Opinião | Quem se importa: eles são negros!

Imagem: Emerson Rocha/@de.saturno

“Quando comecei a escrever este, uma ‘esperança’ pousou”, Lima Barreto

Eu não sei qual a dificuldade que a humanidade encontra em reconhecer, de uma vez, que o maior massacre contra um povo é o que mantém até hoje uma brutal desigualdade social. Queria tanto que as estrelas falassem. Longe de romantizar, penso que assim toda a nossa história, do nascer do planeta, passando por grandes transformações do mundo, seria fielmente – finalmente – retratada. É provável que este brilhante pontinho, que encaro nesta noite, assistiu o fim de uma era jurássica e os demais episódios da evolução.

Confesso que mantenho um fascínio por tantos avanços que produzimos na área da pesquisa. Imagine: uma minúscula pegada no chão, que o acaso do tempo preservou, acaba oferecendo elementos para iniciar a descoberta de hábitos e comportamentos dos dinossauros extintos há cerca de 66 milhões de anos. Apesar disso, existe uma dificuldade enorme em reconhecer os básicos erros históricos. Ah se as estrelas falassem… poderiam prontamente corrigir cada um que não entendeu ainda a dimensão da brutalidade da escravidão.

Toda guerra é uma merda! É impressionante a incapacidade de trocar a raiva por diálogo, a morte por corridas no parque. Maldito sejam aqueles que buscam satisfazer suas diferenças com uma arma em punho. Na véspera do Dia da Consciência Negra ainda existem uma série de conflitos espalhados, ferindo inocentes, interrompendo a vida de muita gente, infelizmente.

Enquanto as guerras no Oriente Médio roubam os holofotes dos noticiários, parece que esquecemos de lançar um olhar atento às batalhas que assolam o continente africano, muitas vezes relegadas à penumbra midiática. Esta falsa simetria das lágrimas derramadas nas terras africanas incomoda muito. Neste momento, o globo parece girar em função de judeus e palestinos. Nos últimos dias as redes sociais transportam a memória para o horror do holocausto, que levou a vida de aproximadamente 6 milhões de judeus. Porém, foge da consciência coletiva a morte de 12 milhões negros, africanos, arrancados de suas casas para construir o mundo moderno.

Os navios negreiros foram as câmaras de gás da época para os escravizados. Esse mergulho no passado inclui o eco doloroso de correntes, a dor de perder a dignidade, o nojo das humilhações da escravidão. Uma triste sinfonia de gemidos nas entranhas dessas embarcações, onde vidas negras eram lançadas às profundezas do oceano. Estima-se que ao menos 50% dos embarcados nos navios negreiros não sobreviviam ao terror da viagem até os outros continentes. E o Brasil, construído por negros – o país com mais descentes de africanos fora da África -, que até o hino da igreja mais conservadora tem um batuque africano na base, forçou a morte de mais pessoas que Alemanha nazista.

Nas palavras de Mahommah Gardo Baquaqua, o único filho de África que conseguiu escrever um livro de suas memórias como escravo no Brasil, “se (alguém) tomassem o lugar de um escravo no porão fedorento de um navio negreiro apenas por uma viagem da África para a América, sem entrar nos horrores da escravidão, que vão além disso, e não se tornassem abolicionistas, então eu não teria nada a mais a dizer a favor da abolição. Mas acho que as suas opiniões e seus sentimentos em relação à escravidão mudariam em algum grau. Imagino que não exista um lugar mais horrível em toda a criação do que o porão de um navio negreiro”.

O Dia da Consciência Negra não deve ser apenas um marco no calendário, mas um convite à revisitação constante de nossa consciência coletiva. É tempo de reconhecer que a história de um povo não pode ser medida apenas pelas páginas de um livro, mas sim pela sensibilidade com que abraçamos as narrativas esquecidas. Nos navios que cruzavam os mares, nas batalhas travadas nas savanas e selvas africanas, na construção civil, nos trabalhos de baixa qualificação dos dias de atuais, reside uma herança de resistência que merece ser contada e lembrada.

Assim, enquanto o mundo fixa seus olhos em cenários distantes, convoco a todos a desviar o olhar por um momento. Olhemos para as raízes de nossa própria história, para as feridas que persistem, e para a força resiliente daqueles que, apesar de todas as adversidades, continuam a trilhar o caminho da esperança. Que neste Dia da Consciência Negra, possamos não apenas recordar os que partiram com a escravidão, mas também honrar os que resistem e construíram, com mãos fortes, os alicerces de uma identidade que transcende fronteiras.

Salve Dandara, Zumbi… salve pretas e pretos de África, do Brasil!

Tarciso Souza, jornalista e empresário

1 Comentário

  1. “nos trabalhos de baixa qualificação dos dias de atuais”
    Baixa qualificação não tem nada a ver com a cor da pele , temos negros juízes, médicos, engenheiros, professores,a maioria dos jogadores de futebol bem sucedidos , etc…

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