Outro dia, num grupo de WhatsApp de um Coletivo de Arte do qual faço parte, ao ser compartilhado um convite para uma exposição e roda de conversa sobre a Palestina, um dos artistas acena ao grupo que “aquele espaço não era destinado para manifestações políticas, mas sim para a arte!”. Daquela mensagem em diante um longo debate se estendeu no grupo sobre o lugar da arte e sobre o papel do artista no mundo.
Mas meu foco aqui não é discutir o contexto desse ou de outro coletivo, mas essa suposta separação da arte e da sua dimensão política me fizeram refletir sobre como temos olhado para o nosso contexto do ponto de vista da nossa ação (ou da falta dela) diante do cenário que estamos vivendo em Blumenau atualmente.
Para início de conversa, acredito que seja importante delimitar de que lugar falo quando penso os conceitos de “política” e “arte”, que estão longe de ser consensuais ou homogêneos no debate público – e nem deveriam ser, se partimos do ponto de vista que a pluralidade de concepções é o que torna esse debate interessante, mas é preciso olhar com cuidado para essa suposta “neutralidade” que tentam dar ao artista ou ao seu trabalho.
Talvez algumas pessoas entendam a arte como expressão do belo, como linguagem que dá ao mundo cor, forma, sons, texturas, dramaticidade. Quero defender aqui a arte como uma possibilidade de ação do artista no mundo, uma possibilidade de transformação social, um chamado a pensarmos o mundo sobre outra perspectiva.
Em 1970, o artista carioca Artur Barrio espalhou por espaços públicos de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro pacotes de pano manchados de sangue, que continham no seu interior restos de ossos e carne animal (foto acima em destaque).
As “Trouxas ensanguentadas”, como ficaram conhecidas as intervenções do artista, denunciavam os corpos desaparecidos e os crimes cometidos na ditadura militar brasileira contra os opositores do regime. Podemos nós dizer que o artista está na sua intervenção “fazendo política”? Na minha concepção, sim! E aqui adentramos na relação que quero estabelecer entre o fazer artístico e isso que chamo de política: nossa ação/intervenção no contexto em que vivemos!
Blumenau está, desde o ano de 2023, sem o lançamento do Prêmio Herbert Holetz, edital de fomento a projetos culturais, instituído pela Lei Complementar nº 1.167/2017, mesma lei que regulamenta o Fundo Municipal de Apoio à Cultura (FMAC), que hoje tem parado em sua conta o montante de R$ 1.464.538,26 reais, advindos dos repasses da Prefeitura ao fundo nos anos de 2022, 2023 e 2024 – dados apresentados na última sessão ordinária do CMPC, no dia 04 deste mês. Ainda, na mesma reunião, fomos surpreendidos com a notícia de que a parcela do FMAC deste ano não seria repassada à conta do fundo até que o valor represado fosse executado pela Secretaria Municipal de Cultura e Relações Institucionais (SMC).
Talvez você esteja se perguntando o porquê dessa paralisação, e dentre tantos acontecimentos que marcaram a cultura desde o final do ano de 2023 em Blumenau, ano da realização da última conferência municipal, preciso destacar a criação, neste ano, de uma Comissão Especial na Câmara de Vereadores de Blumenau para “revisar e propor uma nova legislação para o setor cultural”. O detalhe mais importante dessa história: a criação da comissão solicitou à SMC a paralisação do Prêmio Herbert Holetz enquanto os trabalhos não fossem concluídos.
O proponente da comissão é o Líder do Governo na câmara. E, aos meus olhos, por uma política de “boa vizinhança” – ou façamos aqui a nomeação correta das coisas: por uma decisão política, a SMC manteve o edital parado. A comissão realizou apenas uma reunião, sem encaminhamentos, e está próxima do prazo de ser encerrada, podendo ser prorrogada por mais 90 dias, o que não deve acontecer tão cedo dados os ritos da Câmara Municipal.
Mas retomemos agora o nosso debate inicial para olhar um outro ator dessa história que segue inerte: o artista! Ou melhor dizendo: a categoria de trabalhadores e trabalhadoras da arte e da cultura de Blumenau. O coletivo! É certo que temos tentado fazer o nosso papel no CMPC, mas a história nos mostra que a institucionalidade sozinha não vence batalha nenhuma. E nesse vai e vem de narrativas e de promessas sem ação, quem se beneficia do discurso de que arte e a política não se misturam?
Talvez tenha chegado a hora de espalharmos pelas ruas de Blumenau as “trouxas ensanguentadas” da arte e da cultura da nossa cidade, que não tem recebido o apoio merecido, pelo contrário, tem sido criminalizada com a higienização dos espaços públicos, os discursos de ódio e o moralismo de quem não te moral dizendo que: “artista que vive de edital é servidor público”.
O nosso tempo exige de nós, artistas, a coragem de agir politicamente, porque quem nos quer separados não está separando coisa alguma, ao invés disso, tem politizado as nossas vidas, o nosso trabalho e a nossa forma de ser e estar no mundo com a arte.
Não esqueçamos: até mesmo os mais cruéis dos homens, também pintavam paisagens!
Inácio Sperber, Artista Visual, Professor de Arte e Presidente em exercício do Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC) de Blumenau







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