Opinião | O que falar para os agentes para não ser multado

Foto: PMB/Arquivo/Reprodução

“Ahhhh, seu guarda, eu faço qualquer coisa para o senhor não me multar!”

Rotina é algo comum em quase todas as profissões, e ser fiscalizador de trânsito não é diferente. Mesmo se deparando com cenas inusitadas todos os dias, há fatos que se repetem incansavelmente. Assim como em qualquer profissão, há situações  e, consequentemente, frases que ocorrem dezenas, centenas de vezes. No caso das abordagens de condutores, não é diferente: ouvimos sempre os mesmos argumentos, como se estivessem gravados na memória dos condutores.

E será que existe alguma frase que possa surtir efeito ?

Nada mais comum que, ao iniciar o processo de autuação, ouvir o clássico:

Mas, senhor, você tem que usar o bom senso!”

Essa é interessante, pois vem da pessoa que acabou de não ter bom senso ao cometer a infração e requisita o que imagina ser bom senso. No caso, o bom senso é apenas não autuar ela, ou seja, que o fiscalizador deixe de cumprir com sua obrigação para satisfazer a necessidade do condutor em não ser autuado.

Mas, ao descobrir que o agente de trânsito tem o dever de autuar, surgem as justificativas criativas.

Fase 1: Preciso achar uma desculpa

De forma generalizada, o primeiro momento é quando parece que as ideias surgem na cabeça do nada, e ali começa alguma situação que pode ser verdadeira ou fictícia, mas normalmente são parecidas. As mais comuns são:

  • “Eu só estava indo ali pertinho.” (Como se em poucas distâncias a lei não precisasse ser cumprida). 
  • “Comprei o carro assim, já veio desse jeito.” 
  • “Não tem como aliviar pra mim?” 
  • “Vai me multar por uma coisa dessas?” 
  • “Só tirei o cinto porque já tava chegando.” (Mesmo que eu já tenha abordado uma condutora que disse que tirou o cinto porque me viu). 
  • “Sempre passei aqui e nunca fui multado.” 
  • “Mas aqui sempre foi assim, nunca deu problema.” 
  • “O documento tá em casa, esqueci de pegar.” 

Depois de iniciar a fase de construção do fato e o agente ainda em fase de preparação, a pessoa começa a pensar que talvez a lei possa não ser cumprida. Nessa hora, talvez seja bom ver até onde o fiscalizador é capaz de chegar:

Fase 2: Vou trucar pra ver se ele corre

Quando percebem que a conversa inicial não surte efeito, vem o tom mais agressivo, quase de ameaça:

  • “Eu sou trabalhador, não sou vagabundo.” (Como se trabalhador não cometesse infrações ou o CTB dissesse para não multar trabalhador). 
  • “Vocês se acham polícia agora?” (Até somos, no sentido administrativo do poder de polícia, mas isso requer outro texto para explicações). 
  • “Eu conheço o guarda tal, ele sempre deixa.” 
  • “Vou falar com teu chefe!” (Nesse caso pode ser qualquer um) 

Temos também a fase dos “X9”. Já que foram pegos, agora querem colocar fogo no parquinho — é hora de entregar todo mundo:

Fase 3: Vou me aliar à fiscalização

  • “Olha ali ó, ele também tá errado, não vai multar?” (Normalmente o agente pensa ou  responde que, se não tivesse abordado o próprio condutor, poderia estar abordando outro). 
  • “Por que vocês não vão atrás de bandido?” (Esse talvez conflite com a ideia do dever de polícia citado na frase anterior). 
  • “Os guris empinando moto vocês não pegam!” 
  • “Na Oktober vocês não fazem blitz.” 

Condicionado a pensar que sempre tem alguém mais errado, melhor pensar que não estou tão errado assim.

Fase 4: Não sou tão errado

Logo virando a chave, temos os condutores que já perceberam que não tem mais jeito: a lei vai ser cumprida, mas é preciso aliviar a consciência. Se fiz errado, não é culpa minha:

  • “Essa regra eu não sabia, deve ser lei nova.” 
  • “No WhatsApp falaram que podia.” 
  • “Na autoescola me ensinaram diferente.” 
  • “Eu paguei tudo pro despachante, não pode ser multa.” 
  • “Só parei em cima da faixa porque não tinha onde parar.” 
  • “Mas todo mundo faz isso.” 

Quanto tudo está perdido sempre existe um caminho a nova fase é quase uma mistura, podendo confundir uma com a outra.

Fase 5: Foi o destino

Quando tudo começa a não ter mais jeito, talvez seja melhor jogar na conta do acaso. Se não tem mais saída, é culpa do universo:

  • “Ah, acabou de estragar bem agora.” 
  • “Acabei de tirar da oficina.” 
  • “Isso nunca me aconteceu.” 
  • “Legal, aqui conosco vocês vêm cumprir a lei, mas em Brasília tá todo mundo roubando.” ( essa já é o início da próxima fase). 

Diante de todas as possibilidades, aceitas ou não, o jeito é culpar o Estado ou, aparentemente, quem trabalha nele.

Fase 6: É culpa do sistema

Quando o cosmos não serve, sobra o governo:

  • “Não vi a placa, tava escondida.” 
  • “Tá me multando porque é fim de mês, né?” 
  • “Cês tão precisando bater meta de multa.” 
  • “É perseguição, sempre em cima de mim!” 

Quando a coisa desanda de vez, vem a baixaria.

Fase 7: Não tem mais jeito

Depois de tudo feito, com o auto de infração quase ou já preenchido, o condutor toma a postura de ligar o “fo…”. Agora já viu que a lei vai ser cumprida, e só quer descarregar:

  • “Faz a multa rápido que tô com pressa.” 
  • “Essa aí eu não vou assinar não, não concordo.” 
  • “Essa multa não faz diferença pra mim, pode multar.”

Por último, temos os casos específicos, utilizados em situações ou infrações particulares.

Como exemplo, temos as infrações de estacionamento irregular. As mais comuns são:

  • “É rapidinho, dois minutinhos.” 
  • “Foi só um segundinho, nem atrapalhei.” 
  • “Tava atrasado pro trabalho, não dava pra esperar.”

Já nas abordagens de embriaguez, temos a unanimidade: quando questionado se bebeu ou não, vem a clássica:

  • “Foi só um copinho, não tô bêbado.”

Menos comum, mas também bastante usada:

  • “Eu bebi, mas ainda tô bem.”

Divergindo do normal, temos os relatos mais incomuns e que até hoje circulam como uma verdadeira lenda nos recursos de trânsito em Blumenau. Está o de um condutor que tentou justificar o resultado positivo no teste de alcoolemia de maneira, no mínimo, curiosa.

Segundo sua versão, no momento em que os agentes chegaram ao local do acidente, ele se submeteu ao exame, que acusou a ingestão de álcool. Contudo, alegou não ter dirigido embriagado. A explicação foi que, logo após a colisão, tomado pelo nervosismo, teria aceitado alguns goles de bebida oferecidos por um mendigo que passava pelo local. Sentado no meio-fio, já depois do acidente, foi quando consumiu o álcool e não antes de dirigir.

Existe uma fase que não coloquei, pois demanda casos atípicos, mas pessoais, quando os condutores tentam,  até de forma fidedigna, fazer uma tentativa de empatia com o fiscalizador, contando seus problemas pessoais vividos e dificuldades enfrentadas. Como se trata de situações pessoais, não convém transcrever no texto. 

Um até normal é: “Se minha esposa souber, estou ferrado.”

E depois…

Já longe da fiscalização, nas rodas de conversa com amigos e família, a desculpa vem sempre no mesmo formato:

“Eu sei que estava errado, mas…”,  na minha opinião, qualquer coisa que venha na continuidade dessa frase é quase desnecessária.

E assim a rotina se repete, todos os dias, possivelmente em todas as cidades, e nem posso dizer que muitas vezes talvez essas situações não desencadeiam o descumprimento da legislação tendo em vista que se repetem diariamente, não imagino que a insistência se de, sem nunca haver tido um resultado positivo. 

No fim, todas essas frases revelam muito mais sobre a nossa cultura do que sobre a fiscalização em si. O trânsito se tornou uma cópia da sociedade, repetido de geração em geração, como se existisse um manual padrão de desculpas pronto para ser usado diante da fiscalização de trânsito.

A verdade é que nenhuma justificativa anula o fato: a infração aconteceu. O agente apenas cumpre o que a lei determina, enquanto o condutor tenta, de todas as formas, negociar com a própria responsabilidade.

Talvez o aprendizado que fique seja simples: se cada um colocasse na prática o mesmo empenho que tem para aprender desculpas em simplesmente cumprir as regras, o trânsito seria mais seguro, menos estressante e, quem sabe, até mais justo para todos.

Com o trânsito não se brinca.

Lucio R. Beckhauser, Agente de Trânsito, Especialista em Direito de Trânsito

 

1 Comentário

  1. Concordo 100 % com o texto do Sr. Lucio . O infrator tem sempre uma desculpa, mas nunca pede desculpa e assume seu ato .

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