Opinião | A bola oito – parte II: o capital humano

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Dias atrás ouvia dois jornalistas da CBN nacional tentando responder a uma pergunta constante no ar: afinal, o que acontece em Santa Catarina, que tanta valorização do metro quadrado (m2) é essa?! Duas semanas após, matéria no Estadão trazia a mesma indagação. Nos dois casos, as tentativas de explicação são lacônicas, revelando que o Brasil pouco se conhece. Creio seja possível oferecer várias interpretações, demonstrando que não se trata de mais uma “bolha”, nem da “bola da vez”, como se aventou ali. Antes de tudo, a resposta está nos índices, mas, abaixo do solo, a primeira elucidação pressupõe o capital humano, até que outra pergunta surja.

Ora, quanto aos índices, nossos jornalistas do eixo Rio-São Paulo-Brasília não deveriam ignorá-los, porque são um retrato quantitativo da realidade, servindo de base à análise. Quando alguém pergunta o porquê, o outro deveria ter algo em mãos ou na cabeça. Aí um repórter diz que o m2 é mais caro porque tal jogador tem apartamento lá, o outro diz que é pela facilidade de acesso (sic), o especialista no ramo imobiliário diz que é porque o estado está se desenvolvendo. Ora, tudo isso é meio óbvio ou redundante. É preciso saber o que explica essas pseudo explicações?

Dezenas de índices de desenvolvimento: é isso que atrai investimentos, pessoas e encarece o m2, velha lei da oferta e procura.  Boas taxas de escolarização, melhores condições de segurança, maior índice de resolução de crimes, menores taxas de desemprego, maior índice de carteira assinada, menor índice de desigualdade, maior participação da indústria no PIB, alta renda per capita, maior número de startups, de empresas de TI, maior desconcentração de renda, melhores índices de inovação e essa lista vai longe, podendo terminar com o melhor índice de capital humano do Brasil.

Veja-se.

Capital humano existe em todas as sociedades. Mais: é possível potenciá-lo em qualquer lugar, desde que os policy makers decidam apostar nas crianças e nos adultos, com apoio e pressão da comunidade ou sociedade conscientes ou “acordadas” sobre isso – Acorda, Brasil! Também está claro que sua presença varia de país a país, região a região, estado a estado. Sua intensidade determina a capacidade competitiva. Nesse quesito, o ranking de competitividade do Centro de Liderança Pública (SP) indica que Santa Catarina está em segundo lugar no Brasil, atrás de São Paulo:

Veja-se.

Capital humano diz respeito às competências e habilidades constituídas por educação formal, permanente e profissional, inteligência, saúde, disciplina, pontualidade, lealdade, confiabilidade, cooperação básica, respeito hierárquico, entre outros tantos. São ativos que o trabalhador incorpora ao longo da vida e são valorizados por empresas, governos e sociedade em geral. Além disso, é o fator que potencia trabalhadores a serem empreendedores e futuros empresários. É um fator pouco tangível, mas reconhecido como sucesso pessoal e aumento de produtividade nas organizações.

Em um livro da jornalista alemã Sylvia Nasar, intitulado A imaginação econômica, Cia das Letras, 2012, a autora demonstra que, com toda a miséria urbana da revolução industrial descrita por Charles Dickens, em Oliver Twist, duas coisas salvaram o capitalismo no século XIX. Nos interessa uma delas: a percepção originalmente dos capitalistas ingleses de que o investimento na instrução dos operários e na educação de seus filhos aumentava a produtividade. Era o prenúncio de um conceito chave ao desenvolvimento econômico.

Na década de 1960, o economista estadunidense Gary Becker publicou seu clássico Human Capital, desenvolvendo a teoria do conceito homônimo. Ele dizia que indivíduos podem ser vistos como capazes de investimento em suas próprias habilidades, da mesma maneira que empresas investem no seu capital físico. Naquela década, havia uma pergunta constante no ar a respeito de “afinal, como os países derrotados na Segunda Guerra Mundial haviam se recuperado tão rapidamente?” Ela foi respondida pelo conterrâneo de Becker, o economista Theodore Schultz: era o capital humano.

Pergunte-se aos economistas, eles têm mais facilidade em responder: não é o capital físico, não são os recursos naturais, nem as belas praias e montanhas, que encontramos tão ou mais belas que as nossas. A causa elementar e hoje mensurável da valorização do m2, como do crescimento econômico e do desenvolvimento do estado é o capital humano. Onde for expressivo o percentual de estudantes e trabalhadores que despertam e aprimoram suas habilidades e competências, o resultado será o empreendedorismo, a produtividade, a competitividade e a inovação.

É só procurar essas comprovações com a lupa da estatística e tudo se evidencia. Procurem-se os índices de investimento em infraestrutura, sustentabilidade social, segurança pública, educação, inovação, eficiência da máquina pública e mais uma dúzia de índices correlatos, inclusive de capital humano, e Santa Catarina estará no pódio, invariavelmente.  Quando, portanto, um jornalista do eixo Rio-São Paulo-Brasília quiser responder por que cidades catarinenses contém os m2 mais valorizados do Brasil, deve procurar a resposta nos índices.

Os índices revelarão porque investidores, moradores e trabalhadores, brasileiros e estrangeiros, preferem vir e investir aqui, fazendo comprovar a infalibilidade da lei da oferta e procura. Sabendo disso, jornalistas do Brasil a fora, encontrarão as respostas que procuram. Pra além disso, cabe aos cientistas sociais cavarem o solo. Nessa lida, sociólogos, antropólogos, cientistas políticos, economistas, geógrafos, historiadores, administradores, até mesmo psicólogos devem se perguntar e responder no que consiste o húmus que habita esse jardim de índices ao longo do tempo.

E o primeiro elemento a ser encontrado nessa química orgânica é o tema deste artigo. É o que explica, sem dificuldades de entendimento, porque o estado cresce e porque, apesar das dificuldades de um pacto federativo injusto e extrativista, ainda assim aumenta a sua participação no PIB nacional, valoriza exponencialmente o metro quadrado de suas cidades e atrai imigrantes de todos os cantos, como revelam os dados do último censo do IBGE. Respondido isso, cientista que se preze deve desafiar-se a lançar nova pergunta ao ar: o que explica o capital humano? É o que pretendemos responder no próximo artigo desta série.

Walter Marcos Knaesel Birkner, sociólogo

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