Opinião: A falácia da dicotomia direita x esquerda – uma perspectiva alternativa

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Esta crônica prioriza realizar uma crítica da dicotomia direita x esquerda por meio de uma perspectiva pouco usual advinda do pensador russo Alexander Dugin. Todos os postulados a seguir são referentes à compreensão obtida a partir da leitura do citado intelectual, pouco/ou nada difundido na academia brasileira, tais como grandes pensadores brasileiros e sul-americanos em geral, dos quais pouco sabemos, tampouco instruídos a saber.

O que atualmente se estabelece como direita e esquerda, no século XVIII, simbolizava um único grupo: o dos liberais, iluministas. É ilusório, portanto, presumir que a política se reduz a este dualismo; primeiro porque exclui, de antemão, qualquer pensamento não moderno e não iluminista e, em segundo lugar, porque a indefinição desses conceitos relativiza o debate político, criando confusões profundas e absurdas que não podem existir em um meio que busca uma compreensão que, eventualmente, contribua com uma resolução para os problemas políticos.

Não se trata de expor o que se entende por direita e esquerda, porque os diversificados aspectos de cada um tendem a confundir ambos em uma coisa só. As variadas noções de liberdade podem ser encontradas tanto em um lado como em outro, o que dificulta uma análise genuína de ambos os lados. As noções de Estado mínimo e máximo, de igualdade e dignidade humana, que advém do princípio de liberdade, são completamente relativizadas neste debate, ao passo que encontramos de um mesmo lado opiniões completamente antagônicas e, de lados opostos, idênticas, fazendo com que seu enquadramento na “direita” ou na “esquerda” seja apenas uma questão de interpretação arbitrária dos conceitos debatidos. A própria identificação da direita com o capitalismo e da esquerda com o comunismo é falaz, pois temos, por exemplo, autointitulados “homens de direita” que louvam um Estado protetor, renunciando a um desaparecimento do Estado na esquerda, e outros “direitistas” que louvam um modelo de Estado mínimo e meramente regulador, rechaçando o “Estado máximo” da esquerda, e assim por diante.

Na própria dicotomia capitalismo-comunismo, esquivando-se dos conceitos de direita-esquerda, verificamos o mesmo problema. Afinal, o capitalismo é um sistema econômico padronizador ou é uma anarquia social-econômica? E o comunismo, um padronizador, uma anarquia social-econômica? Por que não aceitar ambas as hipóteses, tanto para o capitalismo como para o comunismo? Ambos relativizam aspectos intrinsicamente erigidos comunitariamente, tais como o valor, o caráter e a personalidade humana. Em outras palavras, capitalismo e comunismo tendem a atomização o homem (ou seja, o individualizam) ao mesmo tempo em que universalizam a sociedade, rumo a um coletivismo absoluto – em ambos, o homem é transmutado em um número, em ambos é “só mais um”, em ambos a igualdade como emblema, desvaloriza os talentos e os anseios “não universais”. Ambos nivelam os homens e dão valor à soma de indivíduos, destruindo o direito de talentosos e os oprimindo com a algazarra da “maioria”. É o poder da maioria, a lei da multidão, e não da inteligência e da dignidade humana. Em ambos os casos podemos fazer esta projeção, serve a democracia, que nada mais é que o poder das massas e “livres associações financeiras”; todos são massa e, se quiserem, também podem escalar a sociedade e fazer parte dessas “livres associações financeiras”, que não são outra coisa que oligopólios “possíveis para todos”. No fundo, a democracia sob estas duas correntes (capitalismo e marxismo) passa de ser a mais terrível hipocrisia, e apenas formatações incompletas dessa hipocrisia, que se complementam e colaboram mutuamente. O capitalismo é um liberalismo que carece da necessária comunhão com o comunismo, e o comunismo é um liberalismo que carece da necessária comunhão com o capitalismo. A democracia, a socialdemocracia, é o modelo ideal de sociedade liberal, moderna, que, depois da breve cisão no início do século XX, se encontra novamente no início do século XXI para a finalização do seu projeto. E a finalização desse projeto abre um novo estágio no Ocidente: o globalismo, a pós-modernidade, a pós-história, em outras palavras, o desumano mundo pós-humano.

Muitos dirão, contudo, que sequer o capitalismo, tal qual o comunismo, são padronizadores, que são, pelo contrário, pluralizadores, diversificadores. Ora, a padronização é o modo em que se dão estas desordenadas diversidades e vice-versa: a atomização da sociedade causa dois aspectos simultaneamente: todos se tornam, de repente, “iguais” e, por outro lado, cada um tem a “sua particularidade”, o “seu espaço”, a “sua forma individual”, desde que essa igualdade não é uma identidade metafísica, mas tão somente uma arbitrariedade, uma valoração que dá o mesmo valor artificial para objetos (entes) distintos no mundo (metafisicamente diverso).

Voltando às dicotomias direita-esquerda, capitalismo-comunismo etc., podemos perceber como estes dualismos liberam uma energia sem fim que põe toda a humanidade em movimento a resolver o insolúvel, através de intermináveis remendos e pequenas reformas nos sistemas, que só agravam e aprofundam ainda mais a confusão geral, e alimentam a solidão humana, cuja alma foi sequestrada de sua intuição do divino e, portanto, da sua íntima relação com o sagrado, naquilo que o filósofo e cientista político russo, Alexander Dugin, entende por uma correspondência de valor máximo da tradição. Toda a emergência com que aumentam o consumismo, a multiplicidade de prazeres e produtos, as viagens, a tecnologia, as leis, se deve ao erro primordial – se trata do desespero do homem, que em lugar algum se encontra a si mesmo. E por quê? Porque nega voltar o olhar para outra direção, se nega a valorizar aspectos ontológicos (belo, heroico e sagrado), como se se tratasse de acessórios e não da própria essência humana, da razão do homem para ser (viver e morrer).

Justamente sobre a utilização de conceitos disfarçadamente complementares é que a perspectiva de Dugin é tanto inesperada quanto dura: concebe onde estaria o liberalismo geopoliticamente; o que se poderia dizer, porém, é que ele identifica liberalismo com capitalismo, deixando elementos do socialismo e do nacionalismo de fora. Assim, o liberalismo deixaria de ser a ideologia moderna originária por excelência, sendo apenas uma das ideologias modernas. É aqui que pode surgir a confusão com a introdução das Escolas de Frankfurt e de Viena: onde estão elas, afinal? Possuem elementos tanto socialistas como capitalistas ou nacionalistas, e influenciam a pós-modernidade nos países do Ocidente através de todo um universo aberto pelos EUA no plano internacional. Assim, os EUA não podem ser meramente capitalistas, e não seria por isso que eles representam o núcleo da modernidade e da pós-modernidade que pretende tomar o mundo. Os EUA, pois, representam o liberalismo, sim, mas não só o capitalismo: para lá rumam também os socialistas e nacionalistas, muitos dos quais se intitulam de “direita”. Os EUA são o polo, o centro da modernidade que tende a engolir e aceitar todas as ideologias modernas. Socialistas, nazistas, neopagãos, todos se opõem ao multipolarismo e à atual polarização do mundo; todos se entregam aos braços do Leviatã que distribui direitos e democracia com bombardeiros.

Comumente, os conceitos fragmentários, como de “direita”, “esquerda”, “socialismo”, “nacionalismo”, vistos a priori de um ponto de vista burguês, urbano, tecnicista, secular, individualista, essencialmente moderno, são fomentados conscientemente nas disputas populares, com fim unicamente de dividir e gastar energias, assim como de gerar disputas por aspectos de uma mesma realidade, de lados de um mesmo polígono, tomado como pressuposto pelas elites modernas – é um modo de fazer o consciente coletivo atingir unicamente a si mesmo na violência, e esquecer que a oposição real está além desses conceitos. Toda luta que se fecha no social e no econômico seria, portanto, uma luta infrutífera, que não vê para além das sombras e fantasias do mundo moderno.

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