Opinião | Brincando nos Campos do Senhor

Foto: reprodução

O filme “Brincando nos Campos do Senhor” (1991) do diretor brasileiro Hector Babenco conta a história de um casal de missionários americanos que se embrenham na selva amazônica para catequizar os povos originários. Na trama, que é baseada no livro Peter Matthiessen, há tudo o que assistimos no último final de semana com a revelação da tragédia que caiu sobre os Yanomamis em Roraima.

Militares corruptos, líderes religiosos maniqueístas, presunçosos e portadores da “verdade”, além de mercenários que exploram as riquezas da região. É claro, que assim como a realidade do caso dos Yanomamis, os personagens dos filmes por vezes se confundem e se misturam na intenção e consequência dos seus atos. Nem sempre é a defesa da pátria ou da mensagem do cristianismo que motivam suas presenças na região.

Segundo as notícias do final de semana, somente no mês de janeiro deste ano, 99 crianças morreram em 2022 por conta do garimpo ilegal na região. Estima-se que nos últimos quatro anos foram pelo menos 570 crianças mortas. Resultado da fome, desnutrição e contaminação por mercúrio. As cenas reveladas pela imprensa, assemelham-se a um genocídio. Corpos esqueléticos sem capacidade física de sustentar-se de pé.

A similaridade entre a arte e a vida, neste caso, dá-se a política que o governo Bolsonaro impôs aos povos tradicionais e dos direitos humanos durante o seu governo.  O próprio Jair Bolsonaro, em suas diversas declarações públicas sobre o assunto, reverberava as crenças presentes ainda na ditadura militar.  De inspiração positivista, a prioridade não era a proteção da cultura e dos povos originários. Mas, a conversão do índio em trabalhador. Um processo considerado “civilizatório” em que índio integrado a cultura urbana e se converte em mão de obra.

Nos corpos frágeis dos indígenas de Roraima, as digitais de uma associação entre uma ação ideologicamente guiada para o extermínio com a terceirização de uma política de estado para interesses privados. Seja por conveniência ou ideologia.  A proteção dos indígenas era a responsabilidade do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, liderado por Damares Alves, pastora evangélica e agora senadora. Segundo o Jornal O Globo, durante os últimos quatro anos, uma ONG evangélica chamada Missão Caiuá recebeu do Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena R$ 872 milhões. Dizem eles que o lema da organização é “ estar serviço do índio para a glória de Deus.”  Outro responsável pela situação é o ex-vice-presidente da República e agora também senador Hamilton Mourão. O general da reserva era o coordenador do Conselho Nacional da Amazônia Legal, órgão responsável pela fiscalização e monitoramento da região.

Perdoem o spoiler, mas assim como no drama revelado no final de semana, o final na obra de Hector Babenco é o extermínio físico e cultural dos povos originários. Um preço caro pago pelos verdadeiros donos da Ilha de Vera Cruz. Para estes, o cristianismo por aqui pregado foi uma maldição.


Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*