Opinião | Por uma gestão territorial a partir das águas

Foto: Semmas/Reprodução

Você já ouviu falar de bacia hidrográfica? O conceito de bacia hidrográfica está expresso na Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), a Lei Federal N° 9.433, de 1997. Entende-se por bacia hidrográfica ou bacia de drenagem, uma região caracterizada pela captação de água da chuva que escoa pela chamada “rede de drenagem” (rede hidrográfica). Assim, formam-se os cursos de água como riachos, córregos, ribeirões e os rios, seus afluentes e subafluentes. Em síntese, a bacia hidrográfica corresponde a uma área drenada por um rio e seus tributários. É importante destacar que a constituição das bacias hidrográficas depende de dois aspectos fundamentalmente, o relevo e a hidrografia. As bacias são delimitadas por um divisor de águas, geralmente um relevo mais elevado, que separa as nascentes e direciona os fluxos de água da chuva para os rios de uma ou de outra bacia, correspondendo a um território muito bem delimitado e pouco variável.

Porém, ainda que se constituam em territórios bem definidos, a gestão territorial, especialmente a urbana, como concebida normalmente, baseia-se em um espaço criado por critérios variados, muitas vezes desconsiderando divisores naturais, como rios e montanhas. Assim é com cidades, estados e países, em geral. Isso cria dificuldades, especialmente quando falamos de gestão hídrica. O conceito de bacia hidrográfica surgiu para uma certa reparação, mas esbarra nos limites tradicionais. Ainda assim, muitos autores têm colocado a gestão territorial numa perspectiva diferente da tradicional, a partir da gestão das águas.

A bacia hidrográfica se constitui no mais adequado espaço de gestão, para muitos, e está expresso na própria PNRH, mas esbarra no fato de que as áreas de municípios, estados e países raramente levam em conta os divisores de águas das bacias hidrográficas, como dito anteriormente. É muito mais comum que rios sirvam para delimitar territórios, gerando dificuldades para uma gestão integrada. Outro aspecto é que o rio principal, desde as suas nascentes e afluentes, normalmente percorre municípios diferentes, dificultando ainda mais as ações. Por outro lado, um mesmo município pode pertencer a diferentes bacias hidrográficas. Vejamos o caso de Blumenau mesmo, a maior parte está situada na bacia do Itajaí, mas há uma pequena parte, ao norte, no final da Vila Itoupava, que pertence à bacia do Itapocu. A lei federal criada em 1997 também expressa elementos importantes sobre a gestão de águas, notadamente os instrumentos, os planos, o enquadramento dos cursos d’água, a outorga e a cobrança pelo uso, o gerenciamento, os conselhos e comitês e as agências de água, ferramentas importantes para a gestão.

No âmbito da nossa região hidrográfica há várias instituições que atuam direta ou indiretamente com a gestão dos bens hídricos. Além dos comitês (Itajaí e Camboriú), que têm como entidade executiva o Instituto Água Conecta, há um coletivo de educadores ambientais que reúne organizações civis, públicas e privadas, o Grupo de Trabalho de Educação Ambiental da Região Hidrográfica 7 (GTEA RH7), que tem dedicado especial atenção à aproximação entre as políticas de gestão hídrica e educação ambiental. Os gestores municipais também deveriam prestar um pouco mais de atenção a isso.

Uma ação importante neste sentido, que envolve o GTEA RH7 e os comitês de bacia, é a Semana da Água, uma campanha de cidadania, que vem, desde 1999, promovendo discussões e ações voltadas à proteção e à gestão dos recursos hídricos da bacia do Itajaí. Desde o ano de 2021, o evento acontece no âmbito da Região Hidrográfica 7, o que inclui também a bacia do Camboriú. A Semana da Água tem concentrado seus esforços na busca do envolvimento de todos os atores sociais, com o intuito de desenvolver uma consciência ambiental comunitária, sobre a importância da manutenção e da melhoria da qualidade e da quantidade da água, para o desenvolvimento econômico e social de forma sustentável em toda a região. A Semana da Água é realizada na última semana do mês de setembro, quando se comemora o início da primavera, pois a data de 22 de março, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Dia Mundial da Água, está vinculada ao Hemisfério Norte, não sendo tão representativa para o Hemisfério Sul.

O tema da Semana da Água deste ano foi “Hidroconsciência: valorizando a água com uma visão sistêmica”, que se refere às formas com que a água está presente no planeta, na cidade, nas nossas casas e corpos. Trata-se da consciência sobre a importância desse elemento fundamental à vida, desde o seu ciclo básico até a geração de diferentes formações como as bacias hidrográficas. A hidroconsciência, um neologismo, tem como objetivo provocar reflexões sobre o impacto das atividades humanas e a relação com a água, opondo-se à hidroalineação.

A Semana da Água aconteceu de 18 a 24 de setembro último, com uma programação oficial, que contou com o 9° Diálogo de Educação Ambiental do GTEA RH7. Além disso, grupos, entidades, escolas, e membros das comunidades realizaram mais de 70 ações paralelas que integraram a programação complementar do evento. O objetivo foi ampliar o alcance das ações e promover a consciência ambiental em diferentes espaços e públicos, a partir de diferentes agentes, como acontece todos os anos. Além disso, a programação oficial da Semana da Água abordou o novo marco regulatório do saneamento básico, a Lei Federal N° 14.026, de 2020, com workshops presenciais e visita técnica, que aconteceram em Camboriú e em Ibirama.

Voltando para a gestão, Santa Catarina tem uma particularidade em relação a outros estados que é a divisão em regiões hidrográficas, em número de dez. Elas são agrupamentos de bacias hidrográficas e constituem-se em espaço de gestão, na linha do que preconiza a própria PNRH, e que são aplicadas principalmente pelo Estado. A nossa região hidrográfica envolve mais de 50 municípios. Nas duas bacias estão constituídos comitês próprios que se articulam diretamente, mas também através do Fórum Catarinense de Comitês de Bacia e no Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Embora Santa Catarina tenha uma estrutura razoável para a gestão hídrica, se comparada com a de outros estados, e em que pese uma atuação ainda pífia do Estado, há muitas lacunas a preencher e que demandam mais de vontade política do que de qualquer outra coisa. Mas, esta configuração permite e enseja, talvez bem futuramente, uma possibilidade de gerar uma gestão das águas e de outros bens naturais de forma mais sistêmica, integrada, eficiente e lógica, aproximando as esferas de poder de políticas efetivas de proteção das águas em Santa Catarina.

José Sommer, professor, biólogo e educador ambiental.

1 Comentário

  1. O autor do texto demonstra profundo conhecimento e muita responsabilidade. Parabéns!

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