Opinião | O nó, o ovo e Lula

Foto: Johanna Geron/REUTERS/Reprodução via g1

Luiz Inácio está mais preparado que o Lula dos mandatos I e II. Mas ainda não conseguiu cortar o nó górdio. E nem pôr o ovo em pé. Entra na cena internacional ao lado dos grandes, livra-se de teleprompters para ler algumas de suas falas, improvisa e consegue ser figura de proa na mídia. Mas, no Brasil, anda trôpego.

Explico o nó górdio e o ovo de Colombo. O oráculo prognosticara que o guerreiro que conseguisse desatar o nó que atava o jugo à lança do carro de Górdio, rei da Frígia, dominaria a Ásia. Muitos tentaram. Mas desistiram.

Alexandre Magno, a quem também foi posto o desafio, tinha duas opções: desfazer o nó, corda a corda, ou cortá-lo com a espada. Foi o que fez. Num lance rápido, cortou o nó. Caminho aberto para suas conquistas.

A respeito do ovo. Cristóvão Colombo, em um banquete comemorativo pela descoberta da América organizado pelo Cardeal Mendoza, foi indagado se acreditava que outra pessoa seria capaz de fazer o mesmo, se ele não tivesse feito o descobrimento. Para explicar, Colombo desafiou os presentes a colocar um ovo de galinha de pé sobre uma das suas extremidades. Desafio aceito.

Como ninguém conseguiu, decidiu ele mostrar a solução: bateu o ovo contra a mesa de leve, quebrando um pouco a casca de uma das pontas, de forma que assim ele se achatasse e pudesse ficar de pé. O cortesão que havia lhe questionado exclamou que desta forma qualquer um poderia fazer, e Colombo respondeu que de fato qualquer um poderia, porém ninguém se dispôs a fazê-lo.

Aos fatos. Lula está tentando desatar o nó que une o Executivo ao Legislativo, põe seus mestres-salas na dança (Alexandre Padilha, Rui Costa, os líderes do governo e do PT na Câmara e no Senado), mas os resultados da articulação com o centrão continuam empacados. Esta semana, após voltar da Bélgica, o presidente retomará, ele mesmo, as articulações.

Há um dado que deixa o governo temeroso. É sobre a baixa governabilidade. Em junho, segundo a empresa 4Intelligence de dados, o índice de governabilidade foi de 48%, o mesmo de Jair Bolsonaro em junho de 2019. E a relação com o Legislativo obteve míseros 18%. Nos governos anteriores de Lula esses números beiravam os 70%.

E atentem que Lula tem aprendido muito com as crises periódicas entre os dois Poderes. Sabe que se sua pauta não engrenar no Legislativo, seu carro atolará na estrada esburacada. A Câmara tem um dirigente que sabe manejar com os cordões do poder. Arthur Lira domina com mão forte o centrão, um aglomerado de parlamentares que já não teme ser chamado de adesista, direitista, oportunista, conservador ou qualquer outro rótulo. O centrista decidiu mostrar a cara, a ponto de figuras de proa desse território anunciarem com orgulho sua pertinência e identificação com o centrão, que era execrado em tempos idos.

E Lula, que ora levanta a tocha da esquerda, ora vai ao confessionário da direita rezar umas ave-marias, já não tem nenhuma dúvida: só fará um bom governo se o centrão responder amém a suas rezas. Mas há um componente que não deve ser esquecido: o comportamento atitudinal do eleitorado brasileiro.

O eleitor ganhou uma forte camada de racionalidade desde os tempos inglórios de Bolsonaro e a paisagem devastada pelo Covid-19. O medo se arraigou pela sociedade ante os recados da morte, que espreitava a população. Medo que produziu a vacina da contrariedade. Vacina que imunizou boa parcela das classes médias contra políticos e governantes. Uma consciência mais aguda se instalou em muitas frentes eleitorais. O sentimento de que a comunidade, depois da tempestade, há de pegar os rumos do amanhã sem os percalços que têm sido constantes.

Dito isto, vale lembrar que a eleição de Lula abriu a janela de oportunidades para o Brasil reconstruir o espaço e os tempos de borrasca. Entenda-se, também que os brasileiros, em sua maior parte, não deram um passaporte só de ida a Lula. Nele, há a possibilidade da volta. Para casa, claro. O PT é o maior partido brasileiro, e o que mais exibe manchas. É rejeitado por grande parte da população.

Todo esse cenário mudará sob os impulsos na economia. Se essa senhora se comportar bem, trazendo recursos para bolsos e bolsas, Lula poderá arremeter em sua nave voadora e correr mundo. A recíproca é verdadeira. Bolso sem dinheiro, barriga roncando, salários defasados, cabeça angustiada, corações bombando pouco sangue são os perigos que o guerreiro Luiz Inácio terá de enfrentar.

Para ser vitorioso, urge fazer como Alexandre, o Grande: cortar o nó górdio que amarra a carruagem governativa. E pôr o ovo em pé como fez Colombo.

Gaudêncio Torquato, escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*