Opinião | Escravidão: a raiz de todos os males do Brasil

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“Se os indivíduos favoráveis à escravidão tomassem o lugar de um escravo no porão fedorento apenas por uma viagem da África para a América, sem entrar nos horrores da escravidão, que vão além disso, e não se tornassem abolicionistas, então eu não teria nada a mais a dizer a favor da abolição. Mas acho que as suas opiniões e seus sentimentos em relação à escravidão mudariam em algum grau. Contudo, se continuarem com seus escravos nos campos de algodão, de arroz ou de outras plantações e não dizerem ‘chega, basta!’, acho que devem ser de ferro, sem corações nem almas”.

Os anos da abolição passaram, as digitais do chicote a estalar nas costas ainda marcam homens e mulheres de maneira diversa, cruel e impiedosa. Mahommah Baquaqua registrou as palavras que abrem o texto em biografia, sobre as agruras de ser uma mercadoria barata no Brasil. Foi o único escravo que viveu nestas terras, servindo a uma catarinense, que conseguiu deixar para história o seu grito, as memórias de todo sofrimento dos tempo de trabalho forçado.

A triste página de um passado de sangue, dor e aprisionamento reflete nestes dias com uma escuridão que parece não encontrar um fim. À escravidão é a mais nojenta doença que afeta o coração de uma elite incapaz de encontrar empatia em alguma parte do corpo. Nem mesmo reconhecer os erros de ontem, de hoje, ou buscar um tratamento para as dores que permanecem abertas, atrasando a civilidade, o progresso, a igualdade na pátria. Sim, à escravidão é a raiz de todos os males que impedem o Brasil de ser uma grande nação.

As vezes parece que o tempo não avançou, que à escravidão e o trabalho análogo, abolida há mais de um século, seguem ignorando a lei e a racionalidade de ser, relacionar e priorizar o humano. Despreza-se o fato que foram os braços de escravos que construído tudo no país, que formamos a maior nação de pretos e pretas fora do continente africano, negando que os sobrenomes pomposos de europeus cometeram no Brasil o maior massacre que a humanidade já viu: se o nazismo matou cerca de 6 milhões de vidas, estimasse que apenas dentro dos navios negreiros morreram mais de 12 milhões de escravos.

Como publicado largamente nesta semana, em muitas regiões os trabalhadores de 2023 são submetidos a condições desumanas, sem remuneração justa, sem acesso a direitos fundamentais, trabalhistas e sem liberdade para se deslocarem livremente. A modernidade das redes, o tecnicismo do poder público, as vezes, como em Joinville, parece incentivar o cidadão para submissão. A desigualdade social torna as pessoas mais vulneráveis à exploração e à violência.

Já diria Epicteto, “é livre a pessoa que vive como deseja, nem compelida, nem atrapalhada, nem limitada. A pessoa cujas escolhas não são estorvadas, cujos desejos se realizam e que não cai naquilo que a repele”. Não é permitido um reparo histórico ao patrimônio de descendentes daqueles que tiveram o futuro roubado.

Para combater essa realidade, é fundamental que haja uma ampla conscientização. Mais que isso, um aprofundamento da redistribuição de renda, de acesso, um profundo resgate sobre o tema. Governos, a população, as empresas e os consumidores precisam repactuar os valores de construção do país. É necessário compreender que a escravidão e o trabalho análogo à escravidão são crimes graves, que ferem a dignidade humana e afrontam a lei. É preciso ficar evidente, de uma vez por todas, que a miséria nasceu na senzala e, por não ser resolvida na abolição, arrasta gerações para um abismo que separa as classes e impede qualquer prosperidade coletiva, social.

A luta contra a escravidão e o trabalho análogo à escravidão é um desafio que requer a ação conjunta de toda a sociedade. Preencher a vida de esperança é o melhor caminho para realizar o sonho de condições iguais para os brasileiros. É preciso combater a desigualdade social, implementar políticas públicas efetivas, conscientizar a população e adotar práticas sustentáveis e éticas em todas as esferas da vida. Somente assim será possível construir um país mais justo e humano, livre da exploração e da violência.

Até chegar lá choramos, sofremos… resistimos!

Tarciso Souza, jornalista e empresário.

1 Comentário

  1. Que matéria necessária! Desde os primórdios a humanidade consegue ser desumana para com o próximo. É inaceitável que nos dias atuais ainda existam pessoas e empresas que compactuem com isso. Não podemos admitir vista grossa e permissividade. As leis precisam ser rígidas o máximo possível, já que pelo que parece , a conscientização ainda vai demorar a chegar por aqui.

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