Opinião | “É o Congresso, idiota!” Ou, para os mais sensíveis: por que a culpa das agruras do Brasil não é só do presidente

Foto: reprodução

Bons tempos quando todas as convulsões sociais poderiam ser traduzidas unicamente por questões envolvendo o bolso do cidadão. “É a economia, idiota”, dizia James Carville, então estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton na América dos idos de 1992. O mundo era mais simples, menos caótico, mais independente de cadeias globais e os boletos ainda vinham pelo correio, o que permitia uma desculpa adicional para esquece-los.

Naquela época, a felicidade da colônia era a quermesse no pátio da igreja, a colheita da plantação, o quinto dia útil do mês ou a parcela do décimo terceiro pingando na conta. O crime já existia, é verdade! Como estavam nas esquinas as dores da fome, da pobreza e desalento. A ignorância também grassava feito tiririca em lavoura mal cuidada, mas ainda havia esperança — essa flor danadinha que insiste em brotar mesmo quando pisoteada. Toda manhã, gerações após outra, a crença que imperava é que bastava regar o futuro, não com gotas de orvalho, daquelas que banham a relva, mas de suor e lágrimas de muito trabalho duro e pronto: a magia transformadora aconteceria. Sonhar com uma vida melhor, uma, duas, três décadas atrás era como andar para frente.

Acreditava-se no trabalho. Acreditava-se nas urnas. Acreditava-se na ciência; nas vacinas; que a paz era possível. Acreditava-se, veja só, nos políticos. Olhava-se para dentro de si e, sem ansiolítico, acreditava-se no potencial, na capacidade – danada – escondidinha dentro de nós.

Eram momentos menos tensos aqueles em que o sistema político e administrativo das nações eram mais lógicos, humanos e racionais. Antes as discussões da sociedade tinham como pauta desafios palpáveis. Hoje, bastaria uma vaca bem adestrada com uma conta no X (antigo Twitter) para conduzir metade do eleitorado a um abismo com fundo falso. A lógica se foi, a racionalidade virou item de colecionador e o interesse público é como um retalho velho na roupa de um caipira pregado com a linha fartamente nutrida de cinismo.

Para os dias que correm, quando a liderança de um país inteiro deveria olhar para o todo e tatear agindo para acalmar as coisas, a percepção é que, no Brasil, seguimos para o lado inverso. Nesta semana, o picadeiro — desculpem os palhaços — digo, o Congresso, ofereceu um exemplo cristalino da sua capacidade destrutiva: derrubaram vetos presidenciais que podem custar R$ 525 bilhões até 2040 na conta de luz.

Enquanto o brasileiro comum se debate entre o preço da carne, a conta de luz que não cabe no orçamento e a violência que bate à porta, nossos ilustres representantes se ocupam com pautas dignas de reality show. Decidiram que era uma boa ideia favorecer empresários do setor elétrico com subsídios que elevam ainda mais a conta de luz. Como se não bastasse o sufoco mensal para pagar a energia, agora teremos que sustentar também os lucros de usinas a gás que operam de forma contínua mesmo quando não há demanda.

“A carne está cara”, diz uma propaganda partidária com um digníssimo parlamentar na TV. Enquanto isso, a bancada do agro consegue aprovar bilhões em benefícios para o setor, mas hospitais públicos operam sem recursos básicos. O correto seria que os senadores e deputados, toda bancada do agro, discutir o benefício para a sociedade de tanto incentivo para o agronegócio. Atualmente, conforme dados do Tesouro Nacional, todos os anos o país gasta mais de R$ 200 bilhões, cerca de 5% do orçamento público, em subsídios para empresários do setor. Valor maior que o dinheiro reservado para investimento em educação, por exemplo. Parece que está faltando uma bancada do pobre no Congresso.

O espetáculo desta terça-feira foi deprimente. Em uma sessão marcada por “acordos políticos e interesses setoriais”, como eufemisticamente noticiaram, nossos parlamentares decidiram que fundos de investimento privados e patrimoniais não deveriam pagar os novos tributos da reforma tributária. Resultado: quem ganha mesmo são os grandes investidores, enquanto o trabalhador comum – você e eu – continuará pagando o pato.

Não contentes em favorecer o mercado financeiro, ainda derrubaram vetos à lei de eólicas offshore, criando subsídios que podem custar até R$ 197 bilhões até 2050. E adivinha quem vai pagar tudo isso? Exato: mais uma vez somos nós seremos chamados como donos da fatura salgada. Como se a energia elétrica brasileira já não fosse cara o suficiente, agora teremos que sustentar também os lucros garantidos de empresários do setor. Só para ficar claro: a proposta do governo Lula era contratar termoelétricas por demanda. Os nobres parlamentares acharam que os coitadinhos donos destas empresas sofreriam com esta medida.

E quando não estão onerando diretamente o bolso do brasileiro, aproveitam para aumentar seus próprios privilégios. Sabe o senhorzinho da propaganda partidária que reclama da carne cara? Na mesma sessão, alteraram as regras do Fundo Partidário, baseando o cálculo no IPCA desde 2016. Traduzindo: mais dinheiro público para os partidos políticos, enquanto hospitais, escolas e segurança pública padecem por falta de recursos.

O que se viu nesta semana foi um Congresso, mais uma vez, preocupado em lacrar nas redes sociais e agradar às suas respectivas seitas digitais. Votaram contra o interesse público com a mesma naturalidade com que se toma café frio em gabinete refrigerado. É impressionante como conseguem transformar questões simples em nós górdios. Parece que o prazer, para eles, é transformar tudo em guerra ideológica, em disputa de poder, em motivo para aparecer. Mesmo que páginas da biografia, quando prensada, não escape mais que uma linha de conteúdo.

E quando não estão criando tempestade em copo d’água, estão simplesmente ausentes. Quantas vezes vemos o plenário vazio durante votações importantes? Quantas comissões funcionam no improviso, sem quórum, sem preparo técnico adequado? A impressão que fica é que estamos pagando salários astronômicos para um bando de figurantes mal ensaiados.

Como disse uma vez o falecido Ulysses Guimarães: “está achando ruim essa composição do Congresso? Então espera a próxima: será pior. E pior, e pior…” Eu não sei se foi uma constatação da realidade ou uma praga. Diferente do que entoava o deputado Tiririca, pior que tá fica. E ficou porque nós deixamos. Nós votamos, reelegemos, ignoramos, achamos graça, comemoramos como um gol quando uma lacrada viraliza. E agora colhemos um parlamento que mais parece uma feira de vaidades patrocinadas por emendas do orçamento secreto. Repito: a culpa é inteira nossa, eleitores. Parece que fazemos questão de enviarmos para lá a nossa pior versão para representar-nos.

Exceções existem? É evidente que sim! Mas a maioria esmagadora trata o orçamento público como se fosse dinheiro de Monopoly. Tantos acham mais importante uma frase de efeito estrategicamente pensada por uma inteligência artificial que, com honestidade e seriedade, avaliar, propor e defender medidas que mudem a vida das pessoas.

Enquanto isso, o brasileiro médio se debate com a inflação, o desemprego, a insegurança e a falta de perspectiva. Mas nossos parlamentares preferem discutir se a banana é fruta ou se o tomate é legume. Preferem brigar por emendas parlamentares que beneficiem seus redutos eleitorais a pensar em políticas públicas de alcance nacional.

Sabe a medida proposta pelo governo Lula de proibir o uso de celulares nas escolas? Acho que deveriam ampliar o alcance para o Congresso. Os parlamentares brasileiros seriam menos barulhentos e mais assertivos no trabalho público. Quem sabe assim parassem de tuitar bobagens durante as sessões e começassem a prestar atenção no que realmente importa.

Porque, sejamos sinceros, o problema do Brasil não está mais apenas no Palácio do Planalto. Está naqueles dois prédios gêmeos que ficam do lado. Foi lá que transformaram o orçamento da União em balcão de negócios onde cada setor vai buscar seu quinhão, independentemente do impacto na vida de quem paga a conta.

O presidente, qualquer presidente, é refém do Congresso. E nossos parlamentares sabem disso. Por isso brincam de Robin Hood às avessas: tiram dos pobres para dar aos ricos, e ainda se fazem de vítimas quando alguém reclama.

Então pare com essa obsessão presidencial. O problema não é se o inquilino do Planalto é de direita ou esquerda – é quem está aprovando as contas que você vai pagar. É o Congresso, idiota! E enquanto não fizermos as pazes com essa realidade, continuaremos elegendo os mesmos incompetentes para nos representar.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

2 Comentário

  1. Parabéns ao articulista pelo artigo esclarecedor. Infelizmente essa excrecência no Congresso é fruto da estupidez coletiva.

  2. Não tem mais como culpar Bolsonaro, agora culpam o agro .
    Esta acabando os “culpados” , quando vai ser culpa do desgoverno Lula ?
    SELIC foi a 15,00 % a.a., é culpa de quem ?
    Antes era do Bolsonaro, depois do presidente do BC , e agora a culpa é de quem ?
    Já sei , do Lobo Mau , não ? Então é so Saci Pererê ? Não …é de quem então ?

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*