No mês passado, na mesma semana em que Blumenau comemorou ser a cidade mais segura do país, alcançando redução de 40% no número de homicídios, recebemos a triste notícia: “Chefe de cozinha morre após acidente entre carro e bicicleta em Blumenau”, o que na época totalizava 20 mortes no trânsito apenas nas vias urbanas neste ano.
Impossível novamente não pensar que trânsito também é segurança pública, uma cidade só pode ser segura, se tivermos um trânsito seguro, não adianta não morrer por uma bala, se não posso nem atravessar a rua em segurança.
Em 2010, tive a oportunidade de trabalhar por mais de 2 anos na Guarda de Trânsito de bicicleta. A Bike Patrulha nome popular, pois nunca teve nomenclatura oficial, na época, era formada por quatro agentes, duas duplas, que realizavam todos os serviços se deslocando em duas rodas. Como a bicicleta sempre fez parte da minha rotina, isso não representava problema algum, mas acabou rendendo algumas histórias, tanto pelas dificuldades de locomoção na ruas de Blumenau, e mais ainda pela percepção das pessoas ao verem guardas de bicicleta
Em quase todas as abordagens, éramos comumente indagados sobre o porquê de estarmos de bicicleta. Alguns queriam saber se estávamos de castigo, se havíamos começado recentemente ou até se éramos realmente guardas de trânsito. Quando confirmávamos que sim, vinham as dúvidas: “Mas fazem isso todos os dias?”, “Mas vocês multam também?”, “Não tem carro para vocês?”
Ao mesmo tempo que havia desconfiança, também havia aproximação. Mesmo que algumas pessoas olhassem com certo desdém, outras criavam uma relação mais cordial conosco.
Numa ocasião, por obrigatoriedade e até contrariados, eu e meu colega da Bike Patrulha fomos designados para substituir uma dupla do plantão de atendimento de acidentes, trocando nossas bicicletas por um automóvel.
Ao chegarmos ao primeiro atendimento, fomos surpreendidos por um senhor envolvido no sinistro, que nos parabenizou assim que descemos da viatura. Sem entender o motivo, perguntamos o porquê daquele elogio.
Ele explicou que, uma semana antes, nós o havíamos abordado e multado enquanto estávamos de bicicleta, e que agora, ao nos ver chegando de automóvel, achou que tivéssemos sido promovidos.
Lá estávamos nós envoltos de orgulho e do preconceito.
As vantagens do serviço de bicicleta eram inúmeros. O deslocamento na área central muitas vezes era mais rápido de bicicleta do que de automóvel ou moto. Em diversas oportunidades chegávamos antes à ocorrência pedalando. Estacionamento nunca foi um problema. A aproximação com a sociedade sempre será maior, especialmente com as crianças, sempre mais receptivas. Além disso, realizávamos inúmeras abordagens de surpresa, pois muitos condutores não imaginavam que éramos guardas municipais de trânsito, o que tornava a fiscalização mais eficiente. Sem contar o benefício de voltar para casa com todo o exercício cardiovascular do dia feito.
Conversando recentemente com o atual integrante da Bike Patrulha da GMT, Ribeiro, o último abnegado, a percepção dele continua a mesma: a bicicleta traz proximidade com o cidadão, dá exemplo para a sociedade, facilita o deslocamento e contribui com a sustentabilidade. Executo faces pelas intérpretes calor, frio, chuva, não há defeitos.
Sempre considerei trabalhar de bicicleta algo extremamente salutar, exceto pelos dribles que temos que dar na estrutura disponível. Fato é que já avançamos muito de 2010 até agora; até o final do ano Blumenau terá 150 km de ciclovias. Porém, o preconceito das pessoas ainda pode ser um impeditivo para quem acredita que isso inclusive diminui autoridade, pois muitos foram ensinados a pensar que pessoas bem posicionadas na sociedade andam de automóvel, não de bicicleta.
Onde alguns enxergam dificuldades, os ciclistas vêem personalidade; onde enxergavam rebaixamento, vemos construção e o entendimento de que andar de bicicleta num ambiente que diminui o ciclista tem muito mais valor interno do que em qualquer outro lugar.
As vantagens de o indivíduo andar de bicicleta são imensuráveis. Sem dúvida, melhora a qualidade de vida em todos os aspectos, promove saúde física e mental, é um meio de transporte econômico, sustentável, ágil no trânsito e que melhora a mobilidade da cidade. Não há por que não começarmos a pensar em soluções para fomentar esse meio de transporte que, há séculos, auxilia na necessidade da sociedade em se deslocar.
Quiçá algum dia cheguaremos à mentalidade europeia quanto ao uso da bicicleta. O brasileiro, quando visita Amsterdã, Berlim, Berna ou cidades da Itália, acha maravilhoso andar de bike pelas ruas; porém, ao voltar para casa, entra no seu automóvel, considera absurdo e acha demais dar um “espaçinho” que sobrou para as bicicletas.
Esquecem rapidinho das prerrogativas do Código de Trânsito, que determinam que os veículos motorizados devem zelar pelos não motorizados. Também esquecem que, ao ultrapassar um ciclista, é obrigatório manter 1,5 metro de distância, sob pena de cometer uma infração gravíssima. E assim vamos caminhando ou pedalando nos espaços que nos sobram.
No fim, percebo que pedalar continua sendo mais do que uma função ou um hábito: é uma forma de aproximar as pessoas e enxergar a cidade de outro jeito. Hoje, quando vejo que ainda lutamos pelos mesmos espaços e pelo mesmo respeito, entendo que incentivar a bicicleta seja no serviço público ou no dia a dia é reafirmar que a cidade foi feito para pessoas. Continuo acreditando que pedalar em Blumenau não diminui ninguém; ao contrário, revela quem realmente está disposto a construir uma cidade mais humana e segura.
Com o trânsito não se brinca.
Lucio R. Beckhauser, Agente de Trânsito, Especialista em Direito de Trânsito
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