Opinião | Vamos falar sobre autismo em Blumenau?

Foto: reprodução

Neste espaço de trabalho chamado Informe Blumenau, evito misturar questões pessoais com profissionais. Mas entendo que neste momento – que coincide com o dia do orgulho autista, 18 de junho -, um relato de parte da minha experiência familiar pode servir de reflexão quanto ao tanto que se fala em autismo.

Há nove anos, fomos buscar o Dudu e a Mica, irmãos biológicos, ele com seis anos, ela com dois. Segundo os relatos do abrigo, ele tinha um indicativo de TDAH e um comportamento agressivo. Mas quando me viu no fórum, me chamou de pai e nunca mais nos separamos.

Até o laudo de TEA, a descoberta do TOD e a confirmação de um déficit cognitivo, convivemos com olhares desconfiados, pouca empatia e muito mais perguntas do que respostas. Após o laudo, em 2020, um período de aceitação pessoal, entender que sim, você é pai de uma criança especial.

Nestes nove anos, foram cinco neuropediatras, três psiquiatras infantis, três psicólogas, algumas psicopedagogas, atendimento em salas multifuncionais, no paradesporto, tudo que estava ao nosso alcance.  Particulares e públicos.

As medicações, ah, essas perdi as contas, de tanto que foram e são. Também perdi as contas dos professores de apoio que teve, após o laudo, mas me atrevo a dizer que foram na casa dos 20, em quatro anos. Somente em 2025, estamos no quarto.

Então, quando Blumenau, como as demais cidades brasileiras, se movimenta para criar políticas e estruturas públicas para o autismo, acredito que tenho lugar de fala neste tema.

Nesta semana, o vereador Jean Volpato (PT) teve aprovada na Câmara uma moção pedindo que o prefeito Egidio Ferrari (PL) estude a implantação de um centro especializado. O tema esteve presente na campanha eleitoral do então candidato Egidio e está no radar, inclusive com uma proposta de usar o espaço que até pouco tempo era usado pelo AMBLU, o abrigo municipal, recentemente desativado.

Que bom que o prefeito esteja pensando, que o vereador esteja preocupado, que a classe política esteja preocupada.

Mas confesso que eu também. Não basta ter uma estrutura física, precisa de gente. Muita gente. Profissional, capacitada, com empatia.

Um atendimento com a única neuropediatra da rede demora, em média, 10 meses. Meu filho Dudu ficou 10 meses sem atendimento por um psiquiatra infantil na rede.

Quantos médicos psiquiatras e neuropediatras Blumenau vai contratar? Vai encontrar onde esses profissionais? E o salário, como vai ser? Sabe-se que estes profissionais, que já ganham bem, ganham muito melhor nos consultórios particulares.

E os profissionais que dão o suporte, o que está previsto? Quantos psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, entre outros, serão contratados? Alguém já tentou uma consulta com esses profissionais na rede?

E quando vamos avançar para que tenhamos os remédios receitados por profissionais da rede pública na rede pública? Em média, a despesa com a medicação mensal do meu guri está em R$ 450.

E na educação? Todos sabem a dificuldade de uma pessoa autista se identificar com alguém que tem, entre suas tarefas, a de tentar dar comandos durante as aulas. Não sei a proporção, mas na rede pública municipal a maioria dos professores de apoio são ACTs, contratados todo o início de ano. Em cinco anos, meu filho nunca iniciou as aulas com a mesma professora com que terminou o ano letivo, o que fazia com que ele, nas férias, sempre repetisse. “Eu não quero ter professora de apoio esse ano.”

E a formação destes profissionais? Os primeiros selecionados têm bastante currículo, mas depois… Gente em formação, gente com outra formação, pessoas que fizeram cursos à distância. Não quero aqui, em momento algum, julgar essas pessoas, tentam se virar, e ao longo desta jornada encontrei algumas que tinham o principal para lidar com meu filho. Empatia. Mas quero reforçar que, para tratar de pessoas, no caso crianças, especiais, o profissional precisa ser “especial”, isso exige formação e valorização.

E quem vai cuidar desses educadores e de toda a comunidade escolar que lida com estas crianças? Sei como meu filho é, como age e o que acontece. Faz por impulso, por nervosismo, explode, provoca. Sou pai, mas e quem está fazendo seu trabalho na educação? Precisa de um suporte.

E a rede de apoio dos pais? Quem cuida da gente? Existe alguém para nos ouvir, nos acolher?

Existem ONGs e associações, em especial a APAE, que fazem um lindo trabalho social. Vai aumentar o apoio público, com verbas e pessoal?

E, dois pontos que entendo serem muito importantes.

Informação. Alguém conhece alguma campanha local sobre autismo?

Pois é. Entendo que a informação é a principal arma para se conquistar a cidadania, pois é através dela que temos mais chances de buscarmos nossos direitos. O acesso à informação antecede o acesso à saúde, educação, segurança e outros.

Sou jornalista e tenho uma condição social boa perto do contexto da população, mas longe de ser abastado. Tenho este choque de realidade nos vários grupos que participo na rede pública, na saúde, educação e assistência social. E percebo, claramente, que muitas pessoas não sabem do seu direito e têm dificuldade de reclamar sobre determinadas situações que, infelizmente, são corriqueiras, na área pública, mas também privada.

Então, é preciso uma injeção de informação. Para a população, para o público-alvo, para os servidores, para o mundo.

E empatia. Quanto olhar de reprovação, quanta cara feia, quanta falta de entendimento. O que já é difícil pode ficar pior, se não houver empatia. Isso não depende do Poder Público, mas da sociedade como um todo. Mas uma campanha de comunicação bem feita ajuda.

Blumenau tem muito de se orgulhar, é a cidade da primeira secretaria de inclusão e paradesporto de Santa Catarina e uma das poucas do Brasil, idealizada por Giselle Margot Chirolli. Meu filho faz natação e futebol, sempre vai reclamando, mas vai. Aliás, ver uma partida de futebol do paradesporto é uma lição de vida para qualquer pessoa.

Mas o paradesporto, que é gigante, parece pouco, frente à dimensão do desafio.

Então, se querem realmente fazer políticas públicas para a pessoa autista, considerem, de forma muito humilde, a contribuição deste pai que reconhece a importância do serviço público neste atendimento. Mas precisa avançar, para que a inclusão seja feita de verdade e não seja apenas uma proposta marqueteira bem intencionada, que se se revelará insuficiente.

Alexandre Gonçalves, editor responsável pelo Informe Blumenau, aqui pai do Dudu

1 Comentário

  1. Parabéns pelo seu texto! Impactante e reflete a realidade de muitos estudantes com autismo aqui em Blumenau.
    Está mais do que na hora de pensar em políticas públicas eficazes para Educação Especial.

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