Opinião | O alerta planetário

Foto: divulgação

O Antropoceno é a época geológica das grandes transformações no mundo feitas pela ação direta humana. Nela, deixamos de ser apenas agentes biológicos para sermos uma força geológica capaz de alterar a paisagem do planeta e comprometer a nossa sobrevivência e a dos outros seres vivos. Deixamos de apenas temer a catástrofe para nos tornarmos a catástrofe, no dizer de Castro e Danowsky, em “Há um mundo por vir?”. E isso se revela de várias maneiras. As atividades humanas em nível mundial geram uma utilização dos recursos, ou bens naturais, maior do que a que pode ser recuperada pela própria natureza a cada ano. É como se invadíssemos a “poupança” ambiental planetária. E isso ocorre cada vez mais cedo. Em 1987, primeiro ano do levantamento, o chamado Dia da Sobrecarga da Terra – data em que todos os seres humanos do mundo acabaram com os recursos necessários para viver de maneira sustentável por um ano – caiu no dia 12 de agosto. A data limite foi regredindo ano após ano e em 2022 foi no dia 9 de dezembro, quatro meses antes, apenas 35 anos depois, de acordo com a ONG Global Footprint Network. Em outras palavras, significa que excedemos em 70% o que o planeta pode renovarEstamos consumindo nossos bens naturais como se fosse um produto que podemos comprar quando acaba, consumindo tanto quanto queremos dele. O Mundo virou nossa despensa, mas nos dá sinais de alerta também.

O fato de a cada ano atingirmos antes o limite de gastos anuais dos bens naturais precisa nos levar a uma profunda reflexão. Não podemos ficar invadindo a “poupança” ambiental cada vez mais cedo. Nós agimos como aquele sujeito que todo mês gasta 70% a mais do que recebe e que sobrevive graças a recursos que guardou anteriormente, mas que não serão repostos. Para piorar, os gastos não são equitativos, de acordo com a Pegada Ecológica Mundial calculada pela Footprint Network, instituição que administra os dados. Países ricos têm Pegadas até dezenas de vezes maiores que países pobres, gerando enorme desigualdade social.

Os benefícios que obtemos da natureza, direta ou indiretamente, através dos ecossistemas e que garantem a sustentabilidade social e econômica são os chamados serviços ambientais ou ecossistêmicos. Estes serviços que a natureza nos fornece são muito variados: água purificada, alimento, lazer, minerais, ar puro, fertilização do solo, amenização dos fenômenos climáticos e desastres naturais, polinização, decomposição do lixo, madeira, fármacos, fibras, energia elétrica e navegação, entre tantos outros. E o que parece ainda melhor, de graça. Além de gratuitos eles são também permanentes e silenciosos. Porém, a dilapidação do natural tem um custo de recuperação para o qual fechamos os olhos, deixando para depois. Por enquanto apenas olhamos para os trilhões de dólares que a natureza nos fornece todos os anos, gratuitamente. Eis aí a razão da falta de preocupação ambiental do ponto de vista macro e que afeta a percepção das pessoas em todo o mundo. As consequências de nossas ações estão cada vez mais separadas das nossas ações. É o que os cientistas chamam de Dissociação Mental.

Se tivéssemos que pagar por estes serviços ambientais, certamente a história da destruição seria bem diferente. Porém, tudo indica que pagaremos com juros agora e no futuro, infelizmente. Os serviços que a natureza presta à humanidade são imensuráveis, tamanha é a sua diversidade, e precisam ser protegidos.

Para diminuir o impacto global e retardar o Dia da Sobrecarga Planetária, são necessárias ações imediatas e conjuntas, especialmente no que diz respeito ao consumo e às emissões de gases de efeito estufa (estas correspondem a 60% do problema). Além de mecanismos mundiais e nacionais, será necessário que as pessoas, em toda a parte, adotem medidas pessoais, assumindo uma postura de consumo consciente e sustentável.

Uma ideia muito interessante é a de pagar pelos serviços aos proprietários rurais. Neste sentido, uma história emblemática é a da cidade de Nova Iorque, que sofria com a qualidade da água servida à população até o início da década de 1990. Associado à proibição do uso excessivo de agrotóxicos nas bacias que deságuam no rio Hudson, o Estado de Nova Iorque decidiu pagar aos proprietários para que adotassem outras medidas de proteção à água, especialmente preservando o solo e a floresta. A qualidade da água melhorou significativamente e os valores gastos no tratamento diminuíram muito também. Há vários exemplos como este mundo afora e uma experiência semelhante no sul de Minas Gerais. São os chamados Pagamentos por Serviços Ambientais. Em Santa Catarina já há uma lei sobre isso, mas que não foi implementada, passados mais de 10 anos de sua promulgação.

Para muitos especialistas ambientais a ideia é fantástica, pois gera economia, proteção ecológica e melhor qualidade de vida, impactando na Pegada Ecológica. Quem sabe no futuro possamos ter inúmeros mecanismos de pagamento para quem protege a natureza das mais diversas maneiras? Isso seria factível, útil, ecológico e inteligente.

José Sommer, professor, biólogo e educador ambiental.


3 Comentário

  1. Parabéns, professor Sommer. Sempre tão pontual em suas colocações.

  2. Professor Sommer.
    Um pouco complicado para entender os seus comentários, contudo interessantes, mas seria mais viável se fossem introduzidos bons exemplos e nos esmiuçar a lei, que fazem dez anos não está sendo praticada.
    A preservação do meio ambiente deve estar no nosso dia a dia.

  3. Ditma e Mariana, bom dia. Obrigado pelas considerações. Eu estou sendo um pouco mais generalista nos primeiros artigos propositalmente, para provocar reflexões mais sistêmicas. Gradativamente pretendo trazer temas um pouco mais específicos, mas sem perder o todo, evidentemente. Prof. Sommer

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