Opinião | E na política, “tudo joia”?

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Assim como as novelas passam na TV, a população também acompanha as histórias nos noticiários. Há algum tempo, o governo vem emperrado, tentando empurrar uma montanha chamada Reforma Tributária, uma luta de décadas que poucos encararam porque se trata de uma discussão onde todo mundo quer ganhar. E nesse vespeiro, o governo ainda lida com outro: quando vai ser divulgada a sua política econômica? A demora é parte natural do processo, mas se o tempo das notícias é mais rápido que o da burocracia, como alimentar a opinião pública sempre com fatos novo e positivos? Eis que surge, no dia 8 de março, um projeto de lei do governo para que mulheres e homens tenham salários iguais. É justo, mas esperto também e esse é um jogo onde todo mundo joga: quem é a favor do governo sempre comemora, enquanto a oposição encontra um motivo para dizer que “a coisa não é isso tudo”. Essa perspectiva serve, inclusive, para as investigações, que parecem coisa de outro mundo nas manchetes dos jornais, mas fazem parte do cotidiano no serviço público. O problema é que tem umas que pegam muito mal na mídia, como o caso das joias recebidas na Arábia Saudita, envolvendo a comitiva do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

Como sempre o povo faz chacota, e desde então, o que não falta é gente comentando as postagens do ex-presidente com “tudo joia”. Porém, outros são mais criativos e como só as peças femininas ficaram retidas na Receita Federal, há quem ache isso natural porque “Bolsonaro jamais usaria algo de mulher”. Como sempre, os partidários dizem que tudo é mentira, os noticiários noticiam e o que o político faz em um momento de fritura como esse? É segurar o sorriso e força na peruca!

Vossa excelência, deputada “Nikole”

Para que a sociedade evolua, tudo pode ser dito e precisa ser debatido, mas dentro dos limites da civilidade. O problema é que isso dá trabalho e uns têm preguiça de pensar antes de falar, ou simplesmente querem “causar” mesmo. Esse parece ser o caso do Nikolas Ferreira (PL), deputado federal mais votado do Brasil. Se equilibrando nos limites entre o decoro parlamentar e a liberdade de expressão, usou peruca e o nome “Nikole” para abordar questões sobre mulheres trans no dia internacional da Mulher. Ganhou as suas curtidas e compartilhamentos nas redes sociais, mas é só observar o exemplo de Arthur Do Val, deputado cassado em São Paulo, para ver que uma hora a receita da lacração desanda.

Enquanto todo mundo comentava o caso, dois bancos faliram nos Estados Unidos, deixando a economia mundial “de orelha em pé”. Isso devolveu a bola para o governo e a oposição pressionou: sem o Teto de Gastos, o que vai regular as contas públicas? Mas antes que respostas fossem formuladas, no último dia 15, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu cinco dias para que Bolsonaro entregue as joias recebidas na Arábia Saudita. Aí, o que fazer? Seria muita sorte se explodisse uma crise na segurança pública de um estado governado pelo PT? 

Enfim, esse “pega-pega” ajuda a explicar porque as denúncias contra o ex-presidente passaram a respingar também em Michele Bolsonaro. Entenderam que ela pode se tornar herdeira política do marido e, por isso, resta neutralizá-la antes que possa se tornar uma Evita Perón, como ocorreu na Argentina. Difícil para o povo peneirar só o que interessa nisso tudo, mas no fim das contas, já está claro que a tal “nova política” se parece muito com a novela da velha.

Fernando Ringel, jornalista e professor universitário

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