A celeuma causada pela pré-candidatura do vereador carioca e filho do ex-presidente Jair Bolsonaro ao Senado por SC, oferece uma análise de antropologia política. Há os que defendem, há os que são contrários, gerando uma inusitada divergência entre pessoas que pareciam uníssonas em suas escolhas políticas. Entretanto, o caso fez emergir um elemento essencial do conservadorismo: o sentimento, um fator irracional que não cabe em argumentos racionais, mas distingue o conservador autêntico do performático.
Aparentemente simples, o fato desencadeou reações intensas, muito além da esfera partidária. Parte significativa dos catarinenses reagiu contrariada, invocando um sentimento de orgulho e pertencimento territorial, típico das comunidades que se reconhecem como portadoras de identidade exclusiva, o que, bem no fim, é comum em todo lugar. É a mais pura expressão do conservadorismo, enraizado no amor à pequena pátria.
Já os defensores da candidatura argumentam em nome de um projeto político nacional, mais especificamente, da consolidação de uma bancada conservadora no Congresso. Para esses, a origem geográfica do candidato seria irrelevante diante da fidelidade ao ex-presidente e à pauta política que ele representa. Haveria um projeto e um bem maior, acima de todos. É a mais clara expressão do progressismo, por inconsciente que seja.
Em termos de pensamento político, emerge um curioso paradoxo. Os que defendem a candidatura em nome de um “projeto nacional conservador” ignoram que não há nada mais conservador do que o sentimento de enraizamento, de apego à comunidade local, com seus laços consuetudinários geradores de confiança e fidelidade. A fidelidade está relacionada à comunidade e não à veneração a um líder. Consciente ou não, quem despreza esse aspecto expressa um universalismo que ignora a essência do conservadorismo.
Na tradição clássica de autores como Edmund Burke e Alexis de Tocqueville, o conservadorismo genuíno não nasce de programas nacionais nem de estratégias centralizadas, mas de sentimentos comunitaristas, afetivos e irracionais, como o amor à terra, à tradição, à família e aos costumes locais. Burke via a sociedade como um tecido orgânico de pequenas lealdades. Tocqueville, por sua vez, afirmou que a força dos Estados Unidos estava no vigor das comunidades locais, não em discursos de unidade ideológica abstrata, muito menos em lealdade canina a um líder carismático.
Dito de outro modo: o conservadorismo autêntico não é ideológico, nem personificado em liderança. É vivencial, sentimental e, neste aspecto, é irracional, não cabendo no racionalismo progressista, típico da esquerda, conquanto também existente na direita, desde o positivismo. O conservadorismo não é um projeto, como foram o comunismo e o fascismo, ou até mesmo a contemporânea social-democracia. Ele se origina espontaneamente da história, da cultura e da experiência concreta das pessoas em suas localidades.
O conservadorismo é simplesmente o oposto da mobilização racionalista de um projeto político e desarraigado das origens. A ideia de um “objetivo maior” é o desapego às origens é justamente o que caracteriza tanto o progressismo quanto o conservadorismo performático que hoje se expressam no culto à figura do líder. Nesse sentido, é bom lembrar que a maioria dos catarinenses não votou em um líder carismático – enquanto Bolsonaro o seja. Do mesmo jeito que muitos Brasil afora votaram em Lula por exclusão, a maioria dos catarinenses votou em Bolsonaro por exclusão – leia-se: contra Lula.
O sentimento de pertencimento territorial, que muitos julgam “atrasado” ou “provinciano”, é, na verdade, a raiz antropológica da identidade conservadora. Está na base do respeito às tradições, na valorização das pequenas comunidades e na resistência ao cosmopolitismo indiferente. Ignorar isso é contrariar o espírito que se pretende defender. Diferente de ser uma plataforma nacional, o conservadorismo é um modo de estar no mundo e de preferir uma conversa de cerca ao invés de receber um estranho em casa. E a fidelidade não é ao líder, mas à comunidade que ele quer conservar. Se ele perde isso, se aliena, perde o orgulho. E, como dizia um filósofo alemão: onde não há orgulho de ser, não há o que fazer”.
Em suma, quem minimiza o sentimento de pertencimento local, em nome de um projeto político centralizado, pode se entender conservador — mas fala a linguagem dos progressistas que pretende combater.
Por convicção liberal, não sou contra a candidatura de um forasteiro. Quem deve decidir é o conjunto de eleitores. Todavia, compreendo as posições dos que rejeitam tal candidatura, porque vejo nesta simples expressão o que é o conservadorismo na sua essência, que é a veia comunitarista herdada dos antepassados. Vejo nos defensores de uma candidatura alienígena certo distanciamento do orgulho de ser e um apego ao “grande líder”, em nada, absolutamente, nada distinto do que os apegados ao “grande líder” do lado oposto.
Bem no fim, um aspecto que distingue o conservadorismo autêntico é o apego à história e às tradições que a sedimentam no longo tempo. O espírito coletivo catarinense está fincado em Santa Catarina profunda, baseada na pequena propriedade rural, na ética do trabalho, no cooperativismo e no empreendedorismo: é nosso capital social. E isso não encontra semelhanças numa candidatura alienígena, justamente da cidade do Rio de Janeiro, de onde se originaram todas as mazelas da história política brasileira, do extrativismo patrimonialista cuja máxima é viver às custas alheias. Xispa, lagarto.
Penso no posicionamento da FIESC -Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina, em carta aberta intitulada “Santa Catarina não precisa importar candidatos para representá-la”. No mesmo tom foi certo editorial do Jornal NDMAIS. Então, me lembro de um tempo em que a voz do empresariado era lei e respaldada pela imprensa. Era um tempo elitista, outro traço do conservadorismo, um tempo de respeito à autoridade. Hoje cada indivíduo é dono de suas verdades; é tempo de democracia, do jeito que a compreendemos nas redes sociais. Serão elas que nos mostrarão o quanto o catarinense é genuinamente conservador? As urnas dirão.
Walter Marcos Knaesel Birkner, sociólogo, autor de Sociologia produtiva: BNCC, desenvolvimento e interdisciplinaridade. Fpolis, Editora Arqué, 2024.
Canal no Youtube: SC Think Tank






Seja o primeiro a comentar