Vícios nunca são bons. Acredite: tenho um punhado deles comigo para provar o que digo… É aquele exagero, uma compulsão que vai se apoderando do que resta do consciente, toma conta do ambiente e deixa, assim, qualquer um sem ar ou capacidade de avaliar – e quem é que quer ponderar algo nestes momentos!? – se ao se entregar, desfrutar, lambuzar com aquela coisa estamos, aos poucos, adoecendo. De tantos que carrego, talvez nenhum outro marcou minha vida como o automobilismo. A velocidade sempre me fascinou e, ainda criança, foram os impactos do kart que lecionaram minha coluna. Hoje, em dias de chuva, frio ou quando o corpo exige, acordo com uma dor nas costas que me lembra as consequências dos instantes de prazer.
Minhas hérnias são como medalhas de uma guerra perdida contra o tempo e o sonho. Mas, ao menos, estas eu “conquistei” honestamente e meu vício não corrompe mais ninguém além da própria esperança – nesta hora adormecida. Apenas eu e minha dor física que, mãos dadas, empreendemos a tortura da auto(in)consciência. Sempre que uma consequência de um dos meus vícios surge para lembrar o estrago que causou – da ressaca brava ao mais bobinho recado chamando a atenção –, é na frase atribuída a historiadora Emília Viotti da Costa que penso: “um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”.
Fico com a pergunta: o que é a dor física quando comparada à dor moral? Não sou destes que têm a profissão de tratar a mente humana. Mas imagino que viciados, loucamente apaixonados, ególatras e fanáticos no fundo dividem todos as mesmas angústias, sintomas e doenças. Sofrem por repetir demais a mesma substância, por amar doentiamente, sabotarem o próprio caminho e, cegamente, creditam ao outro, à causa ou à coisa o fim de todo o seu esforço.
E é pensando nisso que reflito sobre o vício mais perigoso que desenvolvemos em Santa Catarina: o de votar mal. Um vício coletivo, uma compulsão social que nos fez trocar a lucidez política pela paixão cega por candidatos que sequer conhecemos direito. Nas últimas eleições, por exemplo, a maior parte dos catarinenses votou como quem joga no bicho, escolhendo candidatos sem nem pestanejar ou pensar se eles compreendem a vida do eleitorado que fingem defender.
Ao que parece, o voto, que deveria ser ato de consciência, de análise, virou distração. Elegem-se caricaturas e depois nos queixamos da mediocridade. Ora, a democracia, como também a agricultura, não perdoa: colhe-se o que se planta. Não brotará nenhum Churchill, um Roosevelt ou uma Thatcher optando por “Tiririca’s”, “Cabeças de Filtro de Barro” e qualquer um só por ser de um partido, de direita, centro ou esquerda.
Antigamente, quando minha espinha ainda era reta, elegíamos homens/ mulheres de Estado. Talvez fosse o frescor da democracia que soprava em nossos ombros um sentimento de responsabilidade maior. Acho que o imaturo direito ao voto, que arriscava os primeiros passos, creditava a cada um a esperança na política também. Quem sabe este era o motivo de Santa Catarina mandar gente séria para Brasília naquele período. Sobram nomes da esquerda – como Ideli Salvatti –, da direita – como Jorge Bornhausen – e de centro – como Luiz Henrique da Silveira. Independentemente de você gostar ou não de suas ideologias, é inegável a contribuição para o desenvolvimento do Estado e do país. Certamente, além do elevado grau intelectual, nossos antigos representantes ao menos sabiam soletrar “projeto de lei” sem consultar o Google.
Mas antes que eu pareça um saudosista daqueles que acreditam que “no meu tempo é que era bom”, vou direto ao ponto: nós, catarinenses, parece que desenvolvemos uma amnésia política crônica. Esquecemos o que é ter representantes de qualidade e, viciados em promessas vazias e showmício barato, elegemos qualquer um que grite mais alto nas redes sociais. Hoje, trocamos a grandeza por personagens que enfeitam o TikTok e cujas as ideias não espremem nem 15 segundos de um stories. Foi-se o tempo em que enviávamos para o Congresso deputados como João Matos, por exemplo, que nos deu a Lei Nacional da Adoção. Uma lei que mudou vidas, que protegeu crianças. Sabe o que nossos deputados atuais nos deram? Likes no Instagram e vergonha alheia.
A PEC da Impunidade e a Lei da Anistia, votadas nesta semana, são exemplos perfeitos dessa decadência viciante. Nossos representantes, com a mesma naturalidade com que eu acelero demais numa curva mesmo sabendo que minha coluna vai cobrar depois, votaram para transformar o Brasil em um narco-estado. E o pior: vão dormir tranquilos, achando que fizeram um bom trabalho. Pelo menos quando eu exagero na velocidade, só prejudico minha própria coluna. Quando eles votam mal, prejudicam o país inteiro.
É impressionante como conseguimos eleger pessoas que parecem não entender nada… nem mesmo a vida que levamos. Marco Aurélio, o imperador estoico, dizia: “em suas ações, não procrastine. Em sua vida, não foque apenas no trabalho”. Nossos parlamentares parecem ter entendido ao avesso, procrastinando sempre o que deveria ser o trabalho deles – pensar em melhorar a situação do povo – e concentrando toda a vida em proteger os próprios interesses.
Surpreendente é que me contorço inteiro, minha coluna dói, por todo o esforço que faço para sair da cama e conquistar novas hérnias correndo atrás de sonhos – como você e tantos outros fazem por ai –, enquanto os parlamentares se divertem em um picadeiro, equilibrando palavras para explicar por que votaram contra o combate à corrupção e a favor de quem foi condenado por crime. A diferença é que minha dor tem origem em algo que me dava prazer – a velocidade, a adrenalina. A deles, chamada “falta de vergonha na cara”, bom, acho que você já entendeu.
Insisto uma última vez, prometo: Santa Catarina merecia parlamentares da estatura de sua economia, de sua educação, de seu desenvolvimento. Pessoas com capacidade de sustentar uma conversa decente sobre os problemas reais do Estado.
Mas ei, pelo menos minha dor nas costas me ensinou uma lição valiosa: às vezes, para melhorar, é preciso parar de fazer os mesmos movimentos errados. Quem sabe, caro conterrâneo eleitor catarinense, possamos aprender com isso em 2026? É preciso, viu? Antes que tudo fique mais complicado e que nossa representação política precise de uma cirurgia de emergência. Até lá, seguirei reforçando meu anti-inflamatório e torcendo para que, na próxima eleição, o povo use a cabeça em vez do “dedo podre” na urna. Afinal, já basta ter que aguentar a dor nas minhas costas – não preciso aguentar também a vergonha de quem me representa em Brasília.
Tarciso Souza, jornalista e empresário





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