
Quantas mortes cabem em uma promessa de salvação? Quantos inocentes são empilhados sob a justificativa da fé? Quais crimes serão tolerados para defender uma religião? Brotam, em cada esquina, disputas que invocam o nome de Deus, como se Ele precisasse de escudos humanos para afirmar sua existência.
O passar do tempo vai, aos poucos, diminuindo a crença, afastando as certezas e oferecendo uma série de questões que fazem pensar se, de fato, existe alguém superior do outro lado da vida. Manter o corpo e a mente íntegros são grandes desafios em que tropeçamos. “Minhas dúvidas sobre Deus são filosóficas. Ou talvez eu acredite em Deus. Talvez, eu não sei…”, já disse uma vez o ex-presidente uruguaio, Pepe Mujica, coberto de uma sabedoria digna daqueles que conhecem o cheiro da natureza e o calor de um abraço humano. E quem sabe esta não seja exatamente a incerteza honesta que nos falte quando olhamos para as terras onde supostamente pisaram profetas, santidades e onde hoje pisam soldados.
O mesmo solo que viu nascer crenças e civilizações também testemunha, há séculos, o dilacerar das carnes e o endurecer das almas. E você pode imaginar qual pergunta faço. No lugar onde nasceram as três grandes religiões monoteístas do mundo, onde se proclama o amor ao próximo e a compaixão universal, ecoa o barulho ensurdecedor da guerra. É um paradoxo cruel: a terra que deveria ser o berço da paz tornou-se o palco de conflitos que se perpetuam há décadas, alimentados por uma fé que, ironicamente, deveria unir, mas que divide. Que deveria preservar a vida, mas mata no atacado e no varejo.
Cada bomba que explode naquelas ruas do Oriente Médio não destrói apenas prédios e vidas – aniquila também um pouco da humanidade que ainda acreditava que o sagrado poderia ser mais forte que o ódio. Cada criança que cresce entre escombros e sirenes aprende que Deus, se existe, é seletivo com seus milagres. Que capacidade tenho de pedir qualquer coisa aos céus enquanto milhares morrem de fome e/ou inocentemente em lutas inexplicáveis?
A Terra Santa parece cada vez menos santa. E se o inferno existe, talvez ele more ali — entre os escombros, entre as mães que enterram filhos e os filhos que não conhecerão os pais. A cada bomba lançada, uma catedral de esperança desmorona. A cada disparo, uma oração se perde no vento. “Pessoalmente, penso que a vida é a aventura das moléculas e que este pedaço do planeta que estamos mordendo é o paraíso e o inferno, tudo junto”, observou Mujica com sua sabedoria simples e profunda. E não há lugar na Terra onde essa frase faça mais sentido do que no Oriente Médio. Ali, o paraíso prometido pelos livros sagrados convive com o inferno criado pelos homens. O mesmo solo que deveria ser abençoado está encharcado de sangue de quem acreditava estar fazendo a vontade divina.
As guerras santas – que contradição terrível essas duas palavras formam – não constroem pontes para o céu. Jamais, de nenhuma maneira! Essas disputas cavam fossas cada vez mais profundas entre os povos. Nem mesmo elevam o espírito, mas rebaixam a condição humana ao seu ponto mais primitivo. A tragédia não está apenas nos corpos que tombam, mas nas almas que se endurecem, nas mentes que se fecham, nos corações que aprendem a odiar em nome do amor divino.
A evolução da sociedade deveria nos levar para longe desses conflitos tribais disfarçados de guerra santa. A verdadeira blasfêmia não está em questionar Deus, mas em usar seu nome para justificar o injustificável. O verdadeiro pecado não está na dúvida filosófica, mas na certeza fanática que mata em nome da salvação.
Se existe um Deus – e tenho cada vez mais dificuldade de crer que possa existir –, certamente ele chora ao ver seus filhos se matando por causa dele. Mas insisto: se existe mesmo, é difícil acreditar que Ele habite os céus enquanto seus filhos se matam em seu nome. Por outro lado, se existe um inferno – e também não creio no purgatório –, ele não está nas profundezas da terra, mas está bem aqui, na superfície, onde transformamos o sagrado em profano e a fé em ódio.
“Viemos do nada e vamos para o nada. Mas tomara que eu esteja errado. Tomara que exista algo além e tudo mais, mas não acredito.” A humildade de Mujica, que reconhece os limites do conhecimento humano, serve como bússola para os meus devaneios. Penso que talvez seja exatamente essa humildade que falte aos que fazem da fé uma arma e da devoção uma desculpa para a destruição nas mais variadas formas.
Enquanto não aprendermos que a espiritualidade verdadeira se manifesta na compaixão, não na conquista, no ódio, na perseguição aos irmãos das ruas, a terra – o santo planeta – continuará sendo o inferno. Porque se há algo que devemos ter como lição, em meio a toda essa dor, é que Deus – qualquer Deus – não precisa de soldados, precisa de construtores. Nem mártires são necessários, ou, ainda, territórios conquistados… o outro lado clama é por corações transformados. E, se realmente existe algo além desta vida, que seja um lugar onde nenhuma criança precise fugir de bombas, ou nenhuma fé precise ser imposta à força, e que o silêncio não seja sinônimo de medo, mas de paz verdadeira.
Com ou sem fé, mais uma semana se adianta. Continuaremos assistindo, impotentes e cúmplices, enquanto o inferno segue vivo na Terra Santa, e nós, observadores distantes, fingimos que isso é normal, que isso é inevitável, que isso é – Deus nos perdoe – a vontade divina.
O inferno existe, sim. E vive exatamente onde deveria estar o paraíso.
Se o inferno existe, ele vive na Terra Santa
Quantas mortes cabem em uma promessa de salvação? Quantos inocentes são empilhados sob a justificativa da fé? Quais crimes serão tolerados para defender uma religião? Brotam, em cada esquina, disputas que invocam o nome de Deus, como se Ele precisasse de escudos humanos para afirmar sua existência.
O passar do tempo vai, aos poucos, diminuindo a crença, afastando as certezas e oferecendo uma série de questões que fazem pensar se, de fato, existe alguém superior do outro lado da vida. Manter o corpo e a mente íntegros são grandes desafios em que tropeçamos. “Minhas dúvidas sobre Deus são filosóficas. Ou talvez eu acredite em Deus. Talvez, eu não sei…”, já disse uma vez o ex-presidente uruguaio, Pepe Mujica, coberto de uma sabedoria digna daqueles que conhecem o cheiro da natureza e o calor de um abraço humano. E quem sabe esta não seja exatamente a incerteza honesta que nos falte quando olhamos para as terras onde supostamente pisaram profetas, santidades e onde hoje pisam soldados.
O mesmo solo que viu nascer crenças e civilizações também testemunha, há séculos, o dilacerar das carnes e o endurecer das almas. E você pode imaginar qual pergunta faço. No lugar onde nasceram as três grandes religiões monoteístas do mundo, onde se proclama o amor ao próximo e a compaixão universal, ecoa o barulho ensurdecedor da guerra. É um paradoxo cruel: a terra que deveria ser o berço da paz tornou-se o palco de conflitos que se perpetuam há décadas, alimentados por uma fé que, ironicamente, deveria unir, mas que divide. Que deveria preservar a vida, mas mata no atacado e no varejo.
Cada bomba que explode naquelas ruas do Oriente Médio não destrói apenas prédios e vidas – aniquila também um pouco da humanidade que ainda acreditava que o sagrado poderia ser mais forte que o ódio. Cada criança que cresce entre escombros e sirenes aprende que Deus, se existe, é seletivo com seus milagres. Que capacidade tenho de pedir qualquer coisa aos céus enquanto milhares morrem de fome e/ou inocentemente em lutas inexplicáveis?
A Terra Santa parece cada vez menos santa. E se o inferno existe, talvez ele more ali — entre os escombros, entre as mães que enterram filhos e os filhos que não conhecerão os pais. A cada bomba lançada, uma catedral de esperança desmorona. A cada disparo, uma oração se perde no vento. “Pessoalmente, penso que a vida é a aventura das moléculas e que este pedaço do planeta que estamos mordendo é o paraíso e o inferno, tudo junto”, observou Mujica com sua sabedoria simples e profunda. E não há lugar na Terra onde essa frase faça mais sentido do que no Oriente Médio. Ali, o paraíso prometido pelos livros sagrados convive com o inferno criado pelos homens. O mesmo solo que deveria ser abençoado está encharcado de sangue de quem acreditava estar fazendo a vontade divina.
As guerras santas – que contradição terrível essas duas palavras formam – não constroem pontes para o céu. Jamais, de nenhuma maneira! Essas disputas cavam fossas cada vez mais profundas entre os povos. Nem mesmo elevam o espírito, mas rebaixam a condição humana ao seu ponto mais primitivo. A tragédia não está apenas nos corpos que tombam, mas nas almas que se endurecem, nas mentes que se fecham, nos corações que aprendem a odiar em nome do amor divino.
A evolução da sociedade deveria nos levar para longe desses conflitos tribais disfarçados de guerra santa. A verdadeira blasfêmia não está em questionar Deus, mas em usar seu nome para justificar o injustificável. O verdadeiro pecado não está na dúvida filosófica, mas na certeza fanática que mata em nome da salvação.
Se existe um Deus – e tenho cada vez mais dificuldade de crer que possa existir –, certamente ele chora ao ver seus filhos se matando por causa dele. Mas insisto: se existe mesmo, é difícil acreditar que Ele habite os céus enquanto seus filhos se matam em seu nome. Por outro lado, se existe um inferno – e também não creio no purgatório –, ele não está nas profundezas da terra, mas está bem aqui, na superfície, onde transformamos o sagrado em profano e a fé em ódio.
“Viemos do nada e vamos para o nada. Mas tomara que eu esteja errado. Tomara que exista algo além e tudo mais, mas não acredito.” A humildade de Mujica, que reconhece os limites do conhecimento humano, serve como bússola para os meus devaneios. Penso que talvez seja exatamente essa humildade que falte aos que fazem da fé uma arma e da devoção uma desculpa para a destruição nas mais variadas formas.
Enquanto não aprendermos que a espiritualidade verdadeira se manifesta na compaixão, não na conquista, no ódio, na perseguição aos irmãos das ruas, a terra – o santo planeta – continuará sendo o inferno. Porque se há algo que devemos ter como lição, em meio a toda essa dor, é que Deus – qualquer Deus – não precisa de soldados, precisa de construtores. Nem mártires são necessários, ou, ainda, territórios conquistados… o outro lado clama é por corações transformados. E, se realmente existe algo além desta vida, que seja um lugar onde nenhuma criança precise fugir de bombas, ou nenhuma fé precise ser imposta à força, e que o silêncio não seja sinônimo de medo, mas de paz verdadeira.
Com ou sem fé, mais uma semana se adianta. Continuaremos assistindo, impotentes e cúmplices, enquanto o inferno segue vivo na Terra Santa, e nós, observadores distantes, fingimos que isso é normal, que isso é inevitável, que isso é – Deus nos perdoe – a vontade divina.
O inferno existe, sim. E vive exatamente onde deveria estar o paraíso.
Tarciso Souza, jornalista e empresário
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