Opinião | Sinos de Belém

Foto: José Sommer

O título deste artigo pode sugerir algo de cunho religioso, no primeiro momento, mas não é. Aqui os sinos são outros, simbólicos apenas, como sinais, e Belém não é a cidade da Cisjordânia, mas a capital do Pará. Trata-se, portanto, de uma analogia, mas que sugere boas notícias também. Mas são realmente?

Belém recebeu presidentes e ministros de oito países, no início deste mês, na chamada Cúpula da Amazônia. Estavam lá representantes da Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, além do Brasil, países onde se situa a Floresta Amazônica, reunidos pela Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA), criado em 1978, mas pouco resolutivo nestes 45 anos de existência. Ao final da Cúpula foi produzido um documento chamado Declaração de Belém, que pretende refletir o que foi discutido lá em dois dias. A realização do encontro por si só é um grande avanço e sugere que há boa intenção, mas foi só iniciarem-se os debates que as diferenças de percepção sobre a Amazônia afloraram. O resultado obviamente foi um documento fraco e superficial.

Apesar de sinalizar alertas importantes sobre as preocupações dos países membros da OTCA com relação à Amazônia, o documento não trouxe decisões importantes sobre pontos fundamentais, como metas comuns de desmatamento, não exploração de petróleo, ação concreta contra a mineração e evitar o ponto de não retorno, considerado aquele em que a floresta não se sustentaria mais sozinha, uma perspectiva muito sombria para a região, mas também para a humanidade toda.

Especialistas e membros da área ambiental governamental têm ressaltado a importância desta retomada das discussões, que trouxe indicações importantes, como a cobrança de valores para mitigar os problemas gerados pelos gases de efeito estufa dos países desenvolvidos, criação de instâncias de fiscalização conjunta e destaque da proteção aos povos originários. Porém, ambientalistas criticam a pouca participação da sociedade civil nas discussões. Paralelamente à Cúpula, como acontece nas conferências sobre meio ambiente mundo afora, ocorreu o evento Diálogos Amazônicos, reunindo mais de 400 organizações da sociedade civil e que serviu para a indicação de várias propostas entregues aos líderes dos países, embora estas organizações reclamem que suas ideias tenham ficado de fora da Declaração de Belém.

Tive as oportunidades e fiz as minhas escolhas, em termos de viagens pela América do Sul, de preferir locais representativos da cultura, mas também do ambiente natural, especialmente de unidades de conservação da natureza. Nelas sobrevoei a Floresta Amazônica na metade destes países que compõem a OTCA, preferindo voos diurnos e pude perceber a sua grandiosidade, as suas bordas de formação dos caudais hídricos no sul da Colômbia, no leste do Peru e da Bolívia e no encontro dela com o centro-oeste e o nordeste brasileiros. Vi a sua formação ecossistêmica, seus rios voadores, a hileia e como contrastam com o Altiplano Andino, com o Cerrado e com o Pantanal (e o Chaco), embora estes sejam biomas altamente biodiversos e belíssimos. As águas do pequeno rio Vilcanota, que ilustra este artigo na imagem acima e que passa ao lado de Machu Picchu, só encontrará o Oceano Atlântico a cerca de 3.000 Km, percorrendo o coração da floresta. O mesmo vale para o Caquetá, que nasce no Parque Nacional Vulcânico de Doña Juana – Cascabel, no sul da Colômbia. Isso tudo reforça a grandiosidade da floresta e que tem ainda outras implicações, maiores que a de outros biomas e que são planetárias. Sua depleção em níveis elevados poderia levar à desestabilização de processos atmosféricos com consequências ainda piores. Os países da OTCA seriam apenas os primeiros a sofrerem.

A Cúpula da Amazônia acontece às vésperas da 28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 28, que ocorrerá no final do ano em Dubai, nos Emirados Árabes. Certamente o documento e a retomada das discussões aqui na América do Sul serão destaque na conferência, embora o foco deva ser o Acordo de Paris e a transição energética, ainda que tudo esteja conectado. Porém, o horizonte da OTCA é outra COP, a de 2025, quando os países membros pretendem anunciar o zeramento das emissões de gases de efeito estufa, meta considerada inatingível pelos ambientalistas, entretanto.

Fato é que depois de tantas décadas de alertas, a questão climática pelo menos entrou na agenda mundial, embora isso ainda seja muito pouco, face à velocidade com que as alterações acontecem e as consequências, já amplamente sentidas, em toda a parte. Estamos emplacando anos mais quentes um atrás do outro, com queimadas, secas, temporais e ciclones, além da elevação do nível dos oceanos e continuamos caminhando a passos muito lentos. Enorme como a Floresta Amazônica é também o gigantesco descompasso entre o que fazemos e o que precisa ser feito. Albert Gore, em “Uma Verdade Inconveniente”, destaca que a maioria das pessoas passa diretamente da fase da negação de um problema para o desespero, quando não há mais nada a fazer, sem passar pela fase intermediária, de atacar e resolver o problema. Será que vamos seguir este roteiro suicida para o qual os alertas também apontam?

José Sommer, professor, biólogo e educador ambiental.

 

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