Opinião: reflexões de uma soma de verões

Foto: reprodução

No último almoço das férias deste verão, já cansada do sabor das comidas de restaurante, procurei algum estabelecimento alimentício que oferecesse uma alimentação com aquele gostinho de comida de mãe… Encontrei um estabelecimento com a palavra “caseiro” escrita em destaque na fachada.

Confesso que achei um tanto contraditório procurar comida caseira num lugar que serve refeições para várias pessoas diariamente. Contive o riso e entrei, já que meu olfato logo detectou que ali eu encontraria o almoço mais parecido com aquele que desejava.

Após me servir, sentei numa mesa perto da televisão, que transmitia o jornal local. Dei uma discreta risada enquanto pensava: “Nossa, nem me lembro quantos anos fazem que não almoço de frente pra programação de televisão aberta”. Por sinal, sim, eu estava sozinha, aliás, cercada de supostos turistas que eu desconhecia.

Garfada após garfada, minha memória foi resgatando lembranças da infância, na medida em que eu percebia que o jornal exibia matérias sobre o litoral catarinense. O intuito dessa programação televisiva era certamente fomentar o turismo local, e eu achei as matérias realmente muito parecidas com aquelas a que eu assistia nas décadas de 80 e 90.

Enquanto refletia na similaridade entre as matérias veiculadas pela emissora, mesmo com a diferença de três décadas, tive um daqueles pensamentos que parece estourar feito bomba.

Lembrei-me dos almoços que eu desfrutava nas décadas passadas, na saborosa e acalentadora mesa em que estavam meus pais. Principalmente, aos sábados, o jornal local praticamente fazia parte dos nossos almoços, e durante o verão, eu assistia às reportagens sobre o litoral catarinense, com muita vontade de conhecer cada uma delas.

No entanto, quando eu tinha muita sorte, íamos para a praia um final de semana a cada dois ou três anos. Consequentemente, eu era uma criança/adolescente que reclamava muito por causa disso. E além do mais, eu reclamava porque preferia que houvesse mais diversificação dos cardápios em casa. Na verdade, eu achava muito chique “almoçar fora”, mas isso acontecia raramente na minha família.

Eu me lembro de passar muitos verões preocupada com a volta às aulas, quando os professores nos perguntavam de que maneira tínhamos aproveitado as férias. Pois é… A maioria dos alunos citava vivências com praias, e eu era uma das poucas que dizia ter ido para uma ou duas cidades que faziam divisa com a minha – na melhor das hipóteses.

Pois bem, agora, em pleno 2020, adulta, e assistindo ao jornal local no restaurante de uma afamada praia da costa catarinense, eu lembrei quanto desejei chegar à vida adulta para poder ir a quantas praias quisesse. Lembro memorizar, e, por vezes até fazer listas manuscritas de nomes de praias que um dia iria conhecer – ah, é claro que eu iria.

Foi quando notei que raramente tinha agradecido à vida por ter realizado esses sonhos. O mais curioso é que naquele almoço marcante, eu me dei conta de que minhas listas de praias estavam prestes a ser concluídas, e eu já me sentia enjoada de passar tantos finais de semana pegando a estrada em busca de areias e águas que eu desconhecia, ou às quais queria retornar.

Então, enquanto olhava os belos ângulos de pedaços litorâneos que eu já conhecia pessoalmente, sendo exibidos na telinha, eu pensei: o que desejar agora? Ampliar o horizonte? Ir para o exterior?
Parecia o óbvio. Mas, eu – pela primeira vez na vida – desejei estar mais perto de casa, e pra ser mais específica, desejei estar dentro da minha casa.

Ah… Pudera ter aqueles almoços na presença de meus pais, assiduamente… A comidinha da mamãe… As risadas de nós três – num daqueles dias em que eu não estava revoltada com as escassas oportunidades de estar no mar.
Sim, eu sei que essas últimas frases podem soar meio clichê, pois desde os tempos relatados na Bíblia, vemos que pessoas recém tiradas da escravidão, dizendo: “Ah no Egito íamos bem, as comidas lá eram tão melhores do que esse maná” (Números 11).

Contudo, embora eu tenha passado mais de 15 anos desejando algo que eu hoje já me dou por satisfeita, é impossível que eu obtenha o que passei a desejar agora. Nenhuma quantia de anos me proporcionará, por mais intensidade que eu aplicar no desejo, o que desejo hoje.

Afinal, minha mãe não está mais aqui. Partiu muito antes de que eu estivesse na praia com toda essa frequência. E as responsabilidades da vida adulta me impossibilitam de almoçar com meu pai com a mesma regularidade de outrora.
Diante dessa utopia, eu fiquei a pensar… Quais são as circunstâncias de minha vida atual, que hoje não são valorizadas por mim, mas, que lá na frente, me suscitarão saudades?

De mais a mais, por que um programa televisivo desencadeou reflexões sobre o que eu deveria desejar? Por que eu havia delegado à mídia/televisão, o poder de influenciar os meus desejos?

Estas e outras perguntas foram estalando uma após a outra, como quando fazemos uma fila de dominós e ao empurrar o primeiro, os demais vão sendo movimentados, um a um.

Essa afluência me motivou a tornar a experiência real, numa experiência relatada. Isto é, mesmo correndo o risco de soar clichê, persisti na ideia de escrever este texto.

Quiçá sirva de inspiração para valorizarmos o que temos hoje, pensarmos no que temos desejado para o amanhã… Quiçá ele sirva de alerta de que os nossos gostos, interesses e desejos não se mantêm inalterados ao longo da vida…

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