Opinião | A personalização do poder

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Abro a reflexão com uma questão: que programa de governo o eleitor enxerga no perfil dos candidatos à presidência da República? A imagem que chega aos segmentos sociais é a de que o candidato A é esquerdista, o candidato B é direitista, o candidato C é centrista, outros candidatos são amorfos, inodoros e insossos, ou seja, “não fedem nem cheiram”, como se diz na linguagem popular.

Até que, para uns, há certos desdobramentos. Ele dá bolsas de auxílio (Bolsonaro), o outro criou uma bolsa para as famílias (Lula), aquele ali é boquirroto (ou será que todos são boquirrotos?). Sob essa sombra esgarçada, são conhecidos candidatos e candidatas, mas nenhum deles é embrulhado em um pacote de ideias sobre as demandas nacionais. A mídia noticiou sobre o plano de um protagonista (Ciro), mas a informação se diluiu na algaravia deste início de campanha eleitoral.

O fato é que a política ganha a aura da personalização. O voto é dado a beltranos e sicranos, não a programas, projetos, ideários. Daí a dualidade que temos de enfrentar: Lula versus Bolsonaro, Ciro e Tebet contra os dois, os outros – poucos sabem seus nomes – a favor de si mesmos, eis que a campanha oferece um palco para que possam ser conhecidos.

Essa é a política estática, que se amarra na árvore do grupismo, do companheirismo, das claques, milícias e militantes.

Um pouco de conceito.

A sociedade pós-industrial abre o teatro da espetacularização. No Estado Espetáculo, emerge o fulanismo. Por meio da legislação eleitoral, os contendores entram na moldura das candidaturas, passando a povoar os amplos espaços dos meios de comunicação. Alcançam, em função de intensa exposição pública.

A mídia tem interesse em endeusá-los, glorificá-los ou mostrar seus “pecados”, principalmente em momentos de tensão e transição, quando rixas e querelas acendem fogueiras e formam “exércitos” em seu entorno.

As trupes dos dois principais candidatos cumprem o roteiro da peça, organizando uma comprida agenda pelo território, com direito a investidas dos “guerreiros” sobre os combatentes, como se viu, esta semana, no cercadinho do Palácio da Alvorada. O presidente Bolsonaro, chamado por um trombeteiro de “tchutchuca do Centrão”, avançou sobre ele para tirar-lhe o iphone. Uma cena hilária. Eleição é também comédia.

Já Luiz Ignácio é mostrado como uma pessoa “tomada pelos demônios”, flagrado em um candomblé, dançando com pais de santo. Coisa natural, manifestação típica da cultura afro-brasileira, que os evangélicos de Bolsonaro, a partir da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, denunciam como ritos do demônio.

Emergirão fatos do passado. Estrepolias, gafes, frases fora do contexto fazem parte da narrativa eleitoral. Ciro Gomes, então, é alvo predileto dos captadores de flagrantes polêmicos.

Volto aos conceitos. Na sociedade de massa, o poder escapole das estruturas clássicas de autoridade e converge para pessoas e grupos. O processo é simbólico: personaliza-se o poder, expressando a propensão das comunidades para encontrar a figura do pai, do irmão protetor, do grande amigo, do guerreiro, do vilão, do larápio, do mocinho e do bandido. Nos dutos da sociedade pós-industrial, estas figuras, muitas sem carisma, se apoiam na bengala do populismo.

E os partidos? Ora, são domínios de A, B e C. Escopos doutrinários? Ora, são substituídos por visões estreitas e individualistas.

Esse cipoal puxa a degradação da política. A estampa dos homens públicos se apresenta esboroada. A canalhice e mediocridade inundam os espaços públicos. A despolitização e a desideologização se expandem.

O que fazer para limpar a sujeira que borra a imagem do homem público? Primeiro passo: o homem público deve cumprir rigorosamente o papel que lhe cabe. Segundo: punir os que saem da linha. Terceiro: revogam-se as disposições em contrário.

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