Bases do conhecimento ocidental

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suzana sedrez

Suzana Sedrez

Psicóloga, Dra. em Educação, Mestre em Ciências Sociais

 

Uma retrospectiva de como os homens vêm produzindo conhecimento através dos tempos pode nos ajudar a conceituar, para compreender e transformar, o momento histórico que vivemos.

Na sociedade primitiva, o saber produzido pelo grupo se integrava à magia, ao trabalho e à vida. Somente no século VII e I a.C. dá-se o desenvolvimento científico-filosófico, através do qual tentou-se explicar racionalmente o mundo, em contraposição às explicações míticas. Tem origem o pensamento racional: o ato de refletir, de raciocinar para o desenvolvimento do pensamento crítico, objetivo.

Heráclito (540-470 a.C.), filósofo do movimento, apresenta uma nova forma de pensar a natureza. Ele diz: “não nos banhamos duas vezes no mesmo rio. Tudo que é fixo é ilusão. Nos mesmos rios entramos e não entramos. Somos e não somos”. Como se sabe, estão aí as bases do pensamento dialético – a capacidade humana de investigação, que não encontra espaço no pensamento grego. A humanidade viveu, então, dois mil anos de negação do pensamento dialético – só resgatado no século XIX – e que ainda se constitui num desafio do mundo contemporâneo.

No contexto da filosofia grega clássica, as idéias que prevaleceram foram as de Parmênides (530-430 a.C.), que negam a mudança e afirmam a lógica formal, em que o que não é idêntico é excluído.

Com Sócrates (470-399 a.C.), Platão (427-348 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), há a preocupação em transmitir e produzir conhecimentos. O método proposto é baseado no modo metafísico de pensar, o raciocínio abstrato, silogístico. Através do método dedutivo e por meio do raciocínio lógico, pode-se chegar a uma determinada conclusão.

Na Idade Média, esse modo de pensar é incorporado à visão teocêntrica do mundo – razão e fé – através de Santo Agostinho (354-430), sendo aprofundado pelo Tomismo, pensamento de São Tomás de Aquino (1227-1274), que vincula razão científica a Deus. Esta forma de pensar entra em crise no século XIV e XVII, não resistindo ao Humanismo renascentista.

Surge uma nova concepção de Universo e uma revolução epistemológica iniciada por Copérnico (1473-1543) e Galileu (1564-1642), cujas bases filosóficas são alicerçadas por Descartes (1596-1650). No projeto Iluminista da modernidade, a evidência vai ser o critério de verdade: “Penso, logo existo”.

A racionalidade cartesiana abre caminho para o desenvolvimento da Ciência e de novas perspectivas para a produção do conhecimento. Com Bacon (1561-1626), Locke (1632-1704) e Hume (1711-1776), as idéias são construídas através das experiências dos órgãos dos sentidos. Com Kant (1724-1804), há um avanço do método científico. Há a descoberta das relações causais constantes entre os fenômenos. O conhecimento é empírico e teórico.

Neste contexto, o predomínio da lógica dedutiva leva a uma visão mecanicista do mundo – regido por leis fixas e imutáveis –, o que proporciona as bases da revolução industrial. Consequentemente, Comte (1798-1857), precursor do método positivo para as Ciências Humanas, vai tratar a realidade social como Coisa. Seu pressuposto é o de que a sociedade é regulada por leis naturais invariáveis e independentes da vontade do homem.

Assim, a sustentação do pensamento da civilização ocidental está amparada no Racionalismo, no Empirismo e no Positivismo. São linhas epistemológicas caracterizadas pela primazia do método sobre o sujeito cognoscente, sob a lógica formal e o princípio da identidade. Nestas concepções ignoram-se as múltiplas determinações, as diferenças, as contradições, os conflitos e a possibilidade de superá-los.

No século XIX ressurge o pensamento dialético defendido por Heráclito 25 séculos antes. Hegel (1770-1831), baseado nas concepções de Kant, ampliadas por Fitche (1762-1814), volta-se para o princípio do movimento, isto é, de que tudo contém a negação no seu interior. Em oposição ao princípio da identidade, sustentáculo da lógica formal, coloca-se o princípio da contradição, orientador da lógica dialética. Só que, na teoria hegeliana, o ideal explica o real.

Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) tomam caminho oposto e realizam uma crítica radical a toda forma especulativa de pensamento, que se estende da Metafísica ao Positivismo. Para eles, o saber é gerado na atividade prática. Precisa ser compreendido na sua totalidade e na sua inter-relação com o todo. A busca do saber alia-se à luta pela libertação do homem, porque a sociedade é historicamente construída. Marx denuncia que os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras e defende que o que importa é transformá-lo, na linha do “Pensamos, logo agimos”.

Assim, as contradições que assistimos no século XXI refletem o nosso legado: uma dualidade entre o saber científico (monopólio de alguns grupos) e a marginalidade dos demais.

Há um monopólio do saber que está operando a miséria física sobre dois terços da população do mundo – os excluídos –, enquanto multiplica-se a miséria psíquica dos incluídos no sistema capitalista dominante.

Por isso a importância de questões, mais do que nunca atualíssimas, como: produzir que conhecimento e a partir de que relações sociais? Cidadania com que finalidade? Para quem as garantias do Estado Democrático de Direito? Que correlações geopolíticas interessam à sustentabilidade da vida no planeta?

Questões, nada neutras, em debates e práticas pelos contemporâneos pensantes e atuantes.

suzana

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