Opinião | Desculpe, ministro: Universidade é para todos!

imagem: Children in a Class de Nikolay Bogdanov-Belsky / Divulgação web

São tantos os assuntos para refletir que falta tempo, soltar as amarras e as emoções ao olhar para os dias que se foram. Certos temas passam, outros não dá para negociar. Chegam, balançam a estrutura, assustam e machucam. Ferem o passado, torturam o presente e aprisionam o futuro. O preconceito é, sem dúvida, um destes casos.

Eu cresci em Otacílio Costa. Quem não conhece a cidade, que é menor que um bairro de Blumenau, fica próxima ao município de Lages, no planalto serrano catarinense. Sai de lá com os meus 12 ou 13 anos de idade e, não é figura de liguagem, conheci Santa Catarina e todos os seus 295 endereços. Percorri o caminho aprendendo. Esta trilha não estaria ali, para mim, sem a promoção de um banco na faculdade.

A história, minha e de muitos, dói ao ouvir que “a universidade deveria, na verdade, ser para poucos”. Especialmente quando esta frase sai em declaração do ministro da Educação do meu país.

Conclui o ensino médio aos 15 anos de idade e, até aquele momento, era o máximo possível para todos os meus familiares. Entre os mais de 20 tios e tias, outros 100 primos e primas, fui o primeiro a cursar o ensino superior. Até os anos 2000 a faculdade era, de fato, para poucos. Não existiam cotas, bolsas ou auxílio aos menos favorecidos para dedicar-se para formação acadêmica.

Foi a primeira vez que meu nome estava em um jornal impresso, guardado até hoje entre outros recortes: a aprovação nos vestibulares que passei. Desejava, em um primeiro momento, cursar relações internacionais. Acabei em jornalismo por um destes chamados do destino. No dia que comemorei 16 anos de idade, com dinheiro emprestado por um amigo da família, paguei minha inscrição. Começava ali uma jornada que venceu as paredes do meu limite.

A educação transforma. Privilegiar apenas um grupo de poucos é atrasar a pátria, paralisar a evolução, trabalhar contra o crescimento do povo. O exemplo dos países mais ricos, de todo canto do mundo, é que somente com a prosperidade do ensino, da ciência, que a renda das pessoas cresce e as mazelas da ignorância e pobreza ficam no passado. A oportunidade de futuro para sociedade passa por amplo acesso ao ambiente acadêmico.

Para concluir a faculdade contei com a ajuda de muitos. Meus pais não possuíam condições de bancar os custos. Nós morávamos no bairro Bela Vista. Todos os dias eu acordava cedo, preparava alguns sanduíches, caminhava 9 km até o centro procurando trabalho e a noite, depois de acompanhar as aulas, retornava para casa também andando.

Nesta jornada do filho da faxineira e do caminhoneiro, surgiram os bolsas do artigos 170 e 171; o ProUni; o financiamento do Fies; CNPq; as cotas raciais e sociais. Negar as conquistas do passado é assumir o preconceito, é diminuir a esperança de um Brasil mais igual em oportunidades, é fechar as portas para um futuro de prosperidade e qualidade de vida. Educação, especial a universitária, definitivamente, não é sobre formação de mão de obra.

1 Comentário

  1. Excelente pelo texto.
    É o verdadeira uso do lugar de fala em contraponto ao uso do poder pela “moderna” elite escravagista, tão bem representada nos insanos que nos governam.

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*