Opinião | Thomas Sowell, e o liberalismo que o Brasil insistiu em não ensinar

Thomas Sowell/Imagem gerada com IA

Neste ano, Thomas Sowell completou 95 anos. Economista formado por Harvard, mestre por Columbia e doutor pela Universidade de Chicago, onde foi aluno direto de Milton Friedman, Sowell construiu uma trajetória marcada pela defesa do livre mercado, pela crítica consistente ao intervencionismo estatal e pela exigência de rigor na avaliação das políticas públicas, com foco em incentivos, custos ocultos e consequências de longo prazo, aquilo que definiu como pensar além da primeira etapa, stage one thinking.

Este texto é também um breve relato da minha trajetória acadêmica como economista e de como cheguei a conhecer o pensamento econômico liberal, algo praticamente ausente durante minha formação universitária no Brasil. A contribuição de Sowell transcende a teoria econômica, pois ele oferece uma forma de interpretar a realidade ancorada em lógica, dados e responsabilidade individual, em contraste com abordagens pautadas por voluntarismo político ou engenharia social. Durante minha graduação em Ciências Econômicas na década de 1980 na UFSC e na continuidade de meus estudos, não tive contato com suas obras, tampouco com autores centrais da tradição liberal, como Milton Friedman, Friedrich Hayek, Ludwig von Mises ou James Buchanan.

Já como economista, segui carreira no setor corporativo e só retomei minha trajetória acadêmica em 2007, buscando aprofundar novamente minha compreensão dos fenômenos econômicos. Meu mestrado foi realizado na área de desenvolvimento, sem qualquer abordagem de autores liberais. Apesar de meu doutorado não ter sido na área da ciência econômica pura, desenvolvido no campo da Economia da Energia na área de Ciências Ambientais, eu buscava explicações para os problemas econômicos, também sob a ótica ambiental, fora da tradição desenvolvimentista predominante no Brasil.

Essa inquietação intelectual me levou a estudar por conta própria, por meio de leituras, cursos e materiais de universidades estrangeiras disponíveis na internet. Nesse percurso autodidata, finalmente tive acesso às ideias de Thomas Sowell e de outros economistas liberais que não haviam sido apresentados na minha formação acadêmica formal. 

A análise da matriz curricular da UFSC confirma essa predominância de uma formação orientada pela tradição desenvolvimentista e heterodoxa, em que autores liberais ocupam espaço secundário, quando mencionados, quase sempre restritos a conteúdos optativos. Essa ausência de equilíbrio teórico evidencia uma distância entre o discurso acadêmico de pluralismo e sua prática pedagógica.

Ao comparar esse cenário com outras instituições brasileiras, a assimetria se torna ainda mais clara. Universidades como Mackenzie e FGV incorporam de maneira explícita autores como Hayek, Friedman, Mises e Kirzner em suas bibliografias e disciplinas, oferecendo uma visão mais ampla do espectro do pensamento econômico. Já em grande parte das universidades públicas, o liberalismo continua aparecendo de forma marginal, sem papel estruturante na formação do economista.

Nesse contexto, pensar liberalmente no ambiente universitário brasileiro continua sendo uma exceção. Autores como Sowell são pouco abordados não por irrelevância acadêmica, mas por desconforto conceitual, pois desafiam narrativas consolidadas e recolocam o debate econômico no terreno dos incentivos, das escolhas e da responsabilidade.

Esse percurso pessoal não é exceção, mas sintoma. Desde os anos 1940, o pensamento econômico brasileiro foi moldado majoritariamente pela matriz nacional-desenvolvimentista, influenciada por Celso Furtado, Roberto Simonsen e pela CEPAL, consolidando a ideia do Estado como protagonista do desenvolvimento. A matriz liberal ilustrada, representada por Eugênio Gudin, permaneceu periférica, mesmo com suas contribuições sobre estabilidade monetária, produtividade, ambiente institucional e eficiência alocativa.

Na prática, o Brasil experimentou pouco ou quase nada de liberalismo na condução da política econômica. O dirigismo estatal atravessou governos de distintas colorações ideológicas. As raras tentativas de inflexão ocorreram de forma pontual, nos dois anos do governo Michel Temer e nos quatro anos do governo Jair Bolsonaro sob a condução de Paulo Guedes, ainda assim sob forte resistência do aparato político, jurídico e burocrático, o que limitou a implementação mais profunda de uma agenda orientada à disciplina fiscal, abertura econômica e redução do papel do Estado.

Celebrar os 95 anos de Thomas Sowell é, portanto, mais do que uma homenagem formal. É uma oportunidade para refletir sobre o modelo de formação que temos adotado, sobre a limitação do debate teórico e sobre a necessidade de ampliar, com seriedade e maturidade institucional, o escopo das ideias ensinadas nas faculdades de Economia.

A pergunta que permanece é simples e incômoda: por que a formação universitária em Economia no Brasil raramente inclui Thomas Sowell e outros pensadores liberais?

Jorge Amaro Bastos Alves, economista

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