Opinião: 2020 o ano que não vai acabar

Imagem: reprodução

Dizem por aí que prefeitos ao redor do mundo cancelaram os festejos de réveillon deste ano. Os rituais públicos de comemoração de final de ano remontam ao povo Mesopotâmio.  Um ritual de passagem marca o fim de uma estação ou o reinício da contagem do tempo.  Rememoramos as conquistas do período que finda e nos enchemos de esperança com o ano que se inicia. É característico desta época fazermos retrospectivas das conquistas e frustações vividas durante os 365 últimos dias. Os meios de comunicação também se dedicam a eleger os principais acontecimentos – um ritual que se repete a cada ano. No ano seguinte já esqueceremos os fatos narrados e as vitórias contadas.

2020 parece ser diferente. As futuras gerações olharão para o retrovisor e apontarão como o ano que de fato inaugurou o século XXI.  A silenciosa e mortal peste nos impôs um ano sabático. A atividade econômica global de repente se viu forçada a parar. Apreendemos uma palavra nova: “lockdown”. E, em confinamento, pudemos finalmente ouvir o silêncio do planeta. Em março, no auge das medidas de isolamento, pesquisadores do Observatório Real de Bruxelas, na Bélgica, apontaram um fenômeno de redução do ruído sísmico terrestre. As razões apontavam para a diminuição na circulação de pessoas e, principalmente, de veículos; que fizeram com que as vibrações e pressões sobre a crosta terrestre reduzissem.

A reclusão também possibilitou que espécies não humanas, algumas consideradas silvestres, ocupassem o espaço urbano e invertessem a tradicional lógica do turismo. Lugares que a urbanização reservou apenas aos humanos foram repentinamente ocupados. Agora, enquanto os humanos sentiam-se enclausurados e observados de suas janelas, os visitantes inesperados gozavam de uma liberdade invejável.

A COVID também escancarou os mecanismos de produção das desigualdades do capitalismo financeirizado.  Em nosso país, o preço dos alimentos foi às alturas, a fome espalhou-se para milhões de lares brasileiros. Segundo a ONU, a pobreza extrema dobrou de tamanho, de 5% para 9,5% da população.  Em termos técnicos, vivem na pobreza extrema as pessoas cuja renda é menor que US$ 67 por mês. Contudo, como efeito perverso da desigualdade, no mesmo período, 73 brasileiros aumentaram suas fortunas em US$ 48,2 bilhões.

Apreendemos que a saudade é um sentimento vivo.  Que uma imagem reproduzida em uma tela de celular ou de computador não guarda o calor de um abraço. Apreendemos que uma quarentena pode durar 15 dias, mas que faz parecer uma eternidade quando estamos separados de quem amamos. E por falar em solidão, 2020 foi o ano que o papa rezou sozinho na praça São Pedro e que pediu para que os céus iluminassem os cientistas. Foi o ano em que aquele que foi definido por Eduardo Galeano como o mais polêmico dos deuses, nos deixou.

Lutamos contra a ignorância e o sentimento de anticiência, enquanto as florestas ardiam em chamas. O conceito de necropolitica se materializou e ganhou rosto de governos e presidentes. Escancarou-se que o obscurantismo e o fanatismo religioso, quando transformado em ferramenta política, viram armas de eliminação em massa. Apreendemos e ensinamos de forma remota, e reaprendemos hábitos simples, como cozinhar e cultivar uma horta, ou ao menos cuidar de uma planta. Enfim, os últimos meses mexeram com nossos conteúdos por completo e seu impacto não vai terminar à meia noite do dia 31 de dezembro.  Não esqueceremos tão fácil.

Que venha o próximo período….

 

3 Comentário

  1. “O impacto não vai terminar à meia noite do dia 31 de dezembro”. Simples assim.

  2. O interessante é que o povo vai perceber que queima de fogos no final de ano , não muda a vida de ninguém .

  3. Bons comentários…..Não iremos apenas virar a página…toda esta situação ainda irá perdurar em decorrência de uma população inconsequente e mesquinha…..

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