O continente americano, formado por 35 países e mais de 1,037 bilhão de habitantes, vive um ciclo de tensões políticas que atravessa fronteiras e expõe a dificuldade das instituições em lidar com sociedades digitais, rápidas, fragmentadas e desiguais. A polarização, antes restrita a eleições, tornou-se pano de fundo permanente da vida pública. Em visita ao Brasil para a COP30, o secretário-geral da OEA, Albert Randim, reconheceu a gravidade do cenário, afirmando que “a polarização é uma dura realidade”, mas que há lideranças capazes de buscar cooperação.
Os conflitos nas Américas deixaram de ser programáticos e se tornaram guerras identitárias. No lugar do debate racional, surgem disputas culturais e afetivas. Cada lado tenta impor sua narrativa totalizante. Nas redes, algoritmos reforçam vieses, alimentam indignação e criam micro realidades que isolam cidadãos em bolhas de influência.
Os EUA são o epicentro da polarização global. Sua eleição se tornou matriz mundial do fenômeno. O trumpismo cristaliza um populismo digital, combativo e identitário, alimentado por ressentimentos, enquanto setores progressistas se radicalizam em pautas identitárias e ambientais. O Congresso paralisado por extremos e a desconfiança nas instituições agravam o quadro, cujos efeitos se irradiam por todo o continente.
Na América Latina, desigualdade, fragilidade institucional, corrupção e violência sustentam um ciclo de populismos revezados. Governos de direita e esquerda se alternam como reações viscerais ao anterior. Falta projeto de Estado e estabilidade, o que impede continuidade e fomenta frustrações sociais, abrindo espaço para discursos messiânicos.
A revolução digital remodelou o debate público. Vive-se uma “democracia algorítmica”, em que percepções são moldadas por plataformas privadas voltadas ao engajamento. Desinformação, micro-targeting e manipulação emocional influenciam campanhas e movimentos. O debate fica refém de “nuvens emocionais” que sobem e descem conforme a lógica das redes.
Três temas agravam tensões: imigração, violência e desigualdade. Na fronteira dos EUA com o México, narrativas explosivas se chocam. A migração venezuelana pressiona países vizinhos. A violência domina a agenda de México, Brasil, Equador, Colômbia e América Central, onde o crime organizado atua como poder paralelo. No Brasil, segurança pública segue como principal preocupação eleitoral. A desigualdade, maior marca da região, cristaliza ressentimentos e limita mobilidade social.
Com esse quadro, surgem três possíveis cenários para o futuro. O primeiro é a persistência da polarização tóxica, com instabilidade crônica, alternância destrutiva e tensões institucionais, principalmente nos EUA, México, Brasil e Argentina. O segundo é a moderação pelo cansaço social. Pesquisas indicam desgaste da polarização radical e abertura para lideranças pragmáticas, reconstrução institucional e políticas mais técnicas. O terceiro cenário é o da integração regional pragmática, impulsionada por tecnologia, transição energética e disputa geopolítica entre EUA e China, fortalecendo blocos e agendas comuns.
O futuro das Américas dependerá da capacidade de fortalecer instituições, ampliar a educação, criar redes confiáveis de informação e formar lideranças adaptadas ao mundo digital. O século XXI ainda pode produzir uma América mais plural, integrada e madura — desde que se rompa o ciclo de ódio e se reconstrua a confiança na política.
Gaudêncio Torquato, escritor, jornalista, professor-emérito da ECA-USP e consultor político





Tem pessoas que ainda não assimilaram que a era digital está cada dia mais presente.
Claro, necessita de ajustes e, o tempo é a melhor solução.
No presente momento, os progressistas estão perdendo terreno..