Santa Catarina está prestes a sofrer um revés que talvez não tenha imaginado: vai parar, pois não se preocupou com o trânsito.
Com certeza, quem já transitou na BR-101 percebeu que estamos prestes a colapsar o Estado e, se nada for feito, logo faremos isso nas cidades.
Se em Santa Catarina somos exemplo na segurança pública, na saúde e na educação, estamos mostrando que nosso planejamento para a mobilidade e segurança viária é diametralmente oposto.
Para se ter uma ideia, em 2022 Santa Catarina teve 1.443 pessoas mortas por sinistros de trânsito, em detrimento de 347 mortes por arma de fogo, realidade parecida em mais 13 estados brasileiros. No total, o Brasil registrou, em 2022, 34.892 óbitos por sinistros no trânsito e 33.580 mortes por homicídios por arma de fogo. Até o momento, no Brasil, tem mais gente morrendo no trânsito do que por bala.
Ainda de acordo com o Ministério dos Transportes, Santa Catarina é o segundo estado com mais sinistros de trânsito em 2024, com 8.381 registros. Ou seja, de qualquer ângulo que se olhe, estamos atrasados na segurança do trânsito e, obviamente, se queremos ser o estado mais seguro, precisamos cuidar muito melhor do nosso trânsito.
Não adianta não morrer por uma bala, se não posso nem atravessar a rua com segurança.
Isso tudo quando nos referimos aos números primários, sem considerar os graves problemas que isso causa na saúde pública, com pessoas feridas e leitos de hospitais amplamente ocupados por vítimas do trânsito. Só em 2024, no Brasil foram registradas 227.656 internações hospitalares no SUS por sinistros terrestres, o equivalente a uma vítima recebendo atendimento de emergência a cada dois minutos.
Trânsito é segurança, saúde, economia e educação.
O impacto sobre o Sistema Único de Saúde é alarmante: nos últimos dez anos, o SUS contabilizou 1,8 milhão de internações por sinistros de trânsito, segundo bases oficiais do Ministério da Saúde, totalizando R$ 3,8 bilhões em despesas hospitalares diretas.
E nos municípios não é diferente.
Trazendo a realidade de Blumenau, a preocupação deve ser semelhante. Ano após ano, os números de mortes por sinistros no trânsito ultrapassam a barreira dos homicídios.
No ano passado, os dados do estudo mostram que Blumenau teve 1.529 sinistros de trânsito com pessoas feridas. E, para cada um deles, os custos se aproximam de R$ 250 mil. Ou seja, ao fim de 2024, a soma alcançou R$ 366,96 milhões. Na conta estão desde o atendimento hospitalar, auxílio-doença, perda parcial de renda e até obras na casa da vítima por causa de alguma sequela, como paraplegia. Isso sem contar os sinistros sem vítimas, registrados ou não, que, como todos bem sabem, quando ocorrem em Blumenau, causam transtornos consideráveis no trânsito.
Uma reportagem da revista Valor Econômico constatou que os custos financeiros atrelados ao trânsito e à mobilidade urbana tendem a ser expressivos para as empresas: um estudo da consultoria Statista revelou que 53% de todos os custos de distribuição são relativos à logística last mile (última milha), causados pelo trânsito.
Para onde se olhe ou se caminhe, não existe outra visão que não seja a do colapso do trânsito, seja por sinistros, por vítimas, por falta de planejamento ou de investimento. Estamos fadados a parar nossas cidades, se não cuidamos do nosso trânsito.
Em Blumenau, o resultado do ano de 2025 é que temos 18 mortes no trânsito, em contrapartida a 4 homicídios, isso só considerando as vias urbanas. Não nos resta qualquer dúvida de que os olhos da sociedade e do poder público precisam estar mais atentos ao trânsito.
É possível que você já tenha conversado com qualquer pessoa que venha visitar Blumenau, e você sempre vai ouvir coisas boas, como: “Que cidade segura!”. Em consonância, ainda vamos citar que somos referência em educação e que temos acesso à saúde.
Mas, em ambos os lados da conversa, haverá concordância em dizer que o trânsito é ruim ou péssimo e precisa melhorar. Temos saúde, segurança e educação de primeiro mundo e trânsito de terceiro.
Claro que as mudanças ou obrigações sempre vão sugerir situações corriqueiras ou até conversas como: “Temos um problema de geografia”, “Precisamos de mais pontes, de viadutos, mais estradas”, até as fatídicas opções de “liberar corredores de ônibus”, “aumentar a velocidade das vias”, “mudar tempos semafóricos”, “colocar mais guardas na rua” “colocar mais faixas elevadas”, “colocar radar, tirar radar”, entre tantas outras soluções fáceis para resolver problemas complexos do trânsito. Mas as mudanças ocorrem a longo prazo, com planejamento e mudanças culturais, estas direcionadas pela administração pública.
A imagem do trânsito tornou-se hoje tão irrelevante que os próprios integrantes do sistema passaram a ter sua imagem associada ao descaso e à incompetência.
Em conversa com um GMT que atua na profissão desde a década de 1980 em Blumenau, ele confidenciou que essa perda de identificação com a sociedade e com a administração pública foi se acentuando ao longo do tempo, em sentido oposto ao que ocorreu com a Polícia Militar.
Recorda que, quando ingressou na corporação após deixar o Exército, recebeu convites para integrar tanto a área de trânsito quanto a de segurança pública, sendo quase unânime a opção pelo município, em razão da admiração, do comprometimento e da responsabilidade que se tinham com o trânsito na época.
Com o passar dos anos, contudo, o cenário se inverteu. O expressivo investimento estatal na estrutura organizacional, na qualificação técnica, na valorização da imagem institucional e na consolidação da Polícia Militar como força de segurança de referência alterou profundamente a percepção social. Enquanto a corporação estadual evoluiu em preparo, reconhecimento e credibilidade, o setor de trânsito municipal permaneceu estagnado, perdendo gradativamente seu prestígio e sua representatividade perante a comunidade, a guarda mais antiga do Brasil ficou no passado.
É a vez do trânsito.
Ao constatar isso, com certa preocupação, olhamos ainda pela janela a recorrência de situações que evidenciam um desvio de direção nas condutas sociais relacionadas à mobilidade urbana. Observa-se tanto na formulação de sugestões que pouco ou nada contribuem para a efetiva melhoria do trânsito, quanto na adoção de atitudes individuais que buscam, isoladamente, solucionar problemas cuja resolução deveria decorrer de planejamento técnico e da atuação coordenada do poder público.
Outro grande exemplo é a massificação das motocicletas. Seja qual for o motivo de escolha desse equipamento para o deslocamento do dia a dia e penso que, dentre as quatro possibilidades principais utilizadas para a decisão do cidadão sobre como se deslocar, tais como custos, eficiência, segurança e conforto , a motocicleta, mesmo atendendo apenas aos dois primeiros (baixo custo e eficiência ) e completamente dissonante dos outros dois, acaba sendo uma escolha para muitos condutores e vista como uma solução para o trânsito.
A regra hoje é clara, mais motos, mais mortes, mais feridos e menos mobilidade.
Se a escolha da moto for motivada por menor custo e maior eficiência (agilidade), e, para isso, o condutor decida abrir mão da segurança e do conforto, é fatídico que o poder público errou. Errou em não garantir outros meios que pudessem alcançar as melhores escolhas do cidadão.
Seja por meio da mobilidade através do transporte público, das micromobilidades, da caminhada, das bicicletas e até em trechos de automóveis, estes precisam ser muito mais comuns para a escolha do cidadão do que o meio mais perigoso, que é a moto.
Será que a solução será o transporte público gratuito (subsidiado)?
O desafio que se impõe a Santa Catarina e em especial a Blumenau não é apenas de engenharia ou infraestrutura, mas de reconstrução cultural e institucional. A mobilidade segura nasce da valorização técnica, da educação continuada, da gestão integrada e da consciência coletiva de que trânsito é vida.
Não há cidade segura com vias inseguras, nem sociedade moderna que aceite a tragédia cotidiana como rotina. Se quisermos realmente ser referência nacional, o primeiro passo é recolocar o trânsito no centro das políticas públicas e no coração da cidadania.
Com o trânsito não se brinca.
Lucio R. Beckhauser, Agente de Trânsito, Especialista em Direito de Trânsito
Oferecimento:






Trânsito ruim é ÓTIMO para os políticos que estiveram, estão e estarão a frente da prefeitura e legislativo. Para a velha política imobilidade urbana é uma das pautas de campanha e sempre foi. Então que se vire o eleitor que adora ser enganado e não cobra trabalho do seu candidato mas tão somente asfalto, tapar buraco, uma lombada na sua rua, etc. Enquanto a mediocridade do eleitor/cidadão se manter como regra nada mudará.
Mobilidade urbana só é assunto em época de eleições e o eleitor desprovido de informações acredita nas “promessas” de prefeitos, deputados,senadores e presidentes .
Enquanto os eleitores continuarem votando da forma que votam (Não todos ) , os políticos continuaram a dar risadas .
Só teremos segurança pública, educação,saúde e mobilidade urbana quando o povo aprender a votar e tentar , nem que seja o mínimo, acompanhar o que o candidato que votou esta fazendo com o cargo para qual foi eleito pelas mãos do eleitor.
Só teremos políticos comprometidos se o eleitor for comprometido .
Ơtima matéria. Chamo atenção para o descaso com as vítimas de sinistros, a impessoalidade, é com o outro, não nos atinge. Nada mais trágico que perder alguém num sinistro de Trânsito, imensurável o sofrimento emocional dos seus.
Blumenau sofre com precariedade no trânsito, agitem plena Oktoberfest não estimularam o transporte coletivo via corredores exclusive dentre outras medidas que deveriam ser implementadas. Falta gestão de engenharia no trânsito, mesmo com gargalos existentes.
É realmente preocupante, não só pela indiferença dos políticos ou falta de planejamento, como a irresponsabilidade de nós condutores na hora da pressa. A mudança tem que vir não só de políticas públicas como da sociedade. A reflexão que cabe é: É desse jeito que queremos viver? Correndo só se importando com as nossas necessidades ” urgentes” ou poderíamos começar a cuidar do outro para sermos cuidados também ?