Opinião | Da brevidade do ano

Foto: reprodução

Com um pé inicial em Sêneca, filósofo do período do Império Romano, convido o prezado leitor a refletir sobre o que temos feito com o nosso tempo, o que temos feito ao longo de 2022, o que temos decidido fazer de nossa vida.

Nos diz o filósofo que, se alguém entra em nossa casa e nos leva o que temos, em algum outro momento até podemos repor os bens. Contudo, se alguém entra em nossa vida e nos leva cinco minutos que seja de nosso tempo, esses cinco minutos a gente não consegue mais recuperar. Não há como, no momento da morte, pedir mais cinco minutos, por eles terem sido gastos indevidamente com alguém ou alguma situação que não valeu o tempo. Mesmo assim, mesmo sabendo que bens a gente tem a chance de um dia recuperar e o tempo não se recupera, damos a máxima importância à proteção de nossos bens, e não damos a mínima ao perdermos tempo.

Importante refletirmos também sobre o que pode vir a ser o “perder tempo”. Em um contexto no qual somos levados a todo instante a buscarmos superar os outros em concorrência, em obrigações e em ocupações da mais diversas, percebe-se comum a sensação de que se dedicarmos tempo a nós mesmos, sem que estejamos a com isso cumprir nenhuma de nossas obrigações, seja perda de tempo. Sentimo-nos culpados quando não estamos a sermos úteis a alguma demanda. Contudo, seria isso “perder tempo”? Não seria isso usarmos o tempo para nós mesmos, a quem pertence o tempo?

Mas, podemos argumentar no sentido de que temos obrigações, obrigações que podem nos ocupar o dia inteiro no trabalho e, ainda, levarmos serviço pra casa, perdermos os fins de semana e os feriados. Podemos inclusive pensar que, com isso, estamos sendo produtivos, e, um dia, se as reformas da previdência assim permitirem, nos aposentaremos e poderemos então de fato vivermos o nosso tempo como queremos. Diante de tal cenário, duas observações.

A primeira, é que não temos absolutamente nenhuma garantia de que tal dia chegará, de que viveremos o suficiente para esse tão sonhado momento maravilhoso de que podemos nos ocupar de nós mesmos. Bem como, de que se chegarmos a tal momento, que teremos vivas junto de nós as pessoas que amamos, que teremos saúde e as condições dessa vida que fica em nossa mente como o impulso para seguirmos um ritmo acelerado de ocupações com coisas que não nos dizem respeito.

A segunda me vem da lembrança de outro pensador de poucas décadas atrás, Sartre, a dizer que tudo o que fazemos é escolha nossa, de que sempre temos escolha e de que somos responsáveis por cada uma de nossas decisões, pois sempre há liberdade para escolher outra consequência, sem um plano mestre pré estabelecido que nos determina ou nos guia, sem um destino. Nesse sentido, nossa vida corrida e ocupada é escolha nossa. A vida breve é uma escolha nossa. O tempo desperdiçado em ocupações que não correspondem a nos sentirmos vivos é uma escolha nossa.

Uma questão que poderia se colocar é: se tivéssemos clareza de todo o tempo desperdiçado e com o que foi desperdiçado, bem como, de quanto tempo nos resta, como se fosse um extrato bancário, ainda assim faríamos as mesmas escolhas? Teríamos a certeza de vivermos a mesma vida se tivéssemos consciência do quão breve tornamos a nossa vida em meio a ocupações as mais diversas?

Que cada um de nós possa ser gentil consigo mesmo, possa refletir a sua vida, tomar consciência da responsabilidade sobre cada uma de nossas escolhas, consciência da brevidade da vida e, com isso, buscarmos viver nosso próprio tempo, à nossa própria maneira, de um modo que o hoje já valha o tempo, já valha a pena.

Diante disso, fica a reflexão: pode-se ter a impressão de que o ano de 2022 passou rápido, foi breve. Contudo, o quanto dele nós desperdiçamos? Que possamos fazer um balanço de nosso ano de 2022 e percebermos o quanto dele realmente foi usado para nós vivermos de fato. Ou, ainda, nas palavras de Sêneca: “se quiserem saber quanto é breve a própria vida, pensem que pequena parte é de fato sua”.

Desejo a todos os leitores da coluna um reflexivo Natal e que a gente possa aprender a viver, para que possamos também aprender a morrer.

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