Como estamos em período de Oktoberfest, faço deste texto um brinde: saúde! Você aí, provavelmente em horário de expediente, lendo meu devaneio enquanto finge produtividade, e eu aqui, com uma cerveja gelada em mãos, caprichosamente sóbrio numa noite de domingo, dedilhando estas frases que tentam dar algum sentido à ressaca da comunicação pública brasileira.
A única certeza que carrego, e acredito que você também, é que, se refletirmos bem, despertaremos para a curiosidade de como as bebidas ganharam, ao longo da história, um papel quase sagrado na civilização. Elas estão em tudo: na definição de poder, aos demonstrar fraquezas, na riqueza e na lama da carestia. Os rituais e curas contam com o álcool como aditivo dos líquidos degustados. Nas desgraças e nas celebrações também. Embriagam e libertam, festejam e adoecem, mas sempre deixam um gosto de vida ou de vaidade, que vai, ou se esvai, em cada um que prova.
Trôpego, ao fim de uma madrugada qualquer, voltando dos pavilhões da Vila Germânica, percebo como o silêncio que vem depois do barulho é um convite à introspecção. O sabor que ainda repousa na boca, o copo meio cheio (ou meio vazio) abandonado sobre a mesa, e o espelho do banheiro, antes embaçado, começando a devolver um reflexo. É ali, entre o ruído e o silêncio, que mora a lucidez. O que foi isso? O que virá depois de tudo isso? Observar a (auto)imagem se refazendo é um jeito de clarear o amanhecer. É hora de um manifesto!
Quem sabe assim, no instante em que o olhar limpa o rosto e se reconhece, despidos da embriaguez, lúcidos (com um toque de deboche, claro) das paixões políticas, conseguimos pensar, por um instante, em uma comunicação pública que sirva ao cidadão, e não ao ego do governante. Veja comigo: se a água representava a vida, como escrevi na primeira crônica, e a espuma, a embriaguez das vaidades, como discutimos na semana passada, o reflexo é o reencontro. O tempo de finalmente começar a se olhar no espelho.
E o que se vê? Um sistema que se perdeu na própria imagem. Prefeitos, governadores, secretários e ministros que confundem seguidor com eleitor, gestores que tratam o cargo como palco e servidores que viraram figurantes de uma peça de autopromoção financiada com dinheiro público. Mas, como comunicar com eficácia sem que o político se confunda com o cargo, e sem que o contribuinte banque a vaidade alheia?
Há profissões que constroem coisas visíveis, obras de arte, pontes, prédios, estradas. Outras edificam estruturas invisíveis, mas não menos concretas: narrativas, percepções, consensos, esperanças, sonhos, medos. A comunicação é uma dessas. É aquela que oferece a liga, um cimento simbólico que une a sociedade. E quando essa mistura se junta com o marketing pessoal, o que deveria erguer a República começa a rachar.
No entanto, entre os excessos do marketing e as omissões da burocracia, começam a surgir experiências que indicam um novo caminho, hoje ainda muito focada no resultado eleitoral, mas, que podem servir de aprendizado para o serviço público. Veja o caso do Emanoelton Borges, estrategista político de JHC (João Henrique Caldas), prefeito de Maceió. Nesta semana, ele recebeu o prêmio internacional considerado o Oscar da consultoria política, além de ser reconhecido como melhor pesquisador eleitoral do ano.
Em 2024, JHC pulverizou a concorrência, conquistando 83,25% dos votos – a maior votação da história da capital alagoana -, e uma das maiores do Brasil. Não foi vitória, foi plebiscito. O mérito de Emanoelton não foi conquistado apenas com esta vitória em Alagoas, ou com o troféu Napolitan Victory Awards. Foram quase 300 campanhas eleitorais, mais de 7 milhões de pessoas entrevistas, outros 5 mil grupos focais e diagnostico de cenários em mais de 1.400 cidades brasileiras com assertividade acima de 99%. Não é sorte, é ciência aplicada à política. Uma engenharia eleitoral no seu estado mais refinado. Ele entendeu que comunicar é compreender o outro, e que nenhuma estratégia sobrevive sem escuta.
Outro exemplo é o Sidônio Palmeira, publicitário e engenheiro baiano, atual ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Sidônio fez história em campanhas políticas vitoriosas, mas foi na comunicação pública que consolidou sua marca mais interessante: transformar o discurso institucional em diálogo. Ele percebeu que o Brasil não precisa de mais slogans, mas necessita de “sentido” na conversa entre o poder público e o cidadão. E, uma coisa é certa, sentido só existe quando a mensagem serve a quem escuta, não a quem fala.
Mas como todo bom reflexo, há sempre uma pergunta que a imagem não responde sozinha: a genialidade que funciona para vencer eleições pode – e deve – ser aplicada na gestão pública? Ou estamos confundindo o engenheiro eleitoral com o arquiteto da república? É nessa encruzilhada que mora o nosso dilema.
Dedicamos o tempo a imaginar essa inteligência e essa segmentação a serviço da comunicação pública eficaz e voltada para o cidadão, e não para o ego do gestor/ político. Uma comunicação que informa, educa e orienta, como manda a Constituição, mas com a precisão e o engajamento de uma campanha eleitoral vitoriosa.
O foco seria nas necessidades reais do cidadão, identificadas por pesquisas aprofundadas (e não por achismos ou pela bolha do político), e as mensagens seriam entregues nos canais e formatos mais adequados para cada público. Isso significa menos “selfies com a obra” e mais “como o saneamento básico vai melhorar a sua vida, morador do bairro X”.
É disso que estamos tratando: de uma comunicação pública que abandone o papel de maquiagem e assuma o papel de mediação. Pois, comunicar é muito mais que divulgar: é construir a compreensão social, reduzir conflitos e apontar soluções.
O Brasil pode – e deve – aprender com esses mestres do marketing eleitoral. As técnicas de pesquisa, ferramentas de análise, estratégias de engajamento, linguagem digital e tudo que possa ser adaptado para comunicação pública. Mas, sempre caminhando sobre uma linha intransponível, sem cruzar ou confundir recursos públicos – que devem seguir para fins públicos – e recursos privados – para fins políticos.
Por isso, talvez seja hora de repensar as estruturas de comunicação pública e política. Quem sabe, neste nosso tempo, seja chegada a hora de experimentar um modelo diferente, misturando estruturas: a pessoal, do eleito, financiada por partido político ou outros meios, e agências públicas consorciadas para comunicação institucional. Com separação clara, transparência radical, fiscalização efetiva.
Imagine um consórcio público de comunicação regional, onde prefeituras compartilhem estruturas e profissionais. Em vez de cada cidade criar sua pequena bolha de marketing, teríamos agências regionais de comunicação pública — transparentes, técnicas e autônomas.
Comunicadores concursados poderiam trabalhar lado a lado com produtores independentes, universidades, veículos de imprensa e agências locais. A gestão deixaria de ser personalista e passaria a ser cooperativa.
Assim, as Secretarias de Comunicação poderiam recuperar seu propósito original: educar, informar e traduzir o Estado para o cidadão comum. Afinal, a comunicação pública é política pública. Uma ferramenta de cidadania, de diálogo e de pertencimento. É o que dá voz às comunidades que nunca foram ouvidas. Não apenas as urbanas, mas também as rurais, periféricas, tradicionais e não tradicionais.
Além disso, a profissionalização do setor pode gerar um efeito econômico virtuoso: estimular o mercado de comunicação, fortalecer agências locais, abrir espaço para assessorias, jornalistas, designers, roteiristas, fotógrafos e produtores de conteúdo. A boa comunicação pública é, também, fomento cultural e econômico.
E se o político quiser mostrar o lado humano, a rotina, o “bom dia, cidade”? Que o faça! Com recursos próprios, ou do partido, e com clareza sobre quem paga a conta. A impessoalidade, afinal, não é uma restrição: é o que protege a democracia da embriaguez dos egos.
O reflexo, portanto, não é o fim da festa, é o começo da sobriedade. Depois da água e da espuma, é hora de enxergar que a comunicação pública que precisamos construir é aquela que serve, informa, educa e inspira. Que devolve ao cidadão o direito de compreender o que é feito com o seu dinheiro, de reconhecer, no espelho do Estado, não o rosto de um político, mas o seu próprio.
No fim, toda festa acaba em reflexão. E toda boa democracia, quando amadurece, aprende a brindar com água para evitar aquela dor de cabeça da ressaca.
Tarciso Souza, jornalista e empresário





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