Opinião | Eleições 2022: a impossibilidade do Contrato Social e a arquitetura da destruição

Foto: reprodução

“Vamos celebrar a estupidez humana

(…)

O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião (…)”

(Perfeição – Legião Urbana)

O governo de plantão e a arquitetura da destruição do Estado brasileiro, das instituições, da política, que vem desde o primeiro decreto (liberação de compra de armas) na primeira semana de 2019, e de seu governo não são uma exceção. Este governo não é uma aberração. Foi eleito com 55,13% dos votos válidos nas eleições de 2018. Foi eleito por interesses sociais e econômicos específicos, que remontam aos grupos que conduziram política e economicamente desde suas origens a colônia de exploração dos trópicos. Mantiveram seus interesses durante a fase imperial. Articularam e articulam ciclicamente, a partir de golpes e contragolpes, a manutenção do controle da colônia. Mantém estratégias extrativistas coloniais que se desdobram em condição industrializada com inovação controlada e sufocada. Promovem constantemente reformas políticas, institucionais e econômicas para que tudo permaneça como está, ou como sempre foi.

As relações sociais neste país são marcadas majoritariamente pela dialética senhor e escravo. Ditados populares não escondem o autoritarismo destas relações: “Você sabe com quem está falando?”; “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Mais do que isto, as relações sociais são marcadas aqui pela violência entre a “Casa Grande e a Senzala”. Operações policiais em comunidades (favelas) executam barbaramente adolescentes, jovens, homens e mulheres desprovidos das prerrogativas da presunção da inocência. Corpos matáveis. Sacrificáveis. Descartáveis sem que aos agentes do Estado, ou milicianos, agindo em pleno estado de exceção sejam imputadas responsabilidades. Lideranças comunitárias, de movimentos sociais, índios, indigenistas, jornalistas desaparecem, são agredidos, violentados, assassinados por defenderem direitos, o direito a vida humanamente digna. Barbárie. É um Estado servindo ao controle, à violência e ao sufocamento da existência de um povo.

Hipocrisia disseminada. Defende-se a liberdade de povos envolvidos em conflitos mundo afora. Cala-se diante da violência, da barbárie, da guerra civil que consome os corpos daqueles seres humanos refugados pelo Estado por meio da ação coercitiva de suas corporações armadas, mas também e, sobretudo pela ausência de investimentos públicos em políticas públicas país adentro. Cala-se diante de milhões de brasileiros passando fome no país que vende a imagem de celeiro do mundo. Agride-se a política de cotas de acesso a educação pública superior, pois o que viceja é a concepção do trabalho escravo. Empregada doméstica não tem direitos, têm é que ser domesticada. Aposentadoria? Luxo dispensável. “O trabalho dignifica o homem”, sobretudo quando é mal remunerado e exigido até a última gota de força  vital. Párias. Apenas escravos. Carne humana a ser consumida pela voracidade extrativista de certos segmentos sociais. Lembram-se dos trilhões que seriam economizados com a reforma da previdência anunciado pelo ministro da economia, entre outras falácias características da arquitetura da destruição em curso? Onde estão? Para onde foram? As palavras utilizadas pelo referido ministro, divulgadas ao longo da semana, nem poderiam ser em periódicos apresentadas.

O patrimonialismo, o fisiologismo e o corporativismo são práticas historicamente consolidadas pelos grupos sociais e econômicos privados da colônia aos dias atuais. A corrupção generalizada que assola e corrói os interesses públicos é outra marca registrada historicamente das elites brasileiras. Mentiram e, continuam mentindo para os brasileiros. Afirme-se em alto e bom tom: “A corrupção não é inerente à coisa pública, mas ação agressiva dos interesses privados sobre os bens públicos”.  Ou dito de outra forma, “A corrupção não é inerente aos brasileiros, é instrumento de interesses privados, de pequenos grupos sobre os bens públicos e sobre toda uma sociedade que se esforça a exaustão para  sobreviver e se organizar.”

Sob tais pressupostos, o governo em curso é a expressão da barbárie perpetrada secularmente pelas elites que controlam o Estado e parte significativa da sociedade brasileira de classe média “média”, de classe média “baixa”, de pobres e até miseráveis. Este significativo contingente social funciona – sob orientação midiática e estrutural – como ventríloquos dos discursos das elites. Inocentes úteis ao assumir e reproduzir discursos em defesa de uma suposta liberdade, que evidentemente não é a sua, mas sim liberdades das elites de intensificarem a flexibilização, a desregulamentação dos direitos sociais, individuais, trabalhistas, ambientais, entre outras práticas vinculadas ao extrativismo, à exploração de herança colonial que enriquece minorias, enquanto empobrecem pela extração da mais-valia absoluta massas de seres humanos, aqueles contingentes de indivíduos, que eufemisticamente pode-se chamar de sociedade brasileira.

Preconceitos, corrupção, falácias, malabarismos argumentativos, desrespeito às regras, às instituições, aos direitos individuais e sociais, violência constituem o ethos escravocrata das elites que controlaram e controlam o Brasil da colônia à nova república.  Paradoxalmente uma colônia de exploração burocraticamente repleta de leis, normas, regulamentos e decretos que incidem sobre os mais comezinhos atos da vida cotidiana, mas que efetivamente não garantem direito algum aos descamisados, aos parcamente letrados, aos iletrados e, até mesmo aos grotescamente brutalizados que diuturnamente mimetizam um doente capitão que se arroga a condição de messias salvador da pátria.

Uma nação que assim não conforma uma sociedade. Como registro histórico temos apenas a “Carta de Pero Vaz de Caminha” comunicando o achado das novas terras e suas farturas. Não há vestígios de que em algum momento possa ter havido alguma forma de manifestação de afirmação de um contrato social que considerasse as mais diversas etnias que conformavam e conformam os “brasileiros”. Sem um contrato que envolva pessoas em compromissos, em direitos e, na própria construção deste contrato, que estabeleça responsabilidades entre as partes, que permita aos brasileiros tornarem-se cidadãos, o que impera é a lei do mais forte. Sem um contrato de fato social o que viceja é a arquitetura da destruição. Violência generalizada em suas formas e intensidades. A reprodução da arquitetura da destruição social requer a produção contínua de mitos, de promessas messiânicas, de heróis salvadores da pátria, de preconceitos, da difusão entre a massa explorada de que é incapaz de governar o país tarefa destinada aos homens de bens, aos honestos por decreto, àqueles que vestem verde oliva e que sempre estiveram ao lado do “povo”, batendo, torturando, atirando gás lacrimogênio, balas de borracha em defesa da lei e da ordem das elites escravocratas extrativistas.

“Vamos celebrar a estupidez humana (…). O meu país e sua corja de assassinos. (…). Vamos celebrar a estupidez do povo. Nossa polícia e televisão. Vamos celebrar nosso governo e nosso Estado que não é nação” (Perfeição – Legião Urbana). Vamos celebrar a arquitetura da destruição. A ausência de contrato social. A falácia, a mentira e a enganação. “A fraude nas urnas eletrônicas e a auditoria dos militares nas eleições.” Era isso que desejavam e, talvez ainda desejem os inocentes úteis que compõe esta nação.

Celebrem, mas saibam que toda arquitetura cai por terra, por guerra, ou por tempo que imputa destruição.

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1 Comentário

  1. Quanta bobagem esquerdista!
    Onde estavam esses mesmo “jornalistas” em outros governos onde tínhamos os mesmos e piores problemas, que não eram escancarados, propositalmente, como são hoje? Provavelmente curtindo suas “tetas” estatais…
    Incrível ver como “profissionais” deixam rapidamente de sê-los ante a falta de verbas estatais, assinatura inconteste de sua incompetência profissional.
    Aliás, o jornalismo esquerdista e militante é exatamente um desses grupos de interesse que desejam que as coisas voltem a ser como antes!

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