Conselho de Cultura de Blumenau se posiciona contra loja da Havan no Centro Histórico

Imagem: reprodução

recente decisão do Conselho Municipal do Patrimônio Edificado (Cope) sobre o projeto de construção de uma loja da Havan no Centro Histórico de Blumenau continua repercutindo. Agora o Conselho Municipal de Políticas Culturais se posicionou contrário à construção em uma postagem nas redes sociais.

Obs.: Essa moção do Conselho de Cultura foi feita antes da primeira reunião do Conselho Municipal do Patrimônio Edificado (Cope).

Confira na íntegra:

A Plenária do CMPC, em sua Segunda Sessão Ordinária, realizada no dia 18 de março de 2021, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 833 de 13 de dezembro de 2011, pelo Decreto nº 11.078, de 07 de outubro de 2016 e pela Portaria nº 20.559, de 10 de março de 2017, e considerando que tramita a aprovação de um projeto para a construção de uma nova loja da rede Havan na região do Centro Histórico, local onde encontram-se edificações e inestimável valor histórico cultural, sendo estas reconhecidas como Patrimônio Cultural Edificado, viemos através desta moção nos posicionar contrários à proposta apresentada, visto que, conforme motivos abaixo descritos, o impacto que a nova edificação irá causar na paisagem e na configuração urbana espacial é imensurável.
Sendo o Centro Histórico a região ocupada pelos imigrantes no início da colonização, ali temos o registro da primeira intervenção urbana com a criação do porto, da praça, da via comercial e com a igreja no topo do morro. Esta configuração também levou em conta a excepcionalidade do sítio paisagístico, a marcante presença do Rio Itajaí-Açú e do relevo montanhoso que deram forma à cidade. Esta relação ordenou a ocupação e fez com que o sítio histórico se desenvolvesse conservando características únicas e elementos de grande valor na paisagem. As características deste traçado ainda permanecem, embora com intervenções que não valorizam a área.

As edificações presentes no Centro Histórico representam diferentes momentos históricos que permitem compreender os processos de evolução urbana da cidade e de sua arquitetura. Logo após os primeiros anos de formação da colônia, os ranchos de madeira foram sendo substituídos pelas edificações construídas com a técnica enxaimel. E conforme a cidade se desenvolve, as edificações adquirem outras características, estas já relacionadas com movimentos arquitetônicos internacionais (como art déco, por exemplo), assim como outra escala e funções para atender às novas demandas da cidade.

Na região temos um importante conjunto arquitetônico que representa a evolução urbana da cidade e que posteriormente foi reconhecido pelo seu valor histórico, cultural e arquitetônico, através do tombamento individual das edificações nas esferas federal, estadual e municipal. Recentemente, em 2018 foi aprovada a Lei nº 8.464 de 16 de fevereiro de 2018 que cria o Museu de Rua do Centro Histórico de Blumenau.

O reflexo da interação entre sociedade, natureza e o ambiente físico resulta na paisagem cultural e são testemunhos desta relação evolutiva. Sendo assim, toda intervenção deve refletir os conceitos da época em que ela é projetada, de forma a coexistir com o legado pré-existente e transmitir os valores para as gerações futuras.

Os elementos paisagísticos da região quando observados em conjunto, somado às intervenções arquitetônicas e urbanas, configuram a paisagem característica da colonização de Blumenau, atribuindo identidade e valor paisagístico à cidade. Tal singularidade traz um importante potencial turístico, cultural e de lazer para a região, reforçando o sentimento de Vale, com sua mata exuberante, cidade limpa, harmoniosa e relembrada por todos como cidade jardim. Estas características ressaltam a iminente necessidade de preservação da paisagem e do meio construído em harmonia entre natureza e cidade, reforçando os valores intrínsecos da memória coletiva, afetiva, da orientação espacial do morador do vale, que se orienta e constrói sua imagem da cidade entre os morros e os rios.

A leitura e compreensão destes elementos afirma o valor paisagístico, e considera-se que qualquer elemento que venha a desfigurar ou bloquear a continuidade interferindo no horizonte natural, deve ser profundamente analisado. Pois os impactos visuais gerados dificilmente são passíveis de recuperação, como é o caso do Edifício América. É necessário atentar-se para não perturbar vistas importantes, de maneira a respeitar o conjunto paisagístico existente na inserção de novos elementos construídos, controlando a ocupação de maneira que agreguem valor para ao local.

A escala edificada quando próxima aos bens tombados, é de extrema importância para valorização do patrimônio, sua harmonia e ambiência com o meio. Isto infelizmente fica mais claro quando nos deparamos com relações conflituosas de escala, porém já edificadas, como o Edifício América, por exemplo.

Edificações desproporcionais ao conjunto histórico edificado contribuíram para a desvalorização do patrimônio assim como na descaracterização do sítio histórico nas redondezas de onde se inseriram. Em áreas de relevância histórica e cultural, o patrimônio é uma condicionante para novos projetos e compreender a dinâmica do local é primordial para que as intervenções futuras venham a valorizar a região e se integrar com os edifícios existentes.

Através desta análise das características urbanas, históricas, arquitetônicas e da paisagem, entendemos que o projeto da nova Loja Havan não valoriza as particularidades de onde pretende se inserir. Os elementos presentes na fachada do empreendimento não possuem relação com a arquitetura blumenauense, aliás, como é de conhecimento, todas as lojas já construídas em outros locais possuem o mesmo tratamento de fachada, se tratando de um modo de construir que não leva em conta a cultura local, levando regiões a processos de globalização e perda de suas referências.

Além disso, salvaguardar os elementos estruturantes da Paisagem Cultural é de extrema importância para que as futuras gerações possam compreender os processos de formação da nossa cultura. Conservar a forma de ocupação do local permite identificar as potencialidades para devolver a vitalidade e gerar qualidade de vida no ambiente construído preservando as características e valores do sítio histórico atribuindo-lhe ou reforçando-se as características inerentes ao núcleo original, que possui uma outra rotina, um ritmo distinto e até um clima diferenciado em relação às outras áreas da cidade. pretende-se viabilizar locais com potencial para intervenções e criação de áreas de lazer e a criação de conexões com os espaços públicos existentes assim como a adequação com projetos em andamento, para assim gerar vitalidade e diversidade de usos para um lugar tão importante para a cidade sem a perda de seus significados.

O CMPC reconhece a necessidade de desenvolvimento econômico do município e tem trabalhado em conjunto com a comunidade para que a realidade de Blumenau se faça evidente nas políticas públicas. Uma das características de Blumenau é a sua capacidade empreendedora. Sendo uma das capitais industriais do país já no século XIX, passou pelos processos comuns à globalização a partir da década de 1990, como a desindustrialização e o desemprego. Como forma de frear as desigualdades surgidas pela abertura de mercados Santa Catarina investiu em empreendedorismo, e vem investindo até hoje, como apontam os Planos Catarinense de Desenvolvimento de 2006 e 2018 (SCOZ, 2019).

A proximidade do CMPC com a Comunidade, e a observação das ações empreendidas pelos cidadãos nos últimos anos demonstram que essa orientação política vem dando resultados. De acordo com a Receita Federal (2020), até junho de 2020 havia 21.272 mil Micro e Pequenos Empresários (MEI) registrados em Blumenau e enquadrados na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), apenas em áreas relacionadas com a moda. Mas é sabido o número de empreendimentos não registrados. A busca pela realidade local demonstrou, em pesquisa executada pela setorial de artes visuais, design e moda em junho de 2020 que:

1. Os empreendedores possuem graduação e cursos na área de empreendimento;

2. Largaram empregos na indústria para empreender;

3. Fazem parte de uma rede de serviços essenciais para o desenvolvimento local;

4. Compram insumos, produzem, empregam e vendem localmente;

5. Não se sentem abraçados pelas políticas públicas de Blumenau para o setor;

6. Necessitam, em unanimidade, de locais fixos e gratuitos para execução de eventos e venda de seus produtos.

Desta forma, a partir de dados que emanam da comunidade, o CMPC de Blumenau questiona a necessidade, para o desenvolvimento do poderio econômico do município, de mais uma filial da referida loja. Sustentando a premissa de que investir no espaço, por sua localização e representatividade, para a economia criativa local traria muito mais benefícios para o município, seus empreendedores, e também tornando-se mais um atrativo turístico, em conjunto com todos os demais localizados às proximidades do terreno do BEC.

A economia criativa é definida por Costa et al. (2019) como um ramo da economia que está relacionado ao desenvolvimento da economia e das sociedades modernas, tendo o capital intelectual como meio para o desenvolvimento de novos produtos e novos mercados. Para a economia criativa a cultura é um recurso na geração de produtos e serviços criativos (COSTA et al., 2019).

Blumenau pode ser considerada uma cidade criativa, com mais de 80 empreendedores participando atualmente da Feirinha da Servidão, de iniciativa popular, e mais criativos distribuídos entre grupos de culturas e coletivos no município. em pesquisa com discentes de cursos de moda no primeiro semestre de 2020, 94% relataram o interesse no estudo para empreendedorismo. Os estudantes indicaram que Blumenau é uma cidade cultural, rica em oportunidades e que possibilita o desenvolvimento de novos negócios, no entanto, a maior dificuldade dos estudantes para iniciar seus negócios era financeiro, eles relataram não ter dinheiro para investir em locais de venda. A falta de investimentos municipais nos criadores locais, na economia criativa local demonstra ser um empecilho, não apenas aos empreendedores formais ou informais, mas também para aqueles que desejam inserir-se no mercado criativo.

Dessa forma, essa moção originou-se do reconhecimento de que, num local de real relevância para a historicidade do município, como o centro histórico, caberia, ao poder público:

1. Zelar pela estética da arquitetura local;

2. Considerar as recentes obras para melhorar o trânsito no local, e o ainda presente grande fluxo de veículos que, por diversas vezes, impossibilita que a comunidade execute suas ações criativas e eventos no local;

3. Considerar a relevância do Centro Histórico e da Roda de Museus de Rua para a cultura, economia criativa e desenvolvimento econômico local;

4. Zelar pela paisagem, considerando o impacto da não arborização do centro;

5. Ampliar os equipamentos culturais de acesso à comunidade;

6. Ouvir a comunidade, que se expressa por meio do CMPC;

7. Buscar atender as necessidades da comunidade, utilizando os espaços remanescentes do Centro Histórico para edifícios multiuso, praças, locais a céu aberto, para ações e eventos da comunidade.

Atenciosamente,

Elton Gomes

Presidente do Conselho Municipal de Política Cultural de Blumenau



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