Opinião | Para que serve a autoescola?

Imagem: arquivo pessoal

Quando sugiro que minha profissão é trânsito, muito se dá porque, quando nasci, meu pai já era proprietário de uma autoescola, isso em meados dos anos 80. De lá pra cá, tenho vivido quase que integralmente uma vida ligada ao trânsito. Seja por necessidade, obrigação ou vocação, esse é um caminho quase obrigatório que segui.

Nos meus tempos de piá, era normal aprender a dirigir com 12, 13 anos, algo normal para quem vivia numa época em que pouca coisa era restrita no trânsito. Quem usava cinto? Como usar, se nem nos bancos íamos. Como era bom uma Parati para ir no porta-mala. Era uma época em que os vizinhos se partilhavam para levar outros vizinhos para a escola. Isso que lá em casa já éramos quatro. Somava-se mais dois, três ou quatro vizinhos, e todos no mesmo carro íamos para a escola. Capacete na moto era luxo, embriaguez ao volante nem se falava. A vida era outra, o trânsito também.

Com o advento da Constituição de 1988, a abertura do mercado, a evolução dos veículos e o aumento populacional, não se viu outra alternativa senão reformular e modernizar a legislação de trânsito no Brasil, até então pautada nos longínquos anos de 1966. Era necessária uma transformação. Ninguém mais aguentava tantos acidentes e mortes desnecessárias no trânsito brasileiro. As regras precisavam evoluir. Precisávamos de mais educação, mais cuidados, e normas mais rígidas.

Segurança no trânsito começa pelo respeito à legalidade.

Um Código com inovações marcantes, pautadas na educação desde as escolas, multas com valores maiores que o  salário mínimo, pontos na carteira, crimes de trânsito previstos no próprio CTB, normas modernizadas e, conceitualmente, o principal: autoescolas se tornariam Centros de Formação de Condutores. Deixariam de ser ocasionais para se tornarem obrigatórias. Educação, informação e conhecimento passariam a ser necessários e fundamentais. 

Era o ano de 1997 quando o “novo” Código de Trânsito Brasileiro foi aprovado, entrando em vigor em 1998. Resultado de anos de debates, ele foi analisado, discutido no Congresso, na sociedade e nas instituições, com o objetivo de estabelecer regras mais modernas e eficientes.  Buscava-se um equilíbrio entre educação, fiscalização e punição, de modo a melhorar o trânsito, priorizar a vida e garantir mais segurança para todos os seus usuários.

Isso tudo com grande participação de um blumenauense: o professor Paulo Gouvêa, que na época, como deputado federal, integrava a comissão especial do que viria a ser o novo CTB.

Entre o sonho ser jogador de futebol e, posteriormente, aprovado no vestibular de Educação Física, fui imbuído da missão de fazer a graduação naquilo que imaginávamos ser o futuro. Nosso país começava a enxergar o trânsito como um projeto. Deixei de lado a vontade de trabalhar com esporte e antes de concluir o bacharelado Direito, fui imbuído de semanalmente, partir para Itajaí e, na UNIVALI, estudar Administração e Segurança de Trânsito,  um curso de graduação de grande valia que formou e fomentou, a área de trânsito em nosso estado, formando secretários, prefeitos, conselheiros, proprietários de CFCs, militares, entre tantos outros profissionais do mais alto gabarito para o trânsito de Santa Catarina.

De lá para cá, se passaram 30 anos do ctb. Três décadas de aprendizado, aperfeiçoamento, transformação social e inúmeras mudanças, novas regras no trânsito, nas vias, nos veículos e, principalmente, nas pessoas. Indiscutivelmente, temos visto uma sociedade mais alerta, com conhecimento e gabarito para tomar decisões corretas no trânsito.

Não vejo como haver mudanças nessas regras sem que isso seja debatido em todas as esferas da sociedade. Não pode ser, por meio de uma decisão administrativa, que se encerrem 30 anos de evolução e progresso de uma lei que foi tão amplamente debatida e celebrada em sua época.

E qual o papel dos Centros de Formação de Condutores nesse contexto?

Fato é que deste então, as autoescolas se transformaram em Centros de Formação de Condutores. Numa escala de comparação, deixaram de ser amadoras para se tornarem profissionais. Onde antes tínhamos apenas profissionais com experiência em treinamento, passou-se a contar com uma equipe multidisciplinar em um ambiente profissional de ensino-aprendizagem, com diretores e instrutores com graduação, conhecimento e contínuo aperfeiçoamento.

Não há dúvida de que isso fez diferença na capacitação dos novos condutores. Um ambiente com regras rígidas, exigências legais, resoluções e portarias diversas, aliado a salas de aula bem estruturadas, centros de treinamento prático completos, com pistas para motos e espaços adequados para teoria e prática, planos de ensino organizados, acessibilidade para pessoas com deficiência e profissionais qualificados, elevou significativamente o nível da aprendizagem. Essa é uma certeza da qual não podemos abrir mão para caminhar em direção a incertezas.

Difícil é transformar isso em dados: como garantir que essa estruturação melhorou a qualificação dos condutores brasileiros?

Conhecendo e vivendo as duas realidades, eu diria que as autoescolas serviam ao propósito de facilitar aos candidatos a obtenção da CNH. Hoje, os Centros de Formação de Condutores têm o objetivo de formar condutores. O antigo pensamento de “paguei a autoescola para ter a carteira” se transformou em “contratei o Centro de Formação de Condutores para me tornar um condutor”.

A consequência pode ser a habilitação, mas o objetivo é a aprendizagem. Passar na prova é consequência; o objetivo é ensinar e aprender de forma ética e responsável. 

Talvez o desafio hoje seja compreender até que ponto a exigência de carga horária mínima e o modelo institucional dos CFCs realmente moldaram os condutores,  e quanto isso influenciou na atual realidade do trânsito brasileiro.

Primeiro, é evidente que, mesmo sendo os Centros de Formação de Condutores responsáveis por boa parte da formação dos motoristas, muitas vezes são injustamente apontados como os únicos culpados pelas consequências negativas do trânsito atual. A expressão ou questionamento ao condutor que comete um erro no trânsito  “fez a carteira onde?” é muito comum, o que reforça a ideia de que toda a responsabilidade pela formação do condutor recai apenas sobre o CFC.

Logicamente que existe uma responsabilidade, e até pode ser o maior responsável, principalmente pelo conhecimento agregado, mas não há dúvida de que toda a formação do condutor vem,  e é, responsabilidade de todos, seja nos exemplos vistos e vividos, seja pela educação que recebeu ou não recebeu em casa, no ambiente escolar e até  na própria  relação com a sociedade.

É muito comum que condutores brasileiros que dirijam em determinados locais ou em datas comemorativas mudem seu comportamento, seja por cultura seja por costume, quem nunca percebeu motoristas brasileiros modificando seu jeito de agir ao dirigir em outros países, o que mudou na sua aprendizagem? Ou será que o aumento da fiscalização, e exemplo dos outros condutores, faz o mesmo condutor dirigir de forma mais prudente e correta quando dirige fora do Brasil. Ou quando mudamos nossa forma de dirigir em épocas comemorativas, será que não percebemos a diferença de um motorista em locais ou datas em que está de férias, descanso ou até em eventos festivos,  para o condutor do dia a dia quando está no trabalho, é o motorista do carnaval, mais relaxado e mais imprudente em detrimento do responsável e cauteloso, talvez o problema não seja a formação e sim o meio no qual ele está inserido. 

Órgãos de trânsito, pais,  escolas, universidades, empresas, condutores, imprensa, juízes, poderes Executivo e Legislativo, agentes fiscalizadores, somos todos responsáveis pela melhoria do trânsito. Responsabilizar exclusivamente os CFCs pelo ensino e educação do condutor seria exagero. Os Centros de Formação de Condutores têm, sim, uma enorme responsabilidade, mas não serão, sozinhos, capazes de enfrentar esse gigantesco desafio de exclusivamente educar novos condutores para o trânsito brasileiro.

Não há dúvida de que, nesses trinta anos de Código de Trânsito Brasileiro, o local de ensino e aprendizagem no Brasil evoluiu de forma estrondosa. Onde antes havia pouquíssimas empresas estruturadas, com deveres e obrigações difusos, hoje temos verdadeiras “faculdades de trânsito”, capacitando e treinando condutores para enfrentar a realidade do trânsito brasileiro. 

Mas, enquanto não tivermos a certeza de que a mudança depende de todos, talvez pouca coisa mude na nossa realidade atual e, principalmente, na futura. Todos juntos somos capazes de melhorar o trânsito, ninguém sozinho será capaz de fazer. 

No trânsito, não se brinca.

Lucio R. Beckhauser, Agente de Trânsito, Especialista em Direito de Trânsito

14 Comentário

  1. países mais desenvolvido já não usam esse modelo,o q está doendo pra os empresários é perderem a máquina de exploração, principalmente com os pobres, melhor ficar a critério do estado e dos interessados esse processo de aprendizado.

  2. Parabéns pela objetividade e clareza ao tratar assunto tão importante. Nessa imensidão de comentários sem nenhum embasamento técnico seu texto é um alento a nós que trabalhamos seriamente com trânsito

  3. Pra nada, bom na vdd pra ganhar o dinheiro fácil, porque normalmente eles dão pau nas mulheres, e elas precisam ficar pagando aulas até conseguirem passar. Lembrando que auto escola não livra ninguém de acidentes pois são os habilitados que cometem acidentes e
    infração, quem não tem nada com cuidado pra não ser pego.

  4. muito blá-blá-blá pra nada. autoescola é mais pra tributos mesmo. tem muitos condutores com carteira que são piores do que aqueles que não tem. muitos foram aprender sobre códigos e leis de trânsito mais em prática. em se lembram. sendo que foram pago um absurdo pra terem essas aulas. se nao fosse obrigatório. era só fazer o teste como ja é feito e pronto. passou passou. nao passou, vai aprender até passar.

  5. Máfia. É isso que se tornou o CFC. mai de R$ 2000 prá tirar CNH, R$ 400 prá remarcar uma prova e mesmo assim “só passa quem paga”. Máfia.

  6. auto escola é bom, o problema é o valor para tirar uma CNH. Se o valor fosse justo ninguém ia se incomodar… o problema é que tudo está ficando caro e o governo tem que mostrar serviço. agora quem está sofrendo são as auto escola quem será o próximo.

  7. KMMKKKKKKKKKKKKKK
    AS AUTOESCOLAS LITERALMENTE SÓ ENSINAM A PASSAR NA PROVA PRÁTICA, TUDO O QUE É APRENDIDO LÁ DENTRO É EXTREMAMENTE RIDÍCULO, EU PASSEI NA TEÓRICA ASSIM COMO TODO MUNDO LITERALMENTE SÓ FAZENDO SIMULADO PORQUE OS PROFESSORES SÓ LEEM UM LIVRO E NÃO ENSINAM NADA. VOCÊS NÃO SAO NECESSÁRIOS.

  8. Aqui em porto alegre , já está sendo muito aguardada a extinção das autos escolas. Custo muito alto e não se aprende nada , o que vale é no dia a dia de aprender dirigir.

  9. antigamente era só saber ler e escrever já poderia dirigir agora,vamos adotar o sistema de muitos países sem muita exigência nas aulas mesmo que até porque vc aprende até a 3 marcha e quem te ensina a 4 e a 5 marcha?

  10. máfia das auto escolas ! gastei $ 3.085,00 semana passada aqui no Ceará para habilitar meu filho , fora o aluguel do carro e da moto no dia da prova .

  11. Infelizmente não estamos num país sério e automaticamente o processo de habilitação atual é totalmente defasado e não condiz com a realidade do trânsito.
    Se vivêssemos em um país desenvolvido com certeza não haveria necessidade de carga horária obrigatória porque só com a dificuldade do exame levaria as pessoas a procurarem uma autoescola.
    Na Espanha, por exemplo (para aqueles que acham que não há necessidade de carga horária e a existência de autoescola), não existe exigência de se aprender em autoescola, porém os exames são realizados em vias públicas e rodovias. A prova dura em média 30 minutos (sem contar o tempo da manobra). Após a aprovação no exame prático e recém habilitado tem que passar por um período probatório de 01 ano onde só pode dirigir ao lado de um condutor experiente e com um adesivo (ou placa) no vidro traseiro com uma letra L (Licencia). Se querem comparar com os mais desenvolvidos então vamos copiar o modelo deles. Segue acima a sugestão de usar o da Espanha.

  12. entendo que existem muitos pontos e acredito que todos deveriam ser validados, é verdade o fato que nos CFC, falando qui de Manaus, voce aprende a passar na prova,você aprende a dirigir de forma mecânica, existem sim também diversas máfias dentro dos CFC, uma coisa no texto eu estou de acordo esse assunto deveria passar por uma comissão no mínimo tri partide, Representante dos CFC, Sociedade, e Governo.

  13. Bom dia me chamo Adalto Meireles sou instrutor prático no estado de são Paulo, quem instruí os candidatos nas vias públicas, são os instrutores , já as autoescolas tem o papel de receber os interessados e distribuir os documentos necessários, pra dá início as aulas práticas, sobre os trabalhos das autoescolas para os colaboradores,em alguns lugares os instrutores passam um aperto , com horas extras sem digital , pra abrir e fechar aulas , os donos de autoescola são muitas vezes espertos demais , eu espero que o governo dêem fim a obrigatoriedade das autoescola, e passar , aos instrutores credenciado os serviços de instrução prática, e aos candidatos as provas on-line, e isso !!!

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