Opinião | Guardas de Trânsito: heróis, vilões ou sobreviventes?

Imagem: reprodução

Diante da repercussão da abordagem do agente de trânsito ontem em Blumenau no posto de gasolina e tantos questionamentos, achei importante pontuar algumas situações. 

A princípio, tenho sido questionado com três perguntas, às quais tentarei responder:

  • O guarda de trânsito agiu corretamente? Depende.
  • O condutor agiu corretamente? Não.
  • No lugar deles, o que você faria? Essa resposta prefiro apresentar após algumas considerações.

Incrível como, ao verificar os comentários sobre o ocorrido, é possível perceber tantas respostas e opiniões convictas. Já eu, ao dar a minha, faço questão de destacar que não possui qualquer cunho científico. Minha visão se baseia unicamente no conhecimento empírico adquirido ao longo do tempo de profissão e da convivência com os pares, tanto nas abordagens realizadas quanto nos números e fatos vivenciados nesses últimos 15 anos.

Portanto, trata-se apenas de constatações derivadas das experiências vividas. Queria eu ter o mesmo nível de conhecimento e certeza que transparece em muitos dos comentários que vi e ouvi.

Vale destacar que, após julgamento prévio da abordagem, é muito comum perguntarem o que o condutor fez. Isso já causa uma certa estranheza, porque, na opinião de alguns, dependendo do fato cometido pelo condutor, a abordagem efetuada poderia estar mais certa ou mais errada.

A velha frase ‘quem não deve não teme’ poderia se aplicar ao condutor; pois, ao se evadir de uma abordagem, possivelmente se colocou em uma situação em que receberá um tratamento mais efusivo na abordagem.

Ainda outra situação comum é a análise mudar de contexto após ter conhecimento da ficha da pessoa: se for um ladrão, bem feito; se for um professor, maldito guarda; se for um estuprador, deveria ter matado; se for um médico, “o que fizeram com ele?”; se for bandido, porrada; se for um padre, pede bênção.

Incrivelmente, as pessoas que nunca conviveram com uma abordagem devem imaginar que os condutores possuem uma tabela ou, como diria meu pai, escrito na testa as qualificações e os problemas descritos, e a partir daí a abordagem prossegue, tendo o agente a obrigação de diferenciar o tratamento legal, sendo maior ou menor. Se tiver ficha suja, multa e porrada; se for padre, perdoa.

Ou se trata todos como se fossem padres, ou se trata todos como se fossem bandidos. O tratamento deve ser padronizado e urbano. A única certeza que temos é que, no trânsito, não existe distinção: da pior pessoa do mundo à melhor, todos transitam nas vias públicas e, obviamente, estamos sujeitos a nos deparar com elas a qualquer momento, seja você um condutor ou um agente de trânsito.

Quanto à abordagem em si, fica evidente que o agente não tinha qualquer vontade de efetuar uma agressão à pessoa, possivelmente porque já tinha conhecimento de que estava chegando apoio, do qual o condutor havia se evadido. Então, no máximo, o procedimento que ele tenta é segurar o condutor e, logo após, numa tentativa frustrada, tenta derrubar o condutor. Obviamente, pelo resultado, percebe-se que não existe qualquer preparo técnico para essa situação. Sendo assim, o que eu teria feito?

Novamente parafraseando meu pai: “Mais vale um medroso vivo que um herói morto.” E olhe que, nesse caso, nem como herói o mesmo será visto. A coisa anda tão invertida que, na visão de muitos, são dois vilões. 

Diante da falta de conhecimento, de técnica, de padronização e, inclusive, da falta de amparo institucional, e não tendo qualquer convicção do resultado, nem obrigação legal,  diria eu que o mais salutar é não fazer. 

O certo é deixar o condutor infrator ir embora, inicialmente impunemente, e vida que segue.

Nessa hora, é muito comum existirem críticas internas: “Então quer dizer que os guardas só vão autuar com rigor os bonzinhos? Só vamos abordar pai de família? Pessoas de boa índole? Quem fizer errado, cara feia ou for mais efusivo, talvez agressivo, e se evadir, vamos deixar de cumprir a legislação?”

Sim. A resposta ideal seria: não compensa, deixa ir embora e vida que segue. Eu diria que, enquanto não tivermos padronização, preparo físico e mental, bem como equipamentos adequados e treinamento, sugiro fielmente fazer somente aquilo que se tem condições e convicções. Não dá para fazer, de forma emocional, aquilo que se acha o certo. Ninguém pode dar segurança se não tiver segurança, ninguém consegue proteger se não estiver protegido.

Claro que muitos dos guardas de trânsito estariam mais ou menos preparados para essa situação, provavelmente porque, de alguma forma, buscaram conhecimento e preparo individualmente e, diante da abordagem, poderiam ter agido de forma a ter um resultado diferente. Assim como vimos há algum tempo atrás guardas de trânsito salvando a vida de crianças através da manobra de Heimlich, conhecimento esse adquirido individualmente.

Essas ações, quando filmadas e divulgadas, geram uma comoção muito grande. Mas mal sabem as pessoas que isso ocorre todos os dias, é corriqueiro, e esse é o dia a dia dos agentes públicos: abordar pessoas que discordam da infração, que tentam desestabilizar o guarda, é comum. E, nessa hora, temos visto agentes agindo de forma diversa para tentar, da melhor forma, resolver a situação e amparar a sociedade.

Tempos atrás, presenciei um guarda de trânsito que, ao abordar um pai de família transportando dois filhos no compartimento de carga de um Fiorino, se deparou com o dilema: deixo as crianças a pé em segurança ou libero com o pai, correndo risco?

Resultado: o guarda pagou, com seu dinheiro, o valor do ônibus para que a mãe e seus dois filhos fossem embora no transporte público, em segurança.

Assim como já ocorreu em uma abordagem em que parei, em um semáforo, um veículo não licenciado e sem qualquer condição de segurança para transitar. Dentro do carro estavam três homens que se deslocavam ao fórum para o comparecimento periódico. Na ocasião, restou-me acionar um táxi para que eles seguissem ao fórum e providenciar a remoção do veículo ao pátio.

No dia a dia, os sinistros, as abordagens, as infrações e as autuações se sucedem nas mais variadas situações, independentemente de serem praticadas por pessoas consideradas boas ou ruins no contexto social. São elas que transitam em nossas vias. Nesse cenário, minha resposta para a abordagem do condutor em questão seria: não. Não abordar, não realizar nada para o que não haja preparo, respaldo legal e institucional. É quase como agir dentro do limite do possível, com os recursos disponíveis, até que se tenha condições de fazer melhor.

Com o trânsito não se brinca.

Lucio R. Beckhauser, Agente de Trânsito, Especialista em Direito de Trânsito

Oferecimento:

3 Comentário

  1. Amigo Lúcio,sou seu admirador e talvez eu e você saibamos que nem todo agente tem bom senso, assim como nem todo condutor tem boa intenção…
    dito isto,minha visão é que nada justifica o agente querer agir como se fosse um policial.Ate acho que se fosse o caso de agir com emprego de abordagem física,não precisaríamos de agentes GMT, poderíamos ficar com a própria polícia militar que nesse caso específico teria ao menos conhecimento de causa.

  2. Situação difícil para os agentes de trânsito, mas uma coisa é certa , se houve a abordagem é porque o cidadão da filmagem cometeu algo em desencontro a lei .
    Certo ou errado a forma que ocorreu, não sei, não estava lá para saber tudo que ocorreu desde o início .

  3. Fui parado poucas vezes em blitz do GMT. Todas as vezes fui abordado de maneira arrogante e estupida.. No próprio “QG” é a mesma coisa..
    Qualquer um pode ser guarda de transito e esse caso ai escancara a falta de preparo de TODOS os guardas. Os mais novos se acham G.I.Joe’s (personagens militares de ficção) que é esse caso.. Ai tem os mais velhos que são os Sheriff’s do Velho Oeste..
    Pra quem passa pela Rua SP.. quem já levou bronca por andar devagar no transito passando pela CREMER.. fila parada e o guarda apitando pra seguir.. “passa por cima!”.. ai mais pra frente tem o guardinha na sinaleira do Giassi, que apita para sinalizar ao motorista cego que a sinaleira abriu ou fechou..
    Não vou defender o motociclista que reagiu a ação, mas o mínimo que se espera de alguém que atue nessa função é saber o q fazer.. não adianta ficar brabo pq o cidadão não atendeu a ordem e partir pra cima na base da porrada.. poderia ter acontecido algo muito grave..

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*