A 6ª Conferência das Cidades de Blumenau revelou-se um momento crucial de escuta, diagnóstico e proposição para enfrentar um dos mais persistentes e urgentes desafios das cidades brasileiras: a efetivação do direito à moradia digna. Num país com mais de 6,2 milhões de moradias em déficit e 26,5 milhões com inadequações estruturais, a conferência foi palco de discussões que, felizmente, não se limitaram ao tecnicismo e ao burocratismo. Houve alma, indignação e, sobretudo, compromisso com as vidas invisibilizadas pela lógica do lucro e da especulação urbana.
O debate sobre habitação social deixou de lado a visão reducionista da moradia como mercadoria. As propostas apresentadas – como “Despejo Zero”, a implementação de Zonas Especiais de Habitação de Interesse Social (ZEIS) e o fortalecimento da assistência técnica para habitação de interesse social – apontam para uma mudança de paradigma: a moradia precisa ser reconhecida como direito humano essencial e condição básica para o exercício pleno da cidadania.
Blumenau, cidade marcada por contrastes socioespaciais, registrou em 2024 mais de 1.300 medidas protetivas envolvendo violência contra mulheres, muitas delas sem acesso à moradia segura. A conferência acertadamente destacou a feminização da pobreza como um aspecto incontornável da crise habitacional: 62,6% dos lares em déficit são chefiados por mulheres, muitas delas mães solo e negras, as mais atingidas por despejos, aluguéis abusivos e ausência de políticas públicas específicas.
Outro ponto que merece destaque é a crítica à padronização das cidades e à invisibilização das periferias e todas as suas urgências para sobrevivência das pessoas que moram nesses espaços. Essa desumanização se expressa nas ocupações irregulares, diante do risco ambiental, na precariedade do saneamento, na falta de água e de energia elétrica, consequência do abandono das políticas de urbanismo voltadas à inclusão. Em Blumenau, há 71 áreas de assentamentos irregulares mapeadas no levantamento recente feito para revisão do plano de habitação social de Blumenau – um crescimento alarmante frente às 55 registradas em 2010.
A 6ª Conferência também foi assertiva ao propor medidas integradas, como o uso de imóveis ociosos, regulamentação fundiária justa e programas que respeitem o pertencimento territorial. Não se trata de “remover para resolver”, mas de garantir o direito à permanência com dignidade, à infraestrutura adequada, à arquitetura pensada para e com as pessoas. Com destaque a moção tirada em defesa da reparação histórica e do reconhecimento, a visibilidade e a incorporação socioespacial e cosmovisões da história e dos saberes dos povos originários, e a necessidade de promover o protagonismo e suas perspectivas de desenvolvimento para o município de Blumenau.
É inegável que, para avançar, será preciso romper com a fragmentação das políticas públicas e fortalecer a participação popular. A criação de uma secretaria interdisciplinar urbana, conforme sugerido, pode ser um passo decisivo para integrar habitação, mobilidade, meio ambiente e assistência social numa abordagem que reconheça a cidade como espaço de cuidado e justiça.
Ao fim, a conferência nos deixou uma pergunta essencial: quanto tempo uma mãe solo negra leva para reconstruir o sonho de um lar? A resposta não está apenas nos planos e metas – está no nosso senso de urgência, na prioridade orçamentária que damos à habitação, e na coragem de dizer, com todas as letras, que ninguém e nenhum lugar deve ser deixado para trás.
A conferência aponta diversos desafios para Blumenau, promover a inclusão e a justiça social depende da participação de todos e do desejo coletivo de uma cidade que escolhe ser ponte e menos muro.
Daniela Sarmento, arquiteta e urbanista





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