdem por entre as diferentes versões.

Ao mesmo tempo em que as pessoas não conferem a veracidade das informações, a repetição das mentiras apenas facilita que elas sejam gravadas na opinião dos cidadãos. Quem ganha uma eleição, atualmente, não é o candidato que melhor atende às expectativas — é aquele que tem o maior alcance e consegue divulgar o maior número de mentiras sobre o adversário, ou em benefício próprio, bem como aquele que tem o maior poder de encobrir notícias sobre a própria trajetória. Esse é o impacto da informação. Antes de ser possível desmentir certas informações, elas já estão marcadas na memória da população. Governos são constrangidos a acionar diversas instâncias com o intuito de averiguar a existência de redes de disseminação de mentiras no âmbito político, tamanho o impacto desse problema.

Maquiavel (1469-1527) foi citado por Somenzari ao aconselhar “seu Príncipe” de que “É do povo que importa merecer o afeto, pois ele é o mais forte e o mais poderoso”. Fica explícita a importância da opinião do povo — a democracia é mais vantajosa para aquele que consegue manipular e ter controle em relação às crenças da população.

Os profissionais do jornalismo, da mídia e da imprensa são importantes e não há prova maior do que o fato de que são alguns dos primeiros a serem perseguidos em períodos ditatoriais e em governos autoritários. O poeta Oswald de Andrade (1890-1954) declara que o papel impresso é mais forte que as metralhadoras (ELEUTÉRIO, 2013, p. 98 apud COSTA; BLANCO; 2018), mensurando o impacto da informação no cotidiano. O que é publicado influencia e molda a opinião do povo. Mas o que é publicado? Com que intenção e por qual motivação?

A imprensa frequentemente chama atenção para os efeitos das atitudes do governo e negligencia as causas das problemáticas que, muitas vezes, são possíveis de serem solucionadas pela participação mais intensa do cidadão. Vê-se uma imprensa que se apega fortemente a qualquer chance de se manter nas mentes e conversas dos cidadãos para permanecer relevante, independentemente do custo. 

As pessoas já não abrem as notícias. O cidadão cotidianamente quer conteúdo fácil e rápido, basta ler o título da matéria — é dessa forma que a manipulação se torna simples e eficaz. O título da notícia resume bem o que foi dito ou manipula o leitor a tirar conclusões precipitadas? A gravidade com o que o fato é relatado condiz com a realidade ou é apenas sensacionalismo? De que forma aquilo que foi escrito vai afetar a opinião das pessoas?

Um dos maiores exemplos de como todos esses elementos afetam a população são as tão esperadas pesquisas eleitorais. Ao passo que alguns escolheram seu candidato há muito tempo, outros estão indecisos. Mas se durante o período eleitoral, na pesquisa feita pela imprensa, um candidato se mostra muito à frente das possíveis escolhas daquele eleitor, um pensamento comum surge: “Sem chance: Por mais que eu vote neste candidato, ele não vai superar o líder da pesquisa”. Ou ainda: “Eu gosto muito daquele candidato, mas ele não vai ganhar, então vou votar em outro”. Quantas pessoas tiveram o mesmo pensamento? Quantos eleitores desistiram de votar em certo candidato por conta das “possíveis chances” de eleição? Provavelmente um número decisivo.

Outro fato comum é a bolha das redes sociais que cerca cada cidadão. Se na linha de tempo de suas redes sociais o candidato predominante é o candidato A, o eleitor tende a pensar que esse candidato está liderando a corrida eleitoral — “Muitas pessoas vão votar no candidato A, pois ele é o mais popular nas redes sociais”. O que as pessoas não percebem, é que as postagens são escolhidas para oferecer apenas o que agrada o usuário. As postagens que essa pessoa recebe não são as mesmas que seus conhecidos irão receber.

Torna-se evidente a influência da mídia e da imprensa na democracia e na formação da opinião pública, bem como a sua importância para a política nacional. É crucial lembrar, também, que é função do governo manter transparência. As informações sobre todos os aspectos precisam estar acessíveis para a população e para que a imprensa tenha material confiável com que trabalhar. A liberdade de expressão gera liberdade de imprensa, que torna transparente a gestão política e que, consequentemente, forma a opinião do cidadão (CHAUÍ apud COSTA; BLANCO; 2018).

Nem todas as parcelas da sociedade possuem voz — a oportunidade de se expressar, de estar representado na política, sendo essa uma lacuna a ser preenchida na democracia moderna —, de maneira que as pessoas que se dedicam ao jornalismo, ou que possuem público na mídia têm oportunidade de agir em favor da democracia. Trata-se de um privilégio. Cabe a cada profissional refletir sobre seu papel nesse contexto, bem como ao cidadão refletir sobre a origem e a motivação de suas opiniões.

Referências

COSTA, Maria C. Castilho; BLANCO, Patrícia (Orgs.). Pós-tudo e a crise da democracia. São Paulo: ECA-USP, 2018. 217p.

SOMENZARI, Luciano. A opinião pública e a crise na democracia. In: COSTA, Maria C. Castilho; BLANCO, Patrícia; (Orgs.). Pós-tudo e a crise da democracia. São Paulo: ECA-USP, 2018. p. 158-167.

1 Comentário

  1. E NESTE CONTEXTO, SERIA IMPORTANTE QUE AS NOTÍCIAS SÓ FOSSEM LEVADAS AO AR QUANDO OS DOIS LADOS ENVOLVIDOS TIVESSEM VOZ, FOSSEM OUVIDOS, SÓ APÓS, SERIA VEICULADA A NOTÍCIA NA SUA ÍNTEGRA; DESSA FORMA SERIA MAIS SIMPLES A INTERPRETAÇÃO CORRETA E A POSIÇÃO A SER TOMADA PELA POPULAÇÃO.

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