Opinião | De Jesus à bunda em um “click”

Imagem gerada com IA

O verão é uma coisa maravilhosa, mas tem lá suas crueldades, como, por exemplo, derreter cada um de nós feito sorvete assim que pisamos para fora de um ambiente climatizado. Agora, sinceramente, preciso admitir: não dá para ser triste em um lindo dia de céu azul, pernas ao ar, com um copo daquela bebida gelada na mão e, quem sabe, um desfile democrático à beira-mar. Acordamos, o corpo espia pela fresta da janela o raiar do sol e, em um instante, saltamos da cama para fora da roupa, que é aquela peça mínima permitida por lei. Afinal, o calor não perdoa – liquefaz até as certezas mais firmes, quem dirá tecidos desnecessários.

Platão, aquele velho safado que filosofava sobre o amor enquanto, provavelmente, apreciava a paisagem da Grécia Antiga, dizia que amor é… tesão. Ou melhor, Eros, que, em essência, é a morada, a origem da palavra erotismo. Certamente ele nunca imaginou um Instagram. Acreditava que, para chegar ao amor divino, para alcançar a essência da vida, Eros era o intermediário entre os deuses e os homens. Ou seja, o amor era o caminho para a transcendência. Hoje, porém, o intermediário é um smartphone com 5G ou Wi-Fi. Desbloqueou a tela e lá está um feed infinito de contradições. Iluminam-se, na rede social, um versículo bíblico e uma raba rebolativa em menos de 15 segundos – do mesmo perfil… isso é incrível!

“O que significa o amor ser das coisas belas? Ou, para colocar de modo mais claro: o que deseja aquele que tem desejo pelas coisas belas? Possuí-las!” discursava Platão em “O Banquete”, sem saber que, dois milênios depois, seus conceitos filosóficos serviriam perfeitamente para explicar o comportamento de influenciadores digitais que alternam posts de culto dominical com fotos de biquíni fio-dental.

É fascinante como evoluímos. Na mesma tela em que se prega a palavra, compartilha-se a carne. Um story de joelhos dobrados em oração, outro de glúteos empinados na academia; uma passagem bíblica emocionada e, depois, um close estratégico no decote – ou, quem sabe, na sunga milimetricamente ajustada. Mais um com um textão sobre moralidade e, para fechar, um rebolado de virar a cabeça de qualquer santo. E a vida segue, nesse looping infinito entre culpa e tesão, como se o algoritmo tivesse descoberto a verdadeira essência do ser humano.

A timeline – e a curadoria que cada um faz de sua vida exposta nas redes – virou um caldeirão onde santidade e sensualidade se misturam. O sagrado e o profano coexistindo na mesma cabeça, como no desenho do diabinho e do anjinho soprando recomendações opostas no ouvido.
Mas quem sou eu para julgar? Brasileiro que sou, membro de um povo cuja maior expressão cultural envolve glitter, suor e requebrado sem compromisso. A questão aqui não é a bunda – é a hipocrisia. Nada contra as bundas ou as religiões. Uma vez ao ano, o Brasil aproveita o Carnaval para uma libertinagem gostosa, muito desinibida ao léu. Somos os mesmos que, na Quarta-feira de Cinzas, lotamos as igrejas para lembrar que “do pó viestes, ao pó voltarás” – embora o pó em questão, às vezes, tenha outros significados nos dias de folia.

Bundas de fora poderiam, aliás, ser um honroso apelido para todos nós, nascidos no Brasil. A tribo dos bunda de fora, aqueles que sacolejam e despertam o amor de Platão no mundo. A alegria, o gingado, o swing e o frescor de um bumbum disposto a sorrir para os problemas que surgem nas esquinas da vida. Somos experts em fazer o Senhor e a tentação dançarem juntos no mesmo reels.

Se você estiver em uma praia, faça a observação: que desfile mais democrático! É aquele festival de bundas para todos os gostos – bunda pra dentro, bunda pra fora, bundas esfoladas e aquelas arrebitadas. Tem bunda que é um sorriso alegre. Outras parecem a cara de um velho alemão que chupou um limão azedo. E todas elas, invariavelmente, pertencem a alguém que já postou “Bom dia! Deus no comando” às 7 da manhã.

Porque, sejamos honestos: tem gente que prega a castidade de manhã e está no quartinho escuro trocando de casal à noite. Diz que “Deus vê tudo”, mas esquece que o WhatsApp da amante também. Prega família, tradição e bons costumes no almoço de domingo e, na madrugada, está no sigilo, testando a flexibilidade de uns e outros. Com encontros discretos que rendem mais histórias que o próprio “O Banquete” de Platão.

“Esse processo é o imortal fazendo-se presente na criatura mortal”, dizia Platão, sem imaginar que a imortalidade hoje significa ter seus posts viralizando nas redes sociais. “O que é feio, de seu lado, não se harmoniza com nada que seja divino. Já o que é belo está sempre em harmonia com a divindade”, continuava o filósofo. Parece que o segredo do amor próprio, atualmente, é harmonizar nossas contradições em 15 segundos de story. Um equilíbrio entre o céu e o inferno digital, entre a virtude e o pecado, entre o terço e o rebolado. O problema não é a bunda, nem a fé, mas a incoerência de quem insiste em condenar os outros enquanto faz pior – só que escondido, ou contradizendo suas palavras em cada exposição.

Quem sabe Platão não estava certo e o amor, de fato, transcende? Talvez essa seja a busca de cada um: transcender! Uns fazem o caminho da fé, outros através da carne, e a maioria em um misto confuso dos dois – tudo devidamente documentado e compartilhado, claro, para os seguidores mais fiéis.
Amém? Curte, comenta, compartilha e… vai malhar!

Tarciso Souza, jornalista e empresário

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