Opinião | A conta que ninguém te conta: mas todo mundo faz

Imagem gerada com IA

Existe uma matemática que ninguém ensina na escola. Nem mesmo os mais empoeirados livros de história política dignam-se a revelar este segredo. Estas contas também não aparecem nos debates de TV, manchetes de jornais, sites e grupos de zap. É uma matemática silenciosa, quase obscena na sua transparência e, justamente por isso, invisível aos que dedicam os dias as coisas comuns, longe da “tara” eleitoral.

Para a sobrevivência partidária, porém, a fórmula precisa estar na ponta da língua de todos – dirigentes e candidatos – e os votos, garantidos na urna. É o quociente eleitoral. Algo fundamental para conquistar a vitória desejada. Aquela equação meio mística que decide quem vai morar em Brasília, ou em Floripa, e quem vai voltar a vender curso na internet com dancinha no TikTok.

Faltando um ano para as eleições de 2026, enquanto cidadãos comuns ainda ensaiam suas justificativas morais para votar em A ou B (ou para não votar em ninguém), os partidos avançam em seus cálculos. Não estou fazendo referência a soma de forças ideológicas, de ideias para Santa Catarina ou Brasil… falo das existenciais. Afinal, a conta é simples e muito cruel para os apaixonados por uma legenda, partido que não elege deputado federal não existe. Traduzindo, se ainda não entendeu, é que sem formar uma bancada legislativa não há fundo partidário, nem tempo de TV. Sem isso o que sobra ao político de estimação é um banquinho, um megafone e importunar as pessoas nas praças. Como brinquei nesta semana com um amigo (as aspas são pela literalidade da frase), “quem não coloca o traseiro em uma cadeira na Câmara, senta no chão da política”.

Porque deputado é igual a dinheiro. Não no sentido vulgar — embora também seja. Ter um bom número de representantes oferece à sigla partidária o poder de barganha no Congresso e na Assembleia. É também ter acesso às pornográficas emendas parlamentares e indicações em ministérios, empresas públicas e secretariado. Um parlamentar carrega algumas dezenas de pessoas grudadas a ele – e não apenas na cota de gabinete.

A democracia brasileira é movida a números, e os partidos sabem disso. Eles fazem suas contas, e nós, os eleitores, precisamos entender o funcionamento para a escolha consciente. Gostando ou não, alguém vai se eleger, não é? E a imagem ventilada a todos é de uma política romantizada como embate de ideias, de disputa de projetos de país e confronto de visões de mundo. Pode, perifericamente, bem nas bordas da pizza, nos discursos, nos textos como este, até ser verdade. Mas, no núcleo duro, no miolo pulsante da máquina, política é aritmética eleitoral pura e aplicada na urna.

Eis a conta que ninguém te conta, mas todo mundo faz. Até 2022, para conquistar uma vaga legislativa, o partido precisava alcançar 100% do quociente eleitoral, enquanto o candidato mais votado dentro da legenda precisava ter ao menos 10% desse quociente. Caso isso não acontecesse, ainda havia a chance das chamadas “cadeiras pela sobra”: nesse cenário, bastava o partido atingir 80% do quociente para poder disputar as vagas que sobravam. Por exemplo, se o quociente fosse de 80 mil votos, um partido que tivesse feito 160 mil votos elegia dois deputados direto. Se chegasse a 200 mil e sobrassem 40 mil votos, poderiam puxar mais um candidato — desde que ele tivesse pelo menos 8 mil votos, os 10% exigidos até então e estes votos que “sobraram” ser o maior entre todos na disputa.

Desde 2024, a regra mudou e para 2026 ficou ainda mais rigorosa: agora, cada candidato precisa alcançar ao menos 20% do quociente eleitoral, e o partido continua precisando atingir o quociente completo. Usando o mesmo exemplo, com quociente de 80 mil, um candidato que tivesse 16 mil votos não garante nada se a legenda não bater os 80 mil. Mas, um partido com 200 mil votos poderia eleger dois deputados, sobrando 40 mil — que poderia puxar mais um desde que o terceiro tenha atingido no mínimo 16 mil votos (20%). E as sobras eleitorais, que antes restringiam a disputa a partidos que atingiam 80% do quociente e candidatos com 20%, agora podem envolver todos os partidos, graças à decisão do STF em 2024.

Confuso? Pois é. Eu também acho. Mas, a tendência é que as grandes siglas partidárias fiquem ainda mais fortes, dominando o Congresso e Assembleia Legislativa. Já os partidos médios e pequenos devem caminhar para fusões, federações ou torcer para milagres. Porque a democracia representativa brasileira funciona em uma lógica que raramente é explicada ao eleitor: você vai à urna votar no presidente, mas antes precisa votar nos deputados federal e estadual. E aí, com o nome do presidenciável ainda fresco na memória, você digita os dois dígitos do partido, vota direto na legenda, ou escolhe aquele candidato que é o primeiro da lista proporcional colada na sessão eleitoral.

E não é folclore de eleição. De certa forma é uma engenharia social, um “efeito arrasto”, que carrega um punhado de desconhecidos pela proximidade com o número, nome ou ordem na lista do popular candidato a presidente.

Quer um exemplo? Até 2022 o PL era um partido médio que no pleito anterior havia somado pouco mais de cinco milhões de votos para deputado federal no país inteiro. Aí Jair Bolsonaro virou candidato à reeleição pela sigla. O resultado? Bom, foram 18 milhões de votos totais — somando votos de legenda e nominais para candidatos. Um acréscimo de praticamente 13 milhões, fazendo da sigla a maior bancada da Câmara dos Deputados. Em Santa Catarina, o reflexo foi cristalino: 6 das 16 cadeiras de deputado federal. Caroline de Toni sozinha fez 227 mil votos. Na Assembleia Legislativa, 11 das 40 cadeiras. A maior bancada estadual.

Enquanto o PL explodiu em todo Brasil, o PSDB implodiu, destruindo o próprio ninho. Em 2018, ainda com algum protagonismo nacional, os tucanos conseguiram mais 5,5 milhões de votos para deputado federal. Na última eleição presidencial, a sigla optou por abrir mão de lançar candidato a presidente. Colheu uma acachapante derrota na disputa proporcional. Os votos na legenda despencaram para 2,6 milhões. Praticamente 3 milhões de votos a menos.

O MDB, esperto, ocupou o espaço. Cresceu 2,4 milhões de votos entre 2018 e 2022. E aqui está outra conta que ninguém conta. Assim como o PL atraiu o Bolsonaro para disputa da presidência, o MDB chamou a atenção do eleitor com o nome de Simone Tebet no palanque presidencial. E palanque, meu amigo, é vitrine… destas parecidas com de um shopping que vive o movimento de dezembro, que vende muito bem. Partido que não disputa cabeça de chapa vira coadjuvante da própria história.

E esta é a matemática que boa parte dirigentes partidários estão dedicando horas com pedras de gelo no whisky, charuto bom e a cabeça fumegando de cálculos. Imaginar o que acontecerá no Brasil e em Santa Catarina daqui a um ano é um desafio e tanto. Diria o mineiro Magalhães Pinto: “política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”. E para 2026 tudo indica que o tabuleiro mudou.

Vamos pensar no nosso Estado. Caroline de Toni não deve concorrer à reeleição. Jorge Goetten, que em 2022 somou quase 160 mil votos, deixou o PL e migrou para o Republicanos, que está construindo uma chapa robusta. Gilson Marques, do Novo, deve tentar o Senado. Carmen Zanotto, do Cidadania, é prefeita de Lages e não volta. O MDB encolheu muito em 2024 nas eleições municipais, perdendo prefeituras, vereadores, capilaridade na base e não deve contar com Carlos Chiodini na disputa. O PT cresceu e contará com o presidente Lula fortalecido puxando votos. O PSD atraiu nomes fortes, e deve lançar candidatos a presidente e governador. Palanque duplo que contribui para o fortalecimento da legenda. União Brasil e PP estão federados, o que, na prática, significa que operam como um único organismo no sistema proporcional.

Olhando assim, com a distância necessária para evitar que paixões contaminem a bola de cristal, poderia arriscar uma projeção para o ano que vem. Claro, muita água passará por debaixo desta ponte. Mas, parece fácil palpitar que o PL vai brigar até o fim para manter um Bolsonaro na chapa presidencial, nem que seja Eduardo, Michelle ou Flávio. Porque partido sem palanque corre o risco de definhar, perder poder e muito dinheiro.  O motivo é o mesmo para acreditar que o PSD deve lançar Ratinho Jr. ou outro nome forte à presidência, mesmo sabendo que não vence Lula. Porque o palanque nacional não serve só para vencer, mas para sobreviver politicamente. Outros partidos, como o Republicanos, PP e União também compreenderam que, sem lançar um nome para disputar a presidência, o caminho é unir esforços para viabilizar nominatas proporcionais relevantes.

Assim, esticando o olho no exercício de futurologia, acredito que a distribuição das 16 cadeiras federais de Santa Catarina devem ficar mais ou menos assim: PL: 3 ou 4 cadeiras; PSD: 3 ou 4 cadeiras; Republicanos: 2 cadeiras; PT: 3 ou 4 cadeiras; MDB: 1 ou 2 cadeiras; União/PP: 2 cadeiras; Outros, como PSDB, Cidadania, Novo, Podemos, PSol, PSB: 0 ou 1 cadeira.

E na Assembleia Legislativa? Ah, na Alesc a matemática fica ainda mais interessante porque o palanque estadual pesa e muito. O candidato ao governo do Estado que mobiliza a base arrasta toda a chapa. Eu projeto que as 40 cadeiras estaduais devem ficar assim: PL: 7 a 9 cadeiras; PSD: 7 a 9 cadeiras; Republicanos: 4 a 5 cadeiras; PT: 5 a 6 cadeiras; MDB: 3 a 4 cadeiras; União/PP (federação): 6 a 8 cadeiras; PSDB/Cidadania: 0 a 1 cadeira; Outros (Podemos, PDT, Novo, PSOL, etc.): 0 a 2 cadeiras.

Minhas contas fazem sentido? Ou é devaneio? Em 12 meses, saberemos.

Talvez o mais inquietante não seja que os partidos façam essas contas, mas que a gente finja que não fazem. É claro, tudo fica muito mais fácil e gostoso de acreditar quando a versão romântica é soprada nos ouvidos. Sabe a narrativa edificante, a ideia de que política é campo de enfrentamento de ideias quando, no fundo, sabemos que é uma batalha suja de dedo (não pense besteira) em riste e cadeiras na mente? Como disse, a matemática invisível da democracia não é bonita, não encanta, nem chama de meu louro. Mas é o que é! Real, implacável e definidora dos rumos do poder. Ignorá-la não a torna menos verdadeira, apenas nos torna mais ingênuos.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

1 Comentário

  1. O importante é que o TSE e STF não participem das eleições, talvez assim tenhamos eleições justas , talvez assim não ouviremos novamente “Missão dada, missão cumprida ” ou até “Derrotamos o Bolsonarismo”.
    O importante é que tenhamos a verdadeira democracia e não a democracia relativa que temos desde 2022 . Evo Morales já caiu , quiçá o Brasil tenha a mesma sorte .

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