Kabengele Munanga já avisava que o racismo brasileiro é um “crime perfeito”. Não porque ele não exista, mas porque ele age de forma silenciosa, cotidiana, naturalizada tão incorporado nas estruturas que muita gente só percebe sua existência quando chega novembro e as redes sociais se enchem de frases prontas e artes coloridas. O problema é que, enquanto você homenageia Zumbi com um post, a população negra continua enterrando seus mortos, sendo encarcerada em massa e empurrada para a pobreza não em novembro, mas todos os outros 335 dias do ano.
A realidade é brutal. Pessoas negras têm risco quase três vezes maior de serem assassinadas do que pessoas brancas. Em números nacionais, mais de 76% das vítimas de homicídio são negras. Isso significa que, a cada quatro pessoas assassinadas no Brasil, três são negras. Não é coincidência é política de morte. E não adianta fingir que isso se resolve com símbolos ou hashtags: essas mortes acontecem em bairros periféricos que você nunca pisa, em operações policiais que só ganham repercussão quando algum vídeo vaza, em famílias que não têm voz para além da própria tragédia.
O encarceramento também segue essa lógica perversa. A cada dez pessoas presas no Brasil, quase sete são negras. É o maior índice da série histórica. Ao mesmo tempo em que a população brasileira cresce pouco, o número de negros encarcerados cresceu mais de 380% nas últimas décadas. Você sabe o que isso significa? Que o Estado controla, vigia e pune muito mais corpos negros do que brancos. Não é falha: é projeto.
E basta olhar para os dados sociais para entender por que Munanga falava em “crime perfeito”. A população negra é a que mais sofre com desemprego, com salários mais baixos, com moradias precárias, com falta de saneamento. As mulheres negras, então, carregam o peso mais devastador: são maioria entre as vítimas de feminicídio, de violência doméstica e de violência sexual. Elas ganham menos, trabalham mais, sofrem mais agressões, têm menos acesso a espaços de poder e ainda são tratadas como exceção quando conseguem avançar.
Quase 85% das pessoas negras no Brasil afirmam ter sofrido algum tipo de discriminação racial ao longo da vida. Esse número deveria ser suficiente para parar o país, mas não para você, que se emociona com discursos antirracistas em novembro e passa o ano inteiro repetindo frases como “não vejo cor”, “o Brasil é um país miscigenado” ou “isso é mimimi”.
É aqui que o incômodo precisa entrar: se sua consciência negra dura apenas um mês, ela não é consciência é conveniência. Porque o racismo não é sazonal, não é comemorativo, não é tema decorativo de calendário. Ele é uma máquina que opera de janeiro a dezembro, todos os dias, reorganizando quem vive, quem morre, quem trabalha, quem é preso, quem tem acesso, quem é humilhado, quem ascende e quem é empurrado para baixo.
E você? O que faz? Publica frases antirracistas em novembro e volta à normalidade em dezembro? Aplaude a cultura negra quando ela te entretém, mas ignora o que ela significa quando envolve luta, política, disputa e dor? Se posiciona nos meses simbólicos, mas não cobra políticas públicas, não exige reformas, não apoia iniciativas negras, não muda o ambiente em que vive?
Se é assim, parabéns você é parte do problema. Não importa o quão progressista você acredite ser. O racismo não se combate com estética; se combate com política, com atitude, com enfrentamento concreto. A Consciência Negra não é um mês: é um compromisso diário. Se você não está disposto a isso, então novembro é só o seu álibi moral.
E enquanto você se tranquiliza com esse álibi, o Brasil segue sangrando. Todos os dias. Todos os anos. Em silêncio como um crime perfeito.
Marco Antonio André, advogado e ativista de Direitos Humanos





Seja o primeiro a comentar