Opinião | O tédio como sintoma

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Hoje acordei com o tempo esticado. Um silêncio estranho pairava entre as paredes, como se o mundo tivesse esquecido de começar. Não era tristeza. Nem vazio. Era uma espécie de anestesia. Uma suspensão. Um cansaço que não vinha do corpo, mas da falta de porquê.

Fiquei ali, olhando pro teto, sem vontade de levantar, sem coragem de continuar deitado. E me perguntei: desde quando a vida virou algo que precisa ser vencido?

O tédio é isso — esse não saber o que fazer com a própria liberdade. Essa ausência de urgência, de surpresa, de espanto. Esse intervalo entre o nada e o quase.

O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard, um dos precursores do existencialismo, dizia que o tédio é “a raiz de todo mal”. E não porque ele seja ruim em si — mas porque ele expõe. O tédio revela a nudez da existência. E nós não sabemos lidar com ela. Preferimos o barulho, o feed, o café, o excesso, o cansaço. Qualquer coisa que nos proteja desse confronto silencioso com o absurdo.

Albert Camus, pensador argelino-francês e autor de O Mito de Sísifo, foi quem mais ousou encarar esse absurdo. Para ele, a grande questão filosófica era: por que não nos matamos? Ou seja, por que insistimos em viver mesmo sabendo que a vida, no fundo, é desprovida de sentido? O tédio, então, seria esse espaço vazio entre perceber o absurdo e continuar, mesmo assim.

Já Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano radicado na Alemanha, talvez seja quem mais entenda o tédio dos nossos tempos. Ele descreve uma sociedade do desempenho, onde o sujeito está esgotado não por repressão, mas por autoexploração. Vivemos exaustos tentando ser tudo, todo tempo. E quando paramos — quando sobra silêncio — o colapso aparece: “cansamo-nos de nós mesmos.”

Talvez o tédio não seja um erro a ser consertado, mas um sintoma a ser escutado. Um grito sutil da alma dizendo: “isso tudo que você está vivendo… é mesmo o que importa?” E talvez, só talvez, o tédio seja uma espécie de misericórdia. Um pedido interno por presença. Um lembrete de que o sentido não está dado — ele precisa ser construído, mesmo no meio do nada.

Hoje, em vez de fugir, deixei o tédio sentar do meu lado. Não conversamos muito. Mas, por alguns minutos, eu existi sem performance. E isso, num mundo como o nosso, já é quase um ato revolucionário.

“O tédio é o desespero da liberdade.” — Søren Kierkegaard

Matheus de Toni, autor de Yve e Outros Contos e Poesia de Curta Duração

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Referências bibliográficas (ABNT):
CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht. São Paulo: Record, 2004.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017.
KIERKEGAARD, Søren. O conceito de angústia. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

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