Opinião | Reflexões sobre a água

Foto: divulgação

O dia 22 de março é marcado como o Dia Mundial da Água. A data é considerada um momento para reflexão a respeito de dois aspectos básicos: qualidade e quantidade. Para ampliar os debates, o Conselho Mundial da Água, ligado à ONU, criou em 1997 o Fórum Mundial das Águas, evento trienal que promove discussões sobre o papel dos parlamentos na gestão da água e para estabelecer compromissos políticos acerca dos recursos hídricos. A primeira edição foi em Marrakesh, e a última ocorreu em 2022, em Dakar. A próxima edição está prevista para Jacarta, em 2024. Em 2017 o palco foi Brasília e o Brasil foi escolhido por ter a maior quantidade das águas continentais do planeta e porque por aqui a gestão hídrica é falha e a participação social pífia. O coordenador e diretor do Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (WWAP, na sigla em inglês) da UNESCO, Stefan Uhlenbrook, diz que os debates precisam avançar no sentido de ações práticas dos países membros, especialmente no que diz respeito ao uso da água com finalidade agropecuária, a maior demandadora do recurso. Tão importante quanto o fórum oficial é o Fórum Alternativo Mundial da Água, que ocorre paralelamente e tem ampla participação popular. O slogan do Fórum Alternativo em Brasília foi  “Água é de todos, não à privatização”.

O Brasil é um país privilegiado em termos de águas interiores. Cerca de 12% das chamadas águas doces estão em nosso país. Vale lembrar que o território nacional corresponde a menos do que 6% das terras emersas mundiais, o chamado Epinociclo. Assim, o Brasil tem um índice de águas por área equivalente ao dobro do que é a média mundial. Temos mais águas interiores que a Europa inteira, por exemplo. Isso, obviamente, “acende” a sanha privatista. É muita água, ainda que mal distribuída no nosso território.  Mas a sensação de abundância nas regiões ocupadas pela maioria da população é senso comum. Aí, não economizamos e não evitamos a poluição por toda a parte. Temos muitas percepções equivocadas sobre a água, também. No imaginário popular, nos governos e nas empresas (e na “grande” mídia) água é apenas um recurso e não componente essencial dos ecossistemas, só está poluída se a poluição for visível e é considerada escassa apenas se as pessoas tiverem que economizar para não faltar. Esta última incorre num erro básico, pois apenas cerca de 8% da água total consumida ocorre nas residências. Isso significa que para cada metro cúbico que economizamos em casa, as atividades agropecuárias e industriais teriam que economizar mais de 12 metros cúbicos, para a economia realmente ser significativa. É claro que devemos economizar em casa, mas também devemos fazer escolhas certas, preferindo produtos que demandem menos água na sua produção (agrícola ou industrial) e que impliquem em economia real.

A nossa percepção sobre a abundância da água prejudica a sua conservação. Temos a impressão que há água demais. Porém, apenas 3% das águas no planeta são “doces” e menos de 0,01% está em rios e lagos, para ser utilizado por nós. Em boa parte dos países a água já é um recurso escasso. Cerca de 1/3 da população mundial não tem acesso à água em quantidade e qualidade necessárias. Outro problema é a poluição hídrica por esgoto doméstico e industrial, principalmente, que pioram muito a qualidade da água, causando a morte dos seres aquáticos e dificultando o seu tratamento para a população.

A verdade é que sem água não se vive, nem biológica, nem economicamente. A dependência dos mananciais, sujeitos a regimes de chuva que se alteram rapidamente, fragiliza a governabilidade sobre o fornecimento de água às populações. A exiguidade deste bem natural está fortemente relacionada à má gestão, à derrubada da vegetação, à impermeabilização dos solos e tem hoje a contribuição das mudanças climáticas, que alteram os fenômenos físicos da atmosfera, o ciclo hídrico natural. Precisamos de uma nova cultura social e governamental, que elimine esbanjamentos e que utilize a reservação de água das chuvas nas casas, escolas e empresas. A água precisa ser elevada à condição de importância que ela merece, muito além de um recurso, apenas. Nosso corpo sabe disso, e é formado em sua maior parte por água. Água é o que nós somos, em todos os sentidos.

Porém, uma notícia boa entre tantos problemas é que há 25 anos o Brasil dava um passo importante na gestão da água. Pelo menos em termos jurídicos. No ano de 1997 era sancionada a Política Nacional de Recursos Hídricos, expressa pela Lei Federal Nº 9.433. Os principais avanços criados pela lei foram a definição de que a água é um bem de domínio público, é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico e cuja  gestão deve  proporcionar o uso múltiplo das águas, priorizando a dessedentação de pessoas e animais. Baseada em várias normas produzidas em outros países, como na França, ela trouxe luz para uma terra de ninguém. A lei brasileira foi saudada por ambientalistas em todo o mundo. Curiosamente, embora trate a água como recurso, a lei traz no seu bojo a ideia de bem natural também, a par de qualquer uso econômico ou social, o que é extremamente importante, especialmente para os aspectos ecológicos. A Política Nacional de Recursos Hídricos trouxe avanços importantes na proteção e uso racional das águas, com a criação dos sistemas de gestão, especialmente os comitês de bacias hidrográficas, como o nosso, aqui do Itajaí, do qual também faço parte. Mas em tantos outros aspectos, como na educação das pessoas para o uso racional, ainda há muito que avançar e certamente não poderemos esperar outros 25 anos para que as mudanças realmente ocorram.

José Sommer, professor, biólogo e educador ambiental.


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